quarta-feira, 12 de dezembro de 2007
As diferenças da Reforma do Judiciário na França
Numa das postagens do mês de outubro de 2007, circulamos a informação divulgada pelo jornal francês Le Monde a respeito da Reforma do Judiciário na França sob a responsabilidade da Ministra da Justiça Rachida Dati. Trata-se de uma mudança inédita para o Judiciário francês pós a Constituição de 1958. Nesta citada postagem, lembravamos que a proposta de reconfigurar a Justiça na França apresentava uma resistência por parte dos conselhos regionais e do próprio poder local. Pois, o seu objetivo é "melhorar a qualidade da justiça", considerando "a realidade dos territórios" tendo como base a modernização e uma informatização da justiça. Vejam que a questão posta na França é em termos da distribuição da estrutura do Judiciário dentro de parâmetros territórios. A nossa primeira etapa de Reforma do Judiciário advinda sob o abrigo da Emenda nº 45/04 apresenta, vale ressaltar, como propósito o denominado "o acesso à justiça justo" e considerando uma Justiça de proximidade. O jornal Le Monde semanal de 24 de novembro de 2007 traz texto sob o título "Carta Judiciária. Uma reforma contestada ... e inacabada". Há uma página inteira trazendo o mapa do Judiciário francês pautado da seguinte forma: "A nova geografia dos tribunais". A citada publicação aponta: "A ministra orienta-se em direção a uma redefinição dos contenciosos: como é o caso do amianto, o direito de imprensa ou meio-ambiente, deveriam ser tratados pelas jurisdições especializadas. Inversamente os assuntos familiais poderiam fazer parte do contencioso da proximidade". Assim, o centro da mudança da cartografia do Judiciário francês, além da supressão de tribunais ou criação de uma outra estrutura, é o tema do contencioso. Neste aspecto, a nossa Reforma do Judiciário só tangenciou esse aspecto que foi, por exemplo, da ampliação das competências da Justiça Trabalhista. Entretanto, o mais importante da reconfiguração do Judiciário na França traduz-se nos procedimentos de instrução criminal de modo a evitar um poder absoluto do Juiz de Instrução. Lembra-se, asssim, do caso da denuncia de pedofilia do que se denominou do escandalo "Outreau". Neste caso, uma comunidade foi envolvida num tenebroso erro judiciário lembrando a nossa Escola Base na cidade de São Paulo. Institui-se, nesse sentido, a partir de março de 2008 as formações colegiais de dois juízes de instrução responsáveis por crimes e delitos mais graves ou mais complexos. A partir de 1º de janeiro de 2010, as formações colegiais de três juízes de instrução de todos os assuntos sbumetidos ao procedimento de instrução. Apesar das críticas e resistência à Reforma do Judiciário na França, sem dúvida nenhuma, não podemos deixar de comparar com a situação brasileira no momento do início da segunda etapa das mudanças deflagradas com a Emenda nº45/04.
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Eckart Hien, Ministro do Supremo Tribunal Federal Administrativo Alemão, em conferencia proferida no Seminário “Princípios Fundamentais e Regras Gerais da Jurisidicao Administrativa”, realizado nos dias 22 e 23 de agosto de 2006, no auditório da Faculdade de Direito da Universidade Federal Fluminense – UFF nos deu notícia da reforma do Sistema Judicial Alemão.
Segundo E. Hien, o sistema judicial alemão é marcado por um grau de diferenciação muito elevado. Existem na Alemanha cinco jurisdições completamente independentes em termos organizacionais: a jurisdição ordinária de Direito Civil e Penal; a jurisdição trabalhista para processos de Direito do Trabalho, especialmente proteção em caso de demissão; os tribunais sociais, para litígios do sistema de proteção social (como, por exemplo, planos de saúde, aposentadorias, auxílio-desemprego); os tribunais financeiros, para impostos e aduanas e, finalmente, os tribunais administrativos para outros litígios na área do direito público (por exemplo, direitos dos estrangeiros, construções e planejamento, direito dos servidores públicos, direito comercial). A jurisdição financeira tem duas instâncias, e as demais têm, em principio, três, ou seja, duas instâncias de fatos e uma meramente jurídica. Essa terceira instância, que se limita à verificação de questões jurídicas, são os respectivos tribunais federais superiores. De acordo com as cinco jurisdições independentes, existem também cinco tribunais federais superiores independentes – e não apenas uma corte suprema, mas cinco, e, além deles, o Tribunal Constitucional Federal. Para cada uma dessas jurisdições existem regulamentos processuais e regras independentes.
Para o Ministro do STF Administrativo, esse sistema judicial extremamente diferenciado possui basicamente duas causas: i) na Alemanha, país populoso e urbano, existe tradicionalmente a tendência de sujeitar todas as situações da vida a uma norma legal. Esse famoso “amor alemão pela ordem” teve como conseqüência uma alta capilaridade de normas em muitas áreas. Consequentemente há também uma necessidade de instâncias legais em condições de administrar tal variedade de normas; ii) por razões históricas, já que após o período do nacional-socialismo, no qual o direito e a proteção jurídica do cidadão foram aniquilados, os “pais” da Lei Fundamental de 1949 pretendiam conscientemente reforçar a Justiça e viam, no sistema judicial composto de cinco elos, mais uma garantia de independência e autonomia dos tribunais.
Referiu E. Hien que nos últimos anos, por meio de diversas medidas legais, foram promovidas melhorias e correções onde surgia a necessidade de ação concreta. Assim, deram-se as condições legais para o trânsito eletrônico com os tribunais, limitações pontuais foram implementadas em alguns remédios jurídicos e promovidas regras gerais para acelerar os processos. Há cerca de três anos foram agregadas sob o lema “mais transparência, maior eficiência e garantia de qualidade” diversas propostas a respeito de temas distintos da Justiça, apresentadas sob o título “Grande reforma da Justiça”. Os fundamentos básicos desse projeto eram os seguintes: i) fusão de jurisdições, especialmente os tribunais administrativos, financeiros e sociais; ii) unificação dos códigos de processo; iii) enxugamento da estrutura dos remédios jurídicos e a introdução do chamado “sistema funcional de duas instâncias”, segundo o qual as possibilidades recursais se limitariam, via de regra, a uma instância de fatos e outra jurídica; iv) terceirização das chamadas “competências não-jurisdicionais” – entre outras, a privatização da execução judicial, a transferência dos serviços de registro para as câmaras de indústria, comércio e artesãos, e a transferência das questões de herança e dos processos simples de divórcio para os notários. Também se cogitou da privatização de unidades prisionais; v) incentivo à resolução consensual de controvérsias nas áreas judicial e extrajudicial – palavra de ordem: mediação; vi) garantia ampliada de qualidade por meio de administração efetiva de pessoal, obrigações legais de aprimoramento de pessoal e introdução de processo de benchmarking, testes comparativos entre as unidades da federação e círculos de qualidade; vii) introdução de medidas para um processo criminal mais efetivo; e, viii) a reforma dos incentivos ao desendividamento do consumidor.
E. Hien revelou uma posição cética em relação às propostas de reforma. Segundo ele, ainda não houve a implementação de nenhuma das sugestões apresentadas. Apenas o projeto de unificação, em um só código, dos códigos de processo, teve uma sinopse publicada pelos secretários de Justiça.
Para E. Hein quem julgar objetivamente a justiça alemã concluirá que ela não precisa de uma reforma tão radical como a que foi proposta. Segundo o Ministro, no ano de 2002, um estudo do Conselho Europeu conferiu à Justiça alemã, em termos de duração do processo, efetividade, qualidade e transparência e custas, uma boa nota. Também institutos internacionais de economia confirmam regularmente o alto nível da proteção jurídica alemã e seu significado especial para a economia do país porque, para os investidores e para a economia, as estruturas do Estado de Direito e as possibilidades de proteção jurídica efetiva formam um parâmetro importante nas decisões de direcionamento de investimentos. Finalmente, também a secretária de Justiça da Baviera enfatizou, no ano de 2005, que a Justiça custa ao cidadão apenas 5,50 euros por mês e, assim, não mais cara que uma pizza.
Finalizou sua conferência afirmando que uma justiça tradicionalmente madura, operante, e tanto nacional quanto internacionalmente reconhecida, não é um luxo supérfluo, mas uma parte imprescindível da cultura jurídica de um país.
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