sexta-feira, 21 de março de 2014

CNJ

21/03/2014 às 05h00
CNJ fortalece 1ª instância com transferência de verbas e servidores
Valor
Por Juliano Basile | De Brasília
Nelson Jr./SCO/STF / Nelson Jr./SCO/STFBarbosa: ministro enfrenta desembargadores que têm condições de trabalho muito superiores aos juízes de 1ª instância
O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) vai determinar a transferência de verbas e de servidores dos Tribunais de Justiça (TJs) para a 1ª instância. O objetivo é reequilibrar o Judiciário, pois 90% dos 92 milhões de processos em tramitação no país estão na 1ª instância e, apesar disso, ela tem menos funcionários e menos verbas do que a 2ª instância.

Enquanto os TJs são verdadeiros palacetes estaduais com colunas de mármore e piso de granito, na 1ª instância, há salas sem sequer tomadas para ligar computadores.

A transferência será obrigatória e vai atacar o terceiro "feudo" de poder dentro do Judiciário: a desproporção na distribuição de dinheiro e de funcionários à Justiça dos Estados. O primeiro "feudo" foi o nepotismo, que foi derrubado na primeira decisão do CNJ, em 2005. O segundo foi o fim dos auxílios que permitiam a juízes ganhar mais do que o teto do funcionalismo. O CNJ suspendeu o pagamento de verbas consideradas esdrúxulas, como o auxílio a magistrados que eram coordenadores de serviços telefônicos dentro de tribunais.

A alocação de verbas é considerada como o terceiro "feudo", já que é difícil controlar a distribuição de dinheiro e de funcionários dentro do Judiciário dos Estados. Mais influentes, os TJs controlam as verbas e obtêm mais servidores.

A transferência partiu de uma avaliação do presidente do CNJ e do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Joaquim Barbosa, de que é "premente a necessidade de conferir um novo olhar ao primeiro grau". "É preciso direcionar os olhos e as atenções para a porta de entrada da Justiça", disse Barbosa, durante um encontro nacional do Judiciário, em novembro passado, no qual defendeu mais recursos para a 1ª instância.

O corregedor-geral de Justiça, ministro Francisco Falcão, também contesta o orçamento destinado à 1ª instância. "Notamos que, em alguns tribunais, há investimentos altíssimos nas sedes, com a construção de verdadeiros palácios e, às vezes, mordomias exacerbadas, em detrimento de uma 1ª instância sucateada", afirmou Falcão, em sessão do CNJ, em outubro.

A realocação de servidores será fixada por resolução a ser votada, em abril próximo, a partir de estudo encomendado por Barbosa. O documento mostra que o Judiciário está torto.

"Onde há mais processos, há menos servidores; onde há menos processos, há mais servidores", disse o relator da resolução no CNJ, conselheiro Rubens Curado. Segundo ele, há estados com desembargadores com 20 funcionários no gabinete, enquanto alguns juízes de 1ª instância não têm nenhum. O estudo mostrou que, em média, os servidores da 1ª instância trabalham 30% a mais dos que os da 2ª. A diferença é que cada servidor da 1ª baixa (resolve) 133 processos por ano, enquanto os da 2ª baixam 102 ações anuais. Os juízes da 1ª também trabalham mais: 1.606 processos baixados por ano contra 1.403 dos magistrados da 2ª.


O relator da resolução no CNJ, conselheiro Rubens Curado, comparou o Judiciário como um hospital público em que o setor de emergência, no térreo, tem cinco médicos para atender 100 pessoas, enquanto 50 médicos trabalham com 25 pacientes nos leitos dos andares de cima.

A resolução fixa critérios objetivos para mudar esse quadro. Ela determina que o número de servidores será proporcional à quantidade de processos. Se, por exemplo, um Estado tiver um milhão de processos, mil servidores para analisá-los e 80% desse volume estiver na 1ª instância, então, 800 servidores terão que trabalhar lá.

O texto também estabelece que, quando a taxa de congestionamento da 1ª instância for 10% maior do que a da 2ª, o TJ terá que providenciar a distribuição de servidores para lá. Os tribunais terão que garantir pelo menos um funcionário em comissão para cada juiz de 1ª instância. O orçamento dos tribunais terá que ser proporcional ao número de processos.

Curado disse que os dados do estudo mostram que os juízes brasileiros são muito produtivos. Na média, eles baixam 1.628 processos por ano. Dividindo esse número por 365 dias, o resultado é que cada juiz brasileiro decide 4,4 processos por dia. "O problema é que ainda assim os juízes não dão conta da demanda", avaliou o conselheiro. Para zerar o estoque total de 92,2 milhões de processos, o Judiciário teria que ficar quatro anos sem receber uma causa e, além disso, manter o recorde de produtividade obtido em 2012, quando a 1a instância concluiu 23,1 milhões de ações.



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