Valor Econômico
Decisões do STJ e a reforma do CPC
Marcelo Annunziata
01/04/2011
Entre as propostas de alteração do Código de Processo Civil (CPC), que estão sob a análise da Câmara dos Deputados, destaca-se uma que deve promover uma verdadeira alteração de costumes no Poder Judiciário: juízes de primeiro grau de jurisdição e tribunais de segunda instância ficarão vinculados ao entendimento manifestado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) em determinado assunto, desde que a Corte tenha pacificado o tema no âmbito de julgamento de recurso repetitivo.
O "recurso repetitivo" é aquele em que determinado tema é identificado como matéria de direito que se repete em múltiplos recursos de competência do STJ, e por meio do qual aquela Corte escolhe um ou alguns dos recursos para poder pacificar em seu âmbito determinado assunto. O resultado do julgamento feito pelo STJ irá se aplicar automaticamente para os recursos especiais que aguardam julgamento por aquela Corte.
Ocorre que, da forma como hoje está estruturado esse mecanismo, a decisão do STJ apenas se aplica de forma automática aos casos que estão sob a sua competência, mas não tem efeito vinculante sobre os processos que estão sob a competência de outros juízes e tribunais, que ainda irão analisar aquela matéria. A orientação do tribunal superior para esses casos representa mera recomendação que, no campo ideal, deveria ser seguida pelos demais juízes em respeito à segurança jurídica dos jurisdicionados. Na prática, diversos juízes de primeira instância e mesmo de tribunais de segunda instância acabam por ignorar as orientações do STJ e, em nome do princípio do livre convencimento aplicável aos juízes, acabam por simplesmente ignorar decisões emanadas do tribunal de superior hierarquia.
Na prática, juízes ignoram orientações do STJ em nome do livre convencimento
Exemplos dessa situação não faltam. É o caso, por exemplo, no âmbito do Tribunal Regional Federal (TRF) da 3ª Região, onde alguns desembargadores entendem que o prazo para restituição/compensação de tributos sujeitos ao lançamento por homologação é de cinco anos anteriores à propositura da ação judicial, e não de dez anos como preconiza o entendimento pacificado do STJ no âmbito do mecanismo de recurso repetitivo. Com isso, deve o contribuinte ingressar com recurso especial ao STJ para tentar reverter esse entendimento, o que por certo ocorrerá, apesar dos riscos notórios de problemas formais desse tipo de recurso ao tribunal superior.
Ainda na área tributária, outro exemplo tem se verificado por parte de juízes de primeira instância. Há jurisprudência pacificada do STJ, no âmbito do mecanismo de recurso repetitivo no caso de cabimento de medida cautelar para a finalidade de se obter Certidão Negativa de Débitos (CND) perante a Receita Federal/Procuradoria da Fazenda Nacional mediante a apresentação de fiança bancária para garantia do débito fiscal que será futuramente objeto de execução fiscal por parte do Poder Público. Isso porque, quando há um débito fiscal definitivamente constituído na esfera administrativa, o contribuinte não consegue obter a CND (documento essencial para participar de licitações, por exemplo), pois não pode apresentar garantia via fiança bancária a não ser que aguarde o ajuizamento do processo executivo fiscal para então poder apresentar tal garantia e discutir o débito via embargos à execução. Em razão disso, entendeu-se que a solução seria o ajuizamento de uma medida cautelar na qual se aceitaria a apresentação antecipada da garantia que futuramente ficará vinculada ao processo de execução fiscal.
Nesse caso, apesar de estar pacificado no âmbito do STJ que essa cautelar é cabível, insistem alguns juízes em considerar que a medida é inadmissível, dentre outros motivos, por não haver previsão legal de cabimento.
Não se pretende, de forma alguma, defender o afastamento da liberdade do juiz na tomada de decisões, até porque essa liberdade é pressuposto da democracia e da independência do Judiciário. O que se defende, apenas é, em nome da segurança jurídica e em respeito à hierarquia das decisões judiciais, o respeito ao quanto decidido de forma pacificada pelos tribunais superiores, no caso, o STJ, o que representará economia vultosa de tempo e dinheiro, satisfazendo não somente os anseios dos administrados, que tanto aguardam uma definição de determinada lide, quanto do próprio Poder Público, que deixará de realizar gastos com processos nos quais já há uma decisão pacificada.
Ademais, independente de ser aprovada tal alteração no CPC, atualmente, apenas pelo princípio da segurança jurídica consagrado pelo legislador constitucional, já seria obrigatória a vinculação dos juízes às decisões proferidas pelo STJ no âmbito do mecanismo de recurso repetitivo. A alteração que se quer implantar nesse momento viria apenas para confirmar o quanto decorre naturalmente do nosso sistema jurídico que tem como pilar de sustentação a segurança que deve permear a atuação do Poder Judiciário.
Marcelo Annunziata é sócio da área tributária de Demarest e Almeida Advogados
Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações
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sexta-feira, 1 de abril de 2011
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