terça-feira, 1 de julho de 2014

Por Maíra Magro | De Brasília
Fellipe Sampaio/SCO/STF - 5/6/2014 / Fellipe Sampaio/SCO/STF -
5/6/2014Barbosa em sua posse: "O Judiciário que aspiramos a ter é um Judiciário sem firulas, sem floreios, sem rapapés"

A sessão de hoje do Supremo Tribunal Federal (STF) representa o fim de umciclo com a aposentadoria de seu presidente, Joaquim Barbosa, o maispopular e polêmico ministro que já passou pela Corte. Ele participa estamanhã da última reunião plenária antes do recesso de julho e, hoje mesmo,deve protocolar seu pedido de desligamento.

A partir daí, tudo depende dos trâmites burocráticos. A previsão é que o ministro dê expediente até o fim da semana. Ele deixa o STF aos 59 anos,antes da idade para a retirada compulsória, aos 70. Também renuncia à presidência da Corte faltando um semestre para o fim do mandato. Tradicionalmente, a última sessão de um integrante do STF inclui discursos de despedida e homenagem. Até ontem, Barbosa não havia confirmado se
seguiria o rito.

Dele é aguardado, porém, um voto de minerva: o que definirá se o tamanho das bancadas dos Estados na Câmara dos Deputados sofrerá ou não alterações para as eleições deste ano. O presidente pautou ainda para esta sessão uma ação em que o PSDB defende o direito de torcedores fazerem manifestações ideológicas nos estádios durante a Copa do Mundo. Serão os últimos processos de repercussão em que ele deve votar publicamente.

Indicado em 2003 como ministro do STF pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Barbosa exerceu a função durante 11 anos. Em novembro de 2012, foi o primeiro negro a ocupar a presidência da Corte, um ato carregado de simbologia em um país de desigualdades.

Mas ele entrou mesmo para a história como o relator do mensalão, o
processo mais longo já julgado pelo STF. Com atuação decisiva para condenar 25 dos 38 réus, caiu imediatamente nas graças da população, cansada da impunidade que ronda os casos de corrupção. E, com isso, ganhou também um inimigo poderoso, o Partido dos Trabalhadores, cujos principais dirigentes puxavam o cordão dos condenados na ação.

Contribuíram para sua popularidade as frases de efeito e narrativas
simples em seus votos, vez por outra entremeados por citações em alemão, inglês e francês, numa demonstração de erudição. Mas de maneira geral seu linguajar, transmitido ao vivo pela TV Justiça, contrastava com as discussões herméticas típicas do Judiciário.

"Ele fala para o cidadão sem intermediários", aponta o professor Joaquim Falcão, diretor da faculdade de direito da Fundação Getúlio Vargas (FGV) no Rio de Janeiro. Uma característica incomum entre os ministros da Suprema Corte brasileira e do mundo inteiro. Para o professor, o resultado disso foi uma "desmistificação" da Justiça, com uma espécie de "educação popular" que contribuiu para "aumentar a legitimidade do STF".

Barbosa foi fiel assim ao que almejava, como declarou em seu discurso de posse como presidente: "O Judiciário que aspiramos a ter é um Judiciário sem firulas, sem floreios, sem rapapés".

Com seus pares, o ministro também dispensou firulas, mas deixou de cultivar o mesmo diálogo. O desprezo ao protocolo desaguou no isolamento.
De temperamento irascível, entrou em atrito frequente com ministros, associações de magistrados, advogados e até com jornalistas.

As rusgas com os colegas atingiram o auge na votação do mensalão, quando
chegou a acusar o revisor, o ministro Ricardo Lewandowski, de querer manipular o julgamento. Inúmeras vezes interpelou ministros que divergiam do seu ponto de vista. Nessas discussões, relatam integrantes do STF, Barbosa se fazia parecer na posição de proteger os mais fracos, atribuindo ao interlocutor a defesa dos poderosos - o que tornava difícil debater com ele. "Foi um período que eu rotularia como conflituoso", resume o ministro
Marco Aurélio Mello. "No Supremo, a discussão deve girar em torno de ideias, não pode descambar para o campo pessoal, e ele deixou que isso acontecesse", diz.

Apesar da imagem extremamente positiva diante da opinião pública, Barbosa é criticado por muitos especialistas no meio jurídico, sobretudo advogados, para quem teria agido, no julgamento do mensalão, mais com a voracidade de um acusador que com a serenidade de um juiz. Outros avaliam que ele simplesmente trabalhou para concluir o processo rapidamente e evitar as artimanhas comuns da defesa.

O relacionamento com as associações de magistrados também foi difícil.Crítico ferrenho do corporativismo da classe, mesmo na posição de chefe do Judiciário, Barrosa se recusou a defender as principais demandas da magistratura. Acusou entidades de juízes de atuarem de forma "sorrateira" ao apoiar a criação de quatro novos tribunais regionais federais.

Também incomodou advogados, principalmente em suas decisões sobre procedimento. Recusava-se, por exemplo, a recebê-los sem a presença da parte contrária.

Outro foco de atrito foi com jornalistas que acompanhavam os trabalhos do Judiciário. Quando não gostava de uma reportagem, chegava a usar termos chulos para se referir a eles - no único episódio que se tornou público, chamou um repórter de "palhaço" e mandou que fosse "chafurdar na lama".

Concluído o julgamento do mensalão, Barbosa tentou resolver dois processos de grande repercussão em plenário: o que discute a constitucionalidade dos planos econômicos das décadas de 1980 e 1990, e o que pode acabar com o financiamento empresarial de campanhas eleitorais. Não conseguiu terminara tarefa. O primeiro foi adiado por requerimento do Ministério Público; o segundo, por um pedido de vista do ministro Gilmar Mendes.

No dia 17 de junho, faltando apenas algumas semanas para sua
aposentadoria, Barbosa também renunciou à relatoria do mensalão -
reclamando de atuação política dos advogados do caso e após entrar com uma representação criminal contra um deles, por calúnia e difamação.

Dias depois, viu revertida pelo plenário do STF, por nove votos a um, sua decisão de impedir que os presos do mensalão em regime semiaberto trabalhassem fora da prisão. O colegiado manteve, porém, sua decisão que negou a prisão domiciliar ao ex-deputado José Genoino (PT-SP).

Na partida, o ministro se recusa a revelar o seu destino. Deixou que se especulasse muito sobre seu ingresso na política até que se percebesse, pelo vencimento dos prazos, que não seria candidato nestas eleições. Joaquim Barbosa deixa hoje o Supremo como uma das personalidades mais marcantes na história recente do pais.


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