segunda-feira, 28 de outubro de 2013

Belo Monte e jurispudência da OEA


Valor Economico
Valor Data
28/10/2013 às 00h00 1
Belo Monte pode gerar jurisprudência na OEA

Por Juliano Basile | De Washington
Agência El Universal/Newscom / Agência El Universal/NewscomEmilio Icaza, da Comissão de Direitos Humanos da OEA: "O que se vê no continente são conflitos em ascensão"
As denúncias contra a construção da hidrelétrica de Belo Monte feitas em fóruns internacionais, como a Organização dos Estados Americanos (OEA), devem criar jurisprudência para a realização de obras em toda a América Latina.

A partir da análise do caso brasileiro, a Comissão de Direitos Humanos da OEA, em Washington, vai definir diretrizes para obras em todo o continente, como a construção de estradas na Bolívia, os conflitos entre mineradoras e comunidades no interior da Colômbia e disputas entre populações maias e empresas que realizam obras no setor de energia elétrica na Guatemala. "Todos os países têm o seu Belo Monte", afirmou o secretário-executivo da comissão, Emilio Alvarez Icaza, cargo mais importante após a Secretaria-Geral da Comissão.

Quando a comissão recomendou a suspensão das obras da usina, em abril de 2011, o governo brasileiro ameaçou sair do Sistema Interamericano de Direitos Humanos e retirou o seu embaixador da OEA, situação que persiste até hoje. Dois anos depois, Icaza reconhece que as tensões continuam.

Por outro lado, o secretário elogiou os sinais de aproximação entre Brasil e OEA, como a eleição de Paulo Vanucchi para secretário-geral da Comissão de Direitos Humanos (cargo que deverá assumir em janeiro do ano que vem) e a posse de Roberto Caldas como juiz da Corte Interamericana. Um novo embaixador, no entanto, ainda não foi indicado.

Para Icaza, o caso Belo Monte representa uma nova agenda de direitos humanos para a América Latina. No passado, diz, a OEA tratava de denúncias de torturas e desaparecimentos de pessoas. Agora, lida com tensões envolvendo obras de infraestrutura, comunidades locais e a defesa do ambiente.

A comissão também deverá receber outro grande conflito brasileiro: o mensalão. Assim que os últimos embargos forem julgados pelo STF, réus devem recorrer a Washington. O objetivo será o de fazer com que as condenações do mensalão sejam levadas à Corte Interamericana, na Costa Rica.

Sociólogo, formado pela Universidade Nacional Autônoma do México, Icaza é autor de mais de 80 artigos sobre direitos humanos. Ele defende que a Convenção Americana de Direitos Humanos seja aplicada não apenas pelas supremas cortes dos países, mas pelos tribunais estaduais e juízes de pequenas cidades. No Brasil, são poucos os casos em que se ouve falar de seguir as diretrizes da Convenção Americana, mesmo no STF. Apesar disso, o secretário avalia que o país avança nessa área. ""Estamos certos de que podemos contar com o colosso do Sul."

A seguir, os principais trechos da entrevista:

Valor: Estão aumentando as denúncias contra o Brasil na OEA?

Emilio Alvarez Icaza: O efeito Belo Monte aumentou o número de denúncias contra o país. Em 2012, o Brasil sofreu 96 denúncias e chegou a ser o terceiro com mais demandas. É um número relativo, quando se vê que apenas um caso, o de Belo Monte, teve grande impacto. Atualmente, o Brasil está em sexto em número de denúncias. Neste ano já são 65. O México é o primeiro da lista, seguido de Colômbia, Chile, Peru e Argentina. Nesses países, aumentaram as denúncias.

Valor: Por que cresceram as denúncias contra esses países?

Icaza: Há uma soma de fatores. Não creio num fenômeno único. Claro que há problemas específicos, como Belo Monte, que impulsionam denúncias. Mas elas também crescem com o aumento de consciência democrática, o que deve ser visto como uma conquista, como a construção de cidadania. Os governos não devem encarar as denúncias como ameaças.

Valor: Mas as denúncias não prejudicam a imagem dos países?

Icaza: Não creio. Um bom exemplo é o que aconteceu com a Lei Maria da Penha. A partir de um caso dramático com uma mulher, se fez uma lei e se desenvolveu uma política pública para enfrentar os problemas de violência contra as mulheres. Sequer foi necessária uma sentença. Foi uma solução amistosa na comissão. Esse foi um exemplo muito bom de como pode funcionar o sistema. O caso nem precisou ser enviado à Corte Interamericana para julgamento. O Estado brasileiro percebeu que era necessário fazer reformas legais e adotar novas políticas públicas para enfrentar as causas do problema.

Valor: Como estão as relações entre o Brasil e a comissão? A tensão do caso Belo Monte continua?

Icaza: O Brasil mandou sinais muito bons de que quer participar mais fortemente do sistema. A candidatura de Paulo Vanucchi [ao cargo de secretário-geral] foi importante. Creio que o Brasil deve ter uma liderança maior. Infelizmente, o país não tem embaixador na OEA. É algo que não se compreende, pois o Brasil é um "global player". Também não entendemos por que alguns países como Brasil, México, Colômbia, Argentina, não têm maior peso na OEA.

Valor: Maior peso financeiro ou político?

Icaza: Ambos. O Brasil deve ter maior peso financeiro e político na OEA. A participação do Brasil e dos demais é importante, porque o multilateralismo se debilitou nos últimos anos e isso não convém à América Latina. O multilateralismo é o campo para a defesa internacional dos direitos humanos e a OEA é o único espaço em que os países pequenos podem falar com os grandes. Na OEA, uma ilha de 190 mil habitantes pode dialogar com os Estados Unidos, a Guatemala pode conversar com o México, o Uruguai com a Argentina. Nas negociações bilaterais, sempre ganham os grandes. O que acontece em Itaipu entre o Paraguai e o Brasil? O que acontece em negociações com o México e os Estados Unidos? Os grandes vencem sempre. Por isso, são importantes os espaços multilaterais.

"Belo Monte continua sendo um espaço de tensões. Elas diminuíram, mas o caso segue latente"

Valor: Belo Monte ainda é motivo de tensões entre a comissão e o Brasil?

Icaza: Belo Monte continua sendo um espaço de tensões. Elas diminuíram, mas o caso segue latente. Belo Monte trata de um debate sobre o modelo de desenvolvimento. É, sim, uma agenda de tensões. O caso se insere num triângulo: desenvolvimento, ambiente e comunidades indígenas. É algo que tem que ser equacionado, pois o modelo de desenvolvimento da América Latina não pode cometer os mesmos erros da Europa, dos Estados Unidos e do Canadá. Em toda a América Latina, os megaprojetos de petróleo, de mineração, as construções de estradas estão gerando muitas tensões. Isso ocorre não apenas no Brasil, mas na Guatemala, no México, em El Salvador, em Honduras, na Colômbia, no Suriname, no Chile, na Argentina, na Bolívia e no Equador. O que se vê no mapa do continente são conflitos em ascensão.

Valor: Como o caso Belo Monte está sendo processado?

Icaza: No caso de Belo Monte, foi dada uma cautelar e há uma discussão que envolve uma nova agenda de direitos humanos. Essa agenda trata do direito ao desenvolvimento. No passado recente, tratávamos de muitos casos de torturas e de desaparecimentos de pessoas. Agora, se fala de consulta aos povos indígenas antes de realizar obras, do respeito ao ambiente sadio, ecologicamente equilibrado, de modelos de desenvolvimento. É uma agenda distinta, um novo desafio para toda a região, e não apenas do Brasil. Belo Monte significa e simboliza essa nova agenda de tensões e conflitos.

Valor: O que temos na comissão é uma cautelar pedida a favor de comunidades afetadas pelas obras?

Icaza: Sim, o governo brasileiro foi denunciado, mas o Brasil está fazendo um trabalho importante de cooperação, nos presta informações. A comissão terá que decidir se admite ou não o caso [se vai enviá-lo para a Corte para julgamento]. Esse momento ainda não chegou.

Valor: O processo de Belo Monte pode definir diretrizes para outros países? Ele vai criar jurisprudência sobre conflitos envolvendo obras e comunidades locais para toda a América Latina?

Icaza: Certamente. Cada caso é uma oportunidade para estabelecer nova jurisprudência. Belo Monte é um desafio importante e, assim como o caso na Guatemala envolvendo os maias, o da Bolívia com a construção de estradas, o da Colômbia com a mineração, vai gerar jurisprudência na Comissão e na Corte. Todos os países têm seu Belo Monte. Não é o problema do caso em si, mas o que representa em termos de agenda de desenvolvimento. Os Estados, as comunidades indígenas e os projetos de desenvolvimento, todos têm que ver como vão tratar desse tema.

Valor: Hoje, a jurisprudência está mais favorável às obras ou às comunidades?

Icaza: A jurisprudência está em desenvolvimento. Não está definida. Há muitos anos, não havia o conceito de desaparecimentos forçados. As pessoas começaram a litigar e o conceito foi desenvolvido. Hoje, temos que ver como abordar novos temas. Por exemplo, as empresas têm ou não responsabilidade em matérias relacionadas aos direitos humanos? Em muitos casos, já não podemos dizer que a culpa é toda do Estado. É algo que está em evolução.

Valor: Como a comissão discute os casos em que políticos recorrem contra condenações das supremas cortes locais?

Icaza: O que tem que ficar claro é que o caso só chega aqui quando acabam os recursos nos países de origem.

Valor: O STF está, agora, analisando os recursos do mensalão.

Icaza: Por isso mesmo, o caso não chegou aqui e não posso me pronunciar.

Valor: A Corte não tem jurisprudência sobre casos de condenações de políticos condenados, que recorrem a organismos internacionais?

Icaza: Eles podem recorrer. Mas não chegou nada aqui, então, não quero me adiantar. Hoje, não temos nenhum caso parecido. Nos problemas em que não se encontram soluções internas, as pessoas acabam buscando uma causa fora, no exterior. Isso acontece no Brasil e em qualquer país do mundo.

Valor: E será possível chegar a uma solução aqui na comissão no caso do mensalão?

Icaza: Não posso me adiantar. Temos que ir com muita calma. Veremos no futuro.

Valor: Há, no Brasil, outro problema, com relação à Lei de Anistia, pois a Corte Interamericana determinou que casos de torturas e desaparecimentos de pessoas devem ser investigados e o STF tomou decisão em sentido contrário, mantendo a validade da anistia.

Icaza: Sim, mas entraram com recurso [da OAB ao STF]. O Brasil está num caminho muito interessante de dialogar com mais força com o Sistema Interamericano de Direitos Humanos. Isso é muito importante. O fato de o Brasil fazer sessões da Corte é muito importante. A posse de Roberto Caldas [como juiz da Corte] também. Agora, vão começar a traduzir toda a jurisprudência da Corte para o português. Com isso, os juízes do Brasil devem começar a aplicar de maneira mais constante essa jurisprudência. A maneira correta de entendermos esse movimento é que o direito interno pode ser feito com fontes internacionais. Com isso, se vai dialogando e amadurecendo a aplicação das decisões da Corte Interamericana, não apenas pela Justiça de cada país, mas na realização de políticas públicas pelos governos. Esse movimento está se acelerando, mas o Brasil ainda é jovem nessa matéria.

Valor: O STF e os tribunais do Brasil precisam aplicar mais as decisões da Corte Interamericana?

Icaza: O Brasil tem um desafio muito interessante, como a Argentina e o México, pois são países federais. Geralmente, o que acontece nos países federais é que os governos estaduais e das províncias pensam que a questão internacional está apenas no plano federal. É preciso que eles entendam que os poderes Executivos, Legislativo e Judiciário locais são sujeitos e obrigados a seguir a responsabilidade internacional do Estado como um todo. Isso aconteceu na Argentina e no México e foi um diálogo difícil para que seguissem as convenções internacionais, o que chamamos de controle de convencionalidade. Esse processo deve se fortalecer e vai afetar não apenas os órgãos federais, como também os estaduais e municipais.

Valor: No Brasil, o STF quase não usa a expressão controle de convencionalidade.

Icaza: Não, ela não é muito utilizada. Mas isso faz parte dos diálogos democráticos que vão ser feitos com o Brasil como nação. Faz parte do aprendizado. Cada país avança de sua maneira. O México fez uma reforma constitucional dos direitos humanos que tornou obrigatório o controle de convencionalidade. Os avanços do Brasil são particulares, mas estou convencido que o país pode ter um papel muito importante. Estamos certos de que podemos contar com o colosso do Sul

Corte interamericana

Valor Data
28/10/2013 às 00h00
Corte Interamericana de Direitos Humanos provoca a reabertura de ações penais
Por Maíra Magro | De Brasília
As decisões da Corte Interamericana de Direitos Humanos já resultaram em 39 condenações criminais definitivas no Judiciário de países latino-americanos, ao provocar o início ou a reabertura de processos penais que estavam parados nas instituições locais. Entre elas estão diversas condenações de autoridades por crimes cometidos durante governos ditatoriais, inclusive em países que mantiveram suas leis de anistia.

Os dados foram apresentados pelo presidente da Corte Interamericana, o peruano Diego Garcia-Sayán, que defendeu a investigação de crimes cometidos por ditaduras mesmo em países que mantiveram leis de anistia - como o Brasil. Segundo ele, "interpretações judiciais criativas" permitiram, mesmo em países que nunca derrubaram essas leis, a investigação, reparação e punição de crimes cometidos por agentes do Estado em governos autoritários.

Ele cita o exemplo do Chile, que vem punindo responsáveis por desaparecimentos forçados durante a ditadura de Augusto Pinochet (1973-1990) com o entendimento de que, apesar da Lei de Anistia, se trata de delito continuado.

"Se uma pessoa foi sequestrada, desapareceu e não está aqui, quer dizer que o delito se mantém. De forma que a lei [de anistia] não seria aplicável segundo vários dos processos que estão em curso no Chile", explica. Ele ressalta que outros crimes, como homicídios, também estão sendo investigados.

Já no Peru, diz Garcia-Sayán, a Lei de Anistia foi condenada pela Corte Interamericana em 2001 e, embora tenha sido mantida pelo país, não é mais aplicada. "Formalmente, nem o Congresso nem a Suprema Corte a anularam, mas simplesmente nunca mais se aplicou."

Ele ressalva que não propõe um modelo a outros países e nem dizendo que essas soluções são certas ou erradas: "Creio que há uma criatividade interpretativa muito interessante. Não quero com isso dizer que o que estão fazendo está bem ou mal, não conheço detalhes das investigações, mas sim ver que há esforços muito diversos em encontrar um caminho para que essas investigações sejam feitas."

Garcia-Sayán evitou comentar a situação do Brasil em relação ao caso Araguaia, julgado em 2010. A decisão da Corte Interamericana determinou ao país que investigue e puna os agentes do Estado responsáveis por crimes cometidos na ditadura militar (1964-1985).

Pouco tempo depois, porém, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu manter a Lei de Anistia, que impede a punição de civis e agentes do Estado por crimes cometidos no período autoritário. A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), autora da ação e favorável à punição, entrou com recurso contra a decisão do STF, ainda pendentes de julgamento.

Recentemente, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, sinalizou em parecer que os chamados crimes contra a humanidade, como tortura e morte de opositores políticos, são imprescritíveis - portanto ainda passíveis de punição. O parecer diverge do entendimento manifestado pelo antecessor de Janot, Roberto Gurgel, que deu parecer contrário à OAB.

Segundo Garcia-Sayán, não há sanções diretas previstas para países que descumprirem decisões da Corte Interamericana.

Apesar disso, diz, é importante para os países latino-americanos indicarem que respeitam a democracia e o direito internacional

quinta-feira, 24 de outubro de 2013

Valor Economico de 24 de outubro de 2013 demarcação congresso governo

Medidas para demarcação opõem governo e Congresso

Por De São Paulo
Governo e Congresso, especialmente a bancada ruralista, discutem há meses regras para definir a demarcação de terras indígenas. Na última reunião, no começo de outubro, o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, prometeu publicar em "mais ou menos" 15 dias uma portaria que vai alterar as regras para demarcação das terras indígenas. O ministro, porém, não deu detalhes de quais seriam as alterações, que foram prometidas inicialmente para maio.
Em abril, a ministra Gleisi Hoffmann afirmou em audiência pública que o governo editaria portaria que retirava os poderes da Fundação Nacional do Índio (Funai) - os ruralistas acusam o órgão de favorecer os índios nas demarcações. A mudança estudada pelo governo é dividir o processo de análise entre vários departamentos. Além da Funai, opinariam também a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e o Ministério de Desenvolvimento Agrário.
No Congresso, um grupo de parlamentares quer instalar uma comissão para discutir a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 215/13, que transfere a decisão para o Congresso. Para o governo, essa não é uma solução para o problema porque contrariaria as cláusulas pétreas da Constituição e não resolve o tensionamento existente", disse.
Na reunião do início de outubro também ficou acertado que o governo faria uma proposta (até 22 de outubro) de regulamentação do artigo 231 da Constituição Federal, que versa sobre as terras de direito dos índios. Isso não aconteceu. Os representantes do agronegócio já têm sua própria proposta para o tema, o Projeto de Lei 227/12, mas o governo considera que o texto defende apenas o setor e ignora o direito dos índios, aumentando a tensão entre as partes.
Na ocasião, parte da bancada ruralista, já desconfiava da promessa do ministro. "Tenho certeza que o governo não vai apresentar nenhuma proposta dia 22 porque não quer o debate", afirmou no começo de outubro o deputado Moreira Mendes (PSD-RO). O grupo negocia desde fevereiro a instalação da PEC 215 e há anos a mudança na demarcação, mas até agora as negociações não avançaram.



As condicionantes da demarcação da terra indigena

Notícias STFImprimir
Quarta-feira, 23 de outubro de 2013
Plenário mantém condições fixadas no caso Raposa Serra do Sol
O Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) confirmou, na tarde desta quarta-feira (23), a validade das 19 salvaguardas adotadas no processo que decidiu pela manutenção da demarcação contínua da terra indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima, mas esclareceu que a decisão tomada na Petição (PET) 3388 não tem efeito vinculante, não se estendendo a outros litígios que envolvam terras indígenas. Os ministros também decidiram que os índios podem realizar suas formas tradicionais de extrativismo mineral, como para a produção de brincos e colares, sem objetivo econômico. O garimpo e a chamada faiscação, com fins comerciais, dependem de autorização expressa do Congresso Nacional.
O caso
Em março de 2009, ao concluir o julgamento da PET 3388, a Corte considerou válidos a portaria e o decreto presidencial que homologaram a demarcação da reserva, e listou uma série de condições para a execução da decisão, que seria supervisionada pelo Supremo com apoio do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1). Contra a decisão foram apresentados sete embargos de declaração, pedindo esclarecimentos e até mesmo mudanças na decisão.
Salvaguardas
A Procuradoria Geral da República (PGR) questionou, inicialmente, a validade das condicionantes incorporadas ao acórdão da PET 3388. Para a PGR, não caberia ao STF traçar parâmetros abstratos de conduta, quando esses temas não foram sequer objeto de discussão no processo, e não permitiram direito ao contraditório. Para a Procuradoria, a Corte extrapolou os limites da causa.
O relator do caso, ministro Roberto Barroso, concordou que a incorporação das salvaguardas foi uma decisão atípica, mas observou que, sem elas, seria impraticável pôr fim ao conflito existente na região. As salvaguardas foram uma espécie de regime jurídico a ser seguido para a execução do decidido, explicando o sistema constitucional incidente na matéria.
Ao negar provimento aos embargos da PGR neste ponto, o relator foi acompanhado pela maioria dos ministros presentes à sessão, à exceção dos ministros Marco Aurélio e Joaquim Barbosa, para quem o STF, ao criar as condicionantes, teria extrapolado o objeto da causa, traçando parâmetros abstratos e alheios ao que fora proposto na ação original. Em todo o julgamento, estas foram as únicas divergências quanto ao conteúdo material do julgado.
Vinculação
A decisão do STF sobre a demarcação da Raposa Serra do Sol não vincula juízes e tribunais quando do exame de outros processos relativos a terras indígenas diversas, explicou o ministro Barroso ao analisar outro ponto dos embargos da PGR. A decisão vale apenas para a reserva em questão. Nesse sentido, Barroso lembrou que a Corte já negou reclamações em outros casos, que alegavam desrespeito à decisão tomada nesta Petição.
Contudo, o ministro ressaltou que a ausência de vinculação formal não impede que a jurisprudência construída pelo STF, estabelecendo diretrizes, possa ser seguida pelas demais instâncias. Isso porque, embora não possua efeitos vinculantes, “a decisão ostenta a força intelectual e persuasiva da mais alta Corte do País”, arrematou Barroso.
Primazia
A PGR também sustentou que a decisão do STF teria dado primazia aos interesses da União, em detrimento dos direitos indígenas. Para o ministro Barroso, contudo, não existiu a alegada primazia, a quem quer que seja. O STF apenas definiu como deveriam ser conciliadas as forças antagônicas presentes no litígio. De acordo com o ministro, não existe direito absoluto: os direitos dos índios são tão importantes quanto o direito à proteção ambiental ou à defesa nacional.
Outro ponto levantado pela PGR dizia respeito à necessidade de edição de lei complementar para a utilização das terras indígenas para fins econômicos, militares ou para a manutenção de serviços públicos. O relator explicou que, se não fosse regulamentado esse ponto, por meio de uma das salvaguardas constantes da decisão do STF, haveria óbice às ações para prestação de serviços públicos – como educação ou saúde, por exemplo –, e ações relativas à soberania e defesa nacional. Esse impedimento, segundo ele, não seria compatível com o conjunto da Constituição.
Consulta
A PGR também se manifestou sobre a necessidade de participação das comunidades indígenas nas deliberações que afetem seus interesses diretos. O ministro-relator explicou que o acórdão na PET 3388 destaca que o direito de prévia consulta às comunidades deve ceder diante de questões estratégicas, como a defesa nacional, soberania ou a proteção ambiental, que podem prescindir de prévia comunicação a quem quer que seja, incluídas as comunidades indígenas.
Ele alertou, porém, para o fato de que essa possibilidade não pode ser usada como subterfúgio para afastar a participação dos índios nas tomadas de decisões. Além disso, lembrou que a União e os indígenas podem recorrer de qualquer decisão que julgarem ilegal.
Ampliação
Quanto ao impedimento para ampliação das áreas demarcadas, o ministro explicou que, se não fosse feita essa salvaguarda, e fosse permitida a ampliação de demarcações, estaria se criando um ambiente de insegurança jurídica. A vedação, contudo, não impede que determinada área seja aumentada, por meio de compra de áreas contíguas pelos próprios índios ou pela União, ou pela desapropriação de terras.
Roberto Barroso explicou, ainda, que o acórdão questionado não proíbe toda e qualquer revisão do ato de demarcação: o controle judicial dos processos demarcatórios é plenamente admitido. “Não fosse assim, o STF sequer teria julgado a Petição”, afirmou. Mas a revisão não pode ser fundada na conveniência do administrador. Isso porque ampliação ou revisão de terras indígenas não depende de avaliação política, e sim de estudo técnico antropológico. Qualquer modificação não pode depender de interesses políticos momentâneos.
Garimpagem e faiscação
As comunidades indígenas de Socó, Barro, Maturuca, Jawari, Tamanduá, Jacarezinho e Manalai questionaram a necessidade de os índios obterem permissão para exercerem a chamada lavra garimpeira. Uma das salvaguardas incluídas no acórdão diz que os índios não poderão, sem autorização do Congresso Nacional, explorar recursos hídricos e energéticos da reserva. A própria Constituição prevê que o usufruto não permite a exploração de recursos.
Em seu voto, o ministro Barroso defendeu a validade da cláusula, mas disse entender que não se pode confundir mineração – exploração econômica – com formas tradicionais de extrativismo, históricas, integrantes do modo de vida de determinadas comunidades indígenas. Para Barroso, deve ser permitida aos índios a forma tradicional de extrativismo mineral, sem finalidade econômica, como para a produção de brincos e colares.
Questões
Outro embargante, o senador Mozarildo Cavalcanti (PTB-RR), fez uma série de perguntas que foram respondidas pelo relator na sessão desta quarta.
Sobre a possibilidade de permanência de pessoas não índias, miscigenadas ou que vivam maritalmente com índios, Barroso frisou que a decisão não se baseou em critérios genéticos, mas socioculturais. Para o ministro, podem permanecer na Raposa Serra do Sol todos que integrem comunidades indígenas locais, pouco importando se possuem ancestrais índios ou se têm vínculo de sangue ou de união.
As autoridades religiosas de denominações não indígenas e seus templos podem permanecer nas áreas, desde que aceitos pelas comunidades locais, e não pretendam intervir na forma de viver dos índios. As comunidades têm autonomia para decidir se aceitam, ou não, a presença de missionários e seus templos nas áreas indígenas.
Da mesma forma, as escolas públicas estaduais e municipais podem continuar funcionando na reserva. De acordo com o ministro Barroso, o acórdão na PET 3388 foi expresso no sentido de que estado e municípios devem continuar a prestar serviços públicos na área, respeitando, contudo, as normas federais sobre educação dos índios.
O ministro também explicou que os não índios podem passar pelas rodovias públicas que atravessam a Raposa Serra do Sol – mais especificamente a Boa Vista-Pacaraima e a BR 433 –, sem ter o direito de usufruto sobre rios, lagos e riquezas da região. Os índios não exercem poder de polícia, e não podem impedir a passagem de cidadãos por vias públicas.
O relator lembrou, ainda, que, no julgamento da PET 3388, o STF não apreciou ações individuais de portadores de títulos de propriedade de terras na região, apenas julgou a validade da portaria e do decreto que homologaram a demarcação da Raposa Serra do Sol. Assim, ações individuais devem ser analisadas caso a caso, pelas instâncias locais, levando em conta o teor do julgamento. Por fim, salientou que eventuais conflitos entre grupos indígenas quanto à ocupação ou desocupação de fazendas deverão ser resolvidos pela própria comunidade, sob supervisão da União e da Fundação Nacional do Índio (Funai).
O senador Mozarildo Cavalcanti questionou o fato de o STF proceder à execução de uma decisão declaratória. Em seu voto, o ministro Barroso mencionou que o que a Corte fez foi declarar a validade da portaria e do decreto que homologaram a demarcação, estabelecendo condições pelas quais ela seria implementada. O que está sendo executado não é a decisão, mas a portaria e o decreto. “O STF chamou para si a efetivação do julgado diante do histórico de conflitos na região”, afirmou. “Seria ingênuo supor que a mera declaração faria cessar a oposição indevida aos direitos reconhecidos no processo”.
O senador também questionou a ausência de citação do Estado de Roraima. Sobre este ponto, o ministro explicou que, após a instrução do processo, o Estado pleiteou seu ingresso no feito como litisconsorte, ao lado do autor, mas os ministros decidiram admitir o estado como assistente simples, colhendo o processo na situação em que se encontrava.
Fazenda Guanabara
O autor da PET 3388, ex-senador Augusto Affonso Botelho Neto, recorreu contra a decisão alegando que a Fazenda Guanabara deveria ser excluída da área demarcada, uma vez que seria propriedade privada desde 1918, tendo sido reconhecido o domínio particular por sentença transitada em julgado em 1983. O ministro negou provimento aos embargos, lembrando que a questão da fazenda foi expressamente mencionada nos votos dos ministros Ayres Britto (aposentado), Menezes Direito (falecido) e Gilmar Mendes.
Jurisdição
Ao final do julgamento, o ministro revelou que recebeu informação do desembargador federal Jirair Megherian, do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1), que auxiliou o relator original, ministro Ayres Britto, no sentido de que a execução da decisão já foi integralmente concluída. Segundo o desembargador, em junho de 2009 não havia nenhum não índio na terra indígena Raposa Serra do Sol. Não houve necessidade de prisão, e a maior parte dos não índios que tiveram que sair já sacou valores depositados pela Funai a título de indenização por benfeitorias advindas da ocupação de boa-fé.
Assim, concluída a execução, o ministro Barroso propôs que, transitada em julgado essa decisão, a jurisdição do STF está encerrada no caso. A proposta foi acolhida pelos ministros presentes ao final da se

Demarcação de terras indigenas

Para STF, Raposa Serra do Sol não impõe padrão a reservas
Condicionantes adotados na decisão de 2009 só valem para área em Roraima

AGU, contudo, deverá reeditar portaria para tentar estender normas a todos os processos de demarcação de terras

SEVERINO MOTTA
DE BRASÍLIA
Os ministros do STF (Supremo Tribunal Federal) julgaram ontem sete recursos apresentados no processo de demarcação das terras indígenas da Raposa Serra do Sol, em Roraima, e decidiram que as condicionantes impostas para a demarcação contínua não serão aplicadas automaticamente a outras reservas.

Quando o STF decidiu em 2009 pela demarcação, 19 ressalvas foram feitas para, entre outras coisas, garantir a presença da União nas terras, que poderá ingressar livremente no território com as Forças Armadas ou com a Polícia Federal, instalar e dar manutenção a serviços públicos e relativizar o direito do usufruto das terras pelos índios sempre que houver relevante interesse público.

Entre os recursos, apresentados por índios, produtores, Ministério Público e governo de Roraima, entre outros, havia tentativas de derrubar parte das condicionantes, questionamentos sobre a validade da decisão sobre Raposa Serra do Sol para outras reservas e pedidos de esclarecimentos de como as normas deveriam ser seguidas.

RECURSOS

O relator da matéria no STF, Luís Roberto Barroso, aceitou em parte os recursos somente para deixar mais claro como as condicionantes afetariam a reserva, mas não modificou os itens e afirmou que eles só valem para a Raposa Serra do Sol.

Apesar disso, por se tratar de uma decisão do Supremo, o resultado aponta numa direção de jurisprudência que deverá ser observada por outros tribunais quando forem analisar novos processos sobre o tema na Justiça.

"Embora não tenha efeitos vinculantes em sentido formal, o acórdão (decisão do julgamento) ostenta força de uma decisão da mais alta corte do país", disse Barroso.

BARBOSA

Durante o julgamento, foram contrários à visão do relator os ministros Marco Aurélio Mello e o presidente da corte, Joaquim Barbosa.

Eles acreditam que o Supremo extrapolou suas atividades e cumpriu o papel de legislador ao criar as 19 condicionantes, por isso votaram no sentido de derrubá-las.

Entre os esclarecimentos de como as condicionantes devem ser seguidas, Barroso destacou que escolas públicas, por exemplo, poderão funcionar sob o controle do poder público dentro da reserva. Igrejas também poderão atuar, desde que autorizadas pelas comunidades.

Outro ponto debatido foi a necessidade de autorização para atividades de mineração. O relator afirmou que as formas primitivas de extração estão liberadas e que somente aquela com finalidade econômica necessita do aval do governo.

No julgamento ainda ficou garantido o trânsito de não índios nas rodovias que passam dentro da reserva.

CRÍTICAS

Integrantes de comunidades indígenas da Raposa Serra do Sol que acompanharam o julgamento criticaram o fato de o STF não ter derrubado algumas das condicionantes, em especial a que proíbe a ampliação das terras demarcadas, mas comemoram por elas não terem sido automaticamente estendidas a outras reservas que tentam ampliar seus territórios.

A AGU (Advocacia-Geral da União), por sua vez, adotará a posição favorável do Supremo às condicionantes definidas no julgamento de 2009 e deverá reeditar uma portaria --que estava suspensa desde o ano passado-- para tentar aplicar em todos os processos de demarcação de terras as mesmas normas impostas à Raposa Serra do Sol.

sábado, 19 de outubro de 2013

Link para o site do Conjur com o parecer da PGR sobre tortura


http://www.conjur.com.br/2013-out-19/crimes-estado-humanidade-nao-prescrevem-janot-parecer

Folha de S.Paulo - Parecer do Procurador Geral da República

OAB ingressará com nova ação no Supremo para rever Lei da Anistia
Para entidade, fatos novos podem agora derrubar legislação da ditadura que protege torturadores
Medida tem apoio das comissões da verdade; mudanças no tribunal e no Ministério Público podem reabrir o caso
LUCAS FERRAZDE SÃO PAULOSEVERINO MOTTADE BRASÍLIACom o apoio das Comissões da Verdade existentes no país e entidades de direitos humanos, a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) vai protocolar no Supremo Tribunal Federal uma nova ação questionando a Lei da Anistia.
O objetivo é utilizar uma nova argumentação para tentar anular a legislação em vigor, que impede a responsabilização de agentes do Estado e militares acusados de crimes de lesa humanidade, como os de tortura, ocorridos durante a ditadura (1964-85).
"A ação será formalizada em reunião do conselho federal da entidade no próximo dia 11", afirmou à Folha Marcos Vinícius Furtado Coelho, presidente da OAB.
Desde que o Supremo julgou em abril de 2010 uma outra ação da OAB que questionava a Lei da Anistia, pelo menos três novos fatos surgiram e serão usados como argumentos favoráveis ao reexame do tema. O último deles, na semana passada.
Em decisão inédita, o Ministério Público Federal se manifestou num pedido de extradição referente a um policial argentino, buscado em seu país por crimes de lesa humanidade, argumentando que "a pretensão punitiva não está prescrita nem na Argentina nem no Brasil".
O parecer, inédito, foi assinado pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, e mudou entendimento de seus dois antecessores, Roberto Gurgel e Antonio Fernando de Souza.
Há ainda a condenação do Brasil na Corte Interamericana de Direitos Humanos, em dezembro de 2010, pela execução de 70 guerrilheiros do Araguaia, entre 1972 e 74.
A sentença pede ainda que o Brasil identifique e puna os responsáveis pelas mortes e ressalta que a Lei da Anistia não pode ser usada para impedir a investigação de crimes do período.
Houve nesses anos, também, mudança na composição do STF, que ainda não concluiu o julgamento da Anistia: faltam ser analisados os embargos de declaração.
Três dos sete ministros da corte que decidiram pela manutenção da legislação, por considerá-la "bilateral" e fruto de um acordo político (feito sob ditadura, em 79) resultado de um "amplo debate" no país, já deixaram a Corte.
Um dos novatos, Luís Roberto Barroso, comentou durante sua sabatina ao cargo, em junho, que o julgamento da Lei da Anistia poderia ser revisto. Meses antes, Joaquim Barbosa, presidente do STF, disse o mesmo, argumento que a composição do tribunal passara por alterações.