‘Fim rápido do mensalão é pior para a oposição’
Historiador lembra que mensalão mineiro ainda pode entrar em pauta em 2014, às vésperas da eleição presidencial
27 de setembro de 2013 | 23h 13
Wilson Tosta - O Estado de S. Paulo
RIO - Dura lex, sed lastex – a lei é dura, mas espicha. A brincadeira dos tempos de estudante é citada pelo historiador José Murilo de Carvalho para se referir à decisão do Supremo Tribunal Federal de aceitar embargos infringentes no mensalão, adiando, assim, o resultado do julgamento. "É uma vitória do velho Brasil. Vence o bacharelismo a serviço do privilégio", diz. O pesquisador e membro da Academia Brasileira de Letras também afirma que o prolongamento do caso criou uma situação irônica: agora, quanto mais rápido saírem as sentenças, melhor para o PT e pior para o PSDB, que poderá ter o seu mensalão, o mineiro, avaliado às vésperas da eleição.
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Qual é o impacto político do prolongamento do julgamento do mensalão?
Na sociedade, é inevitável grande desapontamento da parte dos que esperavam do STF uma virada em nossa tradição de distribuir desigualmente a Justiça. O STF perde parte da credibilidade que estava conquistando e se reaproxima dos níveis de desprestígio do Legislativo e do Executivo. Na política, haverá cálculos frenéticos sobre as relações do adiamento com o calendário eleitoral, com uma ironia: quanto mais rápido for o julgamento final, melhor para o partido dos réus mais importantes e pior para o principal partido da oposição, que poderá ter o julgamento de seu mensalão em período eleitoral.
Como o senhor interpreta o sentido da decisão de aceitar os embargos infringentes?
É uma vitória do velho Brasil. Vence o bacharelismo a serviço do privilégio. Há uma ficção que justifica a legitimidade dos juízes para compensar o fato de não terem mandato popular. É a ficção, amplamente exposta nos votos dos infringentes, de que o juiz age de acordo com a razão, a lei, a Justiça, de modo neutro e imparcial. Ele deve estar imune ao contágio da emoção, da paixão, do partidarismo próprios da opinião pública, da mídia, da multidão, do povão. O juiz, em sua torre de marfim, faz questão de não ver o povo, mesmo quando ele sai às ruas às centenas de milhares pedindo, entre outras coisas, o fim da corrupção, ou quando se manifesta no mesmo sentido em dezenas de pesquisas. Consta que o ministro que desempatou a votação votou uma vez contra sua convicção, só para não parecer que concordava com um jornal que antecipara seu voto.
Bacharelismo em que sentido?
Esse juiz imaginado não tem interesses, emoções, partidos, ideologias, amizades, é um super-homem, um ET pairando sobre a sociedade. Ora, esse juiz não existe. A ficção tem sua utilidade, mas não pode ser levada muito longe. As leis sempre permitem mais de uma interpretação, sobretudo as leis penais brasileiras, que são um cipoal de onde os especialistas, com ou sem chicana, podem tirar os argumentos que quiserem, todos jurídicos, técnicos, racionais, legais. Nessas circunstâncias, a opção por uma das interpretações, sobretudo em casos polêmicos, será sempre metajurídica, dependerá de interesses, convicções, lealdades. Quanto mais pretende ser técnica, maior a probabilidade de o não ser. Como se dizia das eleições na Primeira República: quanto mais perfeitas as atas, mais falsificadas as eleições. Ou no latinório caro aos juristas, summum jus, summa injuria: o máximo de direito é o máximo de injustiça. Em meus tempos de estudante se dizia realisticamente: dura lex, sed lastex : a lei é dura, mas espicha. Do emaranhado de nossas leis aproveitam-se todos os que têm recursos para contratar os melhores advogados.
O que o senhor acha do argumento de que os embargos infringentes são necessários para garantir o direito de defesa?
Garantia de direito de defesa passados nove anos do crime, após 62 sessões de julgamento, com os mais caros advogados do Brasil, com dispositivo regimental prevalecendo sobre lei? É pena que tanta garantia seja reservada a poucos privilegiados e negada a dezenas de milhões de brasileiros. A aceitação dos embargos infringentes, debaixo de torrentes de citações jurídicas e de fastidiosas exibições de erudição, sob juras de neutralidades e racionalidades, apenas reafirma o velho Brasil: a Justiça entre nós tem olho vivo, sabe a quem punir e a quem absolver. Curiosamente, a aceitação dos embargos, que favorece os réus principais, se deu em função da entrada de dois novos ministros. Como as massas, o STF também é volúvel.
Do ponto de vista da história, o julgamento do mensalão é único?
No que se refere à visibilidade e à repercussão, não há nada comparável. Já houve processos de grande repercussão, como o do TSE que em 1948 decidiu sobre a validade ou não dos mandatos parlamentares dos comunistas, decidindo pela não validade. Mas, sem televisão e redes sociais, nem de longe se aproximou do julgamento do mensalão.
Há comparação com algum outro escândalo da história brasileira?
Houve enorme comoção quando se revelou o envolvimento do chefe da guarda pessoal de Getúlio Vargas no atentado contra Carlos Lacerda em 1954, do qual resultou a morte do major Rubens Vaz. Na época, a oposição denunciou um mar de lama no Catete. Mas não se tratou nem de corrupção no sentido de hoje, nem de julgamento pelo Judiciário.
O PT fala que o julgamento foi político, com o objetivo de atingi-lo. O senhor concorda?
O PT e seus aliados foram atingidos porque estavam envolvidos. O procurador-geral e oito dos ministros atuais do Supremo foram indicação de presidentes da República ligados ao partido. O impacto a longo prazo do julgamento dependerá da aplicação dos mesmos procedimentos a casos semelhantes.
Entre os críticos da sentença do mensalão, fala-se no suposto papel da mídia na decisão. O que o senhor acha disso?
A mídia e sua influência são parte do funcionamento das democracias representativas. Mas os réus não têm o que temer. Os juízes dizem que são imunes à sua influência...
sábado, 28 de setembro de 2013
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