terça-feira, 5 de abril de 2011

Advogados são multados por juízes

Advogados são multados por juízes
Adriana Aguiar | De São Paulo
05/04/2011
Silvia Costanti/Valor

Juliana Bracks: advogados devem responder por ações temeráriasOs advogados
de uma multinacional especializada em software, que há 15 anos travam uma
discussão judicial contra uma empresa de informática, foram recentemente
condenados pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) a pagar multa por
recorrerem sem fundamento e agir com deslealdade com o Poder Judiciário. O
valor estabelecido pelos desembargadores foi de R$ 700 mil - o equivalente
a 10% do valor da ação -, que deve ser pago solidariamente pelos
profissionais e pela companhia.

Acusados de apresentarem recursos desnecessários para protelar o resultado
das decisões - litigância de má-fé -, os advogados viraram alvo de juízes
de primeira e segunda instâncias. Os magistrados também têm condenado e
multado profissionais que apresentam ações com acusações temerárias, que
não se comprovam no Judiciário. Essas decisões, no entanto, têm sido
reformadas nos tribunais superiores (veja ao lado).

No caso analisado pela 19ª Câmara de Direito Privado do TJ-SP, o
desembargador entendeu que a empresa, ao entrar com um agravo de
instrumento contra decisão de primeira instância, teria recorrido apenas
com o intuito de "tumultuar o processo e procrastinar a satisfação dos
créditos". E que, por isso, a sanção não poderia ser aplicada
exclusivamente à companhia. Para o magistrado, "o advogado não deve
lealdade apenas ao seu cliente, mas também ao Poder Judiciário, devendo
harmonizar os dois interesses, ou seja, o de seu cliente e o da dignidade
da Justiça". Assim, afirmou que o recurso teria sido destituído de
fundamento, o que violaria o artigo 14 do Código de Processo Civil (CPC).

Um outro advogado que defende uma enfermeira em um processo trabalhista no
Tribunal Regional do Trabalho (TRT) da 16ª Região (Maranhão) foi condenado
a pagar 1% sobre o valor da causa, fixado em R$ 73,9 mil. Segundo o juiz,
a enfermeira, assistida pelo mesmo advogado, repetiu a mesma reclamação
trabalhista contra o município de Imperatriz (MA), onde era funcionária,
três meses depois do julgamento de ação com igual teor ajuizada em 2009.

Profissionais também têm sido condenados pelo conteúdo das acusações. A 3ª
Vara do Trabalho de Campo Grande (MS) multou recentemente um advogado que
defendia um motorista. Ele alegava na ação ter sofrido assédio sexual por
parte de uma senhora de 75 anos e pedia indenização de R$ 137 mil. O juiz,
no entanto, entendeu que não foram apresentadas provas para as acusações.
"O que pude perceber durante a instrução do processo é que o reclamante,
com todas as vênias, não passa de um oportunista", afirmou o juiz. Para
ele, o trabalhador "não agiu sozinho, mas com o auxílio e em conluio com
seu advogado". Por isso, condenou os dois ao pagamento solidário de multa
de 1% sobre o valor da causa, revertido em benefício da idosa.

O advogado de ex-funcionários de uma empresa do segmento de produção de
adesivos também foi multado pelo dobro do valor que pedia em processo no
Tribunal Regional do Trabalho (TRT) da 1ª Região (Rio de Janeiro). O caso
já transitou em julgado - quando não cabe mais recurso - e agora está na
fase execução. O profissional pedia equiparação salarial para empregados
que não exerciam a mesma função e, em uma de suas ações, pediu o reembolso
de despesas com combustível para uma empregada de call center da empresa
que sequer tinha automóvel.

Essas punições aos profissionais, contudo, dividem opiniões. Para a
advogada da empresa de adesivos, Juliana Bracks, do Latgé, Mathias, Bracks
& Advogados Associados, os profissionais responsáveis por ações
temerárias, que mentem em juízo, devem responder judicialmente e ser
condenados por litigância de má-fé. "Um processo na OAB nem sempre é
suficiente para inibir as condutas. Além de ser pedagógica, a condenação
por responsabilidade civil faz o advogado sentir no bolso e também serve
para ressarcir a parte lesada", diz.

Se mantidas, essas condenações podem diminuir o uso de uma série
infindável de recursos para protelar uma causa, avalia o advogado Luiz
Carlos Ranieri, do Lyra Ranieri Advogados Associados, que defende a
empresa de informática. "O que deve contribuir para reduzir a morosidade
da Justiça e ampliar o grau de responsabilidade dos advogados", afirma.

Já Igor Mauler Santiago, sócio do Sacha Calmon Misabel Derzi Consultores e
Advogados, discorda dessa posição. Segundo ele, os juízes, constantemente
cobrados por agilidade e produção, com divulgação, inclusive, de
estatísticas por parte do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), têm
exagerado nessas punições. Ele mesmo já foi multado em instâncias
inferiores. As condenações, no entanto, foram revertidas no Superior
Tribunal de Justiça (STJ).

Em um dos casos, Santiago foi multado por apresentar um agravo regimental
em um Tribunal de Justiça para que uma turma analisasse uma decisão de um
desembargador. "A condenação foi injusta. Nossa tese era boa e o recurso
era necessário para que, depois que a turma analisasse o assunto,
pudéssemos levar o caso para o STJ e Supremo."

Para Santiago, o parágrafo único do artigo 14 do Código de Processo Civil
estabelece que os profissionais estão sujeitos a processos disciplinares
na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e não poderiam ser condenados
judicialmente. O presidente da entidade, Ophir Cavalcante, também defende
que apenas a entidade pode punir os advogados. "Isso já está no Código de
Processo Civil e deve ficar ainda mais claro no novo código", diz.

Apesar dessas decisões, o juiz do trabalho Rogério Neiva Pinheiro, que
atua em Brasília, afirma que a jusrisprudência nos tribunais superiores é
favorável aos advogados. Assim, as multas por litigância de má-fé são
direcionadas apenas à autora da ação e a OAB é informada sobre a conduta
do profissional. "Essas multas tornariam a advocacia uma atividade de
risco", afirma o magistrado.

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