quinta-feira, 10 de janeiro de 2013
Recursos e o mensalão
10/01/2013 Valor Economico
Recursos devem criar novo embate no STF
De São PauloUma declaração do ministro Luiz Fux à imprensa em outubro, quando o Supremo Tribunal Federal (STF) ainda julgava o processo do mensalão, deve se transformar no mais novo e polêmico embate no plenário da Corte assim que tiver início a fase de recursos da Ação Penal nº 470. O ministro, um dos três indicados pela presidente Dilma Rousseff para o Supremo e o mais rigoroso nas condenações impostas aos réus do mensalão, ao lado do relator Joaquim Barbosa, afirmou que não cabem embargos infringentes para questionar a decisão do plenário. Os infringentes, ao lado dos embargos de declaração, são os únicos recursos possíveis contra a decisão da mais alta Corte do país. A tese de Fux já começa a ser estudada, para fins de contestação, pelos advogados que defendem os condenados no mensalão.
Pela regra prevista no regimento interno do Supremo, as decisões do plenário da Corte em ações penais originárias - como é o caso da Ação Penal nº 470 - podem ser alvo de dois tipos de recurso. O primeiro deles, chamado de embargos de declaração, tem o objetivo apenas de esclarecer pontos obscuros ou duvidosos das decisões e, embora seja bastante utilizado em diversos tipos de processo, raramente provoca alterações na decisão contestada. Já os embargos infringentes, conforme o regimento do Supremo, podem ser utilizados quando há pelo menos quatro votos favoráveis ao réu - ou seja, quatro votos por sua absolvição.
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No caso do mensalão, todos os 25 réus condenados devem recorrer com embargos de declaração contra a decisão do plenário, enquanto 14 deles podem recorrer também com embargos infringentes, por terem obtido quatro votos por sua absolvição. Nesta situação estão os três principais réus do processo - José Dirceu, o ex-presidente do PT José Genoino e o ex-tesoureiro do partido, Delúbio Soares. Eles foram condenados por corrupção ativa e formação de quadrilha, mas nesse último crime, todos com um placar de 6 votos pela condenação e 4 pela absolvição. Outros nove condenados pelo crime de quadrilha estão na mesma situação: o publicitário Marcos Valério, considerado o principal operador do esquema, seus sócios, Ramon Hollerbach e Cristiano Paz e seu advogado Rogério Tolentino, além da dona do Banco Rural Kátia Rabello, do ex-diretor da instituição José Roberto Salgado, do ex-deputado Pedro Corrêa Neto (PP-PE), do ex-assessor do PP João Cláudio Genú e do dono da corretora Bônus-Banval, Enivaldo Quadrado.
Já em relação ao crime de lavagem de dinheiro, três réus condenados tiveram, quando julgados, um placar que permitiria o recurso de embargos infringentes: o deputado federal João Paulo Cunha (PT-SP), que teve seis votos condenatórios e 5 por sua absolvição; o sócio da Bonus-Banval Breno Fischberg, com um placar de 6 votos pela condenação e 4 pela absolvição; e ainda João Claudio Genú - que se conseguir alterar o resultado do julgamento com os embargos infringentes pode se livrar das duas condenações impostas a ele, por lavagem e quadrilha, ambas por 6 votos a 4.
Em outros casos, os réus condenados poderão reduzir suas penas se conseguirem, com os embargos, a alteração de ao menos uma das condenações impostas a eles. O próprio José Dirceu, se conseguir reverter sua condenação por formação de quadrilha, deduz 2 anos e 11 de sua pena - o que levaria a uma penal final de 7 anos e 11 meses, permitindo seu cumprimento em regime semiaberto. O mesmo ocorre com João Paulo Cunha, que se conseguir reverter a condenação por lavagem de dinheiro, passa a ter direito ao regime semi-aberto ao invés do fechado.
Mas, apesar de a possibilidade de uso dos embargos infringentes estar prevista no regimento interno do STF, há quem acredite que ela foi revogada por uma lei federal posterior, de 1990. Essa é justamente a posição expressa pelo ministro Luiz Fux em outubro. À imprensa, o ministro declarou que "não cabem embargos infringentes previstos no regimento interno porque, pela Constituição, o Supremo não pode legislar sobre matéria processual". Segundo ele, em 1990 "a Lei nº 8.038 revogou os pontos do regimento interno referentes a ações penais e não prevê o embargo infringente".
A lei a que Fux se refere, de 28 de maio de 1990, instituiu normas para processos cíveis e penais no Superior Tribunal de Justiça (STJ) e no Supremo. No entanto, ela não trata especificamente da possibilidade de embargos infringentes em ações penais originárias, ao contrário do regimento interno da Corte.
O tema é polêmico. Enquanto Fux acredita que a legislação de 1990, por ser uma lei federal e posterior ao regimento do Supremo, teria revogado a norma anterior, outros juristas defendem que a revogação não ocorreu, pois não está expressa em seu texto. Além disso, eles argumentam que a Constituição Federal de 1988 recepcionou o regimento interno do Supremo - sendo assim, ele continua valendo. "A lei não repetiu a regra do regimento do Supremo, mas isso não significa necessariamente que a tenha revogado", diz o advogado Renato Stanziola Vieira, do escritório André Kehdi e Renato Vieira Advogados, que não atuou no processo do mensalão. "A revogação tem que ser muito clara: ou a lei diz o contrário da previsão anterior ou a revoga expressamente", afirma. "Não se presume uma revogação de lei."
O Supremo nunca chegou a analisar a possibilidade de embargos infringentes prevista em seu regimento em face da lei de 1990. Renato Vieira, no entanto, cita um precedente julgado pelo plenário da Corte em 28 de novembro de 2007 que margeia o tema. No processo, um réu de Roraima recorreu ao Supremo com embargos de declaração pedindo que a Corte os julgasse procedentes e desse a eles efeitos infringentes, com o objetivo de reverter sua condenação, alegando que houve omissão do juiz quanto a pontos da defesa apresentada por seu advogado. O relator do caso, o ministro Joaquim Barbosa, entendeu que não cabiam embargos infringentes no caso, "tendo em vista que não houve divergência de quatro votos em qualquer questão decidida no acórdão embargado", diz a decisão, que cita, na sequência, o parágrafo único do artigo 333 do regimento interno do Supremo. Na prática, ao citar o regimento interno após a edição da lei de 1990, a decisão sugere que ele continua válido. Barbosa foi seguido pelos demais ministros presentes na Corte por unanimidade. Os ministros Marco Aurélio Mello, Gilmar Mendes e Cezar Peluso estavam ausentes.
Outro argumento usado por juristas é o de que, por ser o mensalão um julgamento de única instância, o veto ao uso do recurso de embargos infringentes poderia caracterizar mais uma mudança na jurisprudência da Corte, entre tantas outras promovidas durante o julgamento da Ação Penal nº 470. "A Lei nº 8.038 não previu os embargos, mas me parece que o Supremo não tinha dúvidas sobre sua aplicação até o momento", diz o professor Renato de Mello Jorge Silveira, chefe do Departamento de Direito Penal da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP). Segundo ele, ainda que os embargos tenham uma eficácia reduzida - pois dificilmente alterariam a decisão plenária - sua não aceitação poderia caracterizar cerceamento de defesa, já que implicaria em uma única apreciação de determinado caso por parte do Judiciário. "Considerando a peculiaridade da situação, me parece que, em respeito ao principio da ampla defesa, o Supremo deve entender que a previsão do regimento interno convive com a Lei nº 8.038", afirma.
O advogado Luiz Fernando Pacheco, que defende o ex-presidente do PT e agora deputado federal José Genoino (PT-SP), vai mais longe e defende que os embargos infringentes são possíveis em todos os casos em que não houve unanimidade de votos pela condenação. Ou seja, para ele, basta um único voto pela absolvição para que o recurso seja possível. Ele se baseia no parágrafo único do artigo 609 do Código de Processo Penal, que estabelece que "quando não for unânime a decisão de segunda instância, desfavorável ao réu, admitem-se embargos infringentes". "A lei sobrepõe-se ao regimento, ela foi produzida pelo povo, enquanto o regimento foi feito pelo Supremo", diz.
Pacheco já antevê um intenso debate no plenário do Supremo em relação ao assunto, mas critica a manifestação antecipada do ministro Luiz Fux. "Os ministros do Supremo têm que se reeducar e se manifestar apenas nos autos", diz. "Considero absolutamente indevida a manifestação do ministro fora dos autos sobre algo que ainda vai julgar", afirma. Segundo ele, a lei proíbe manifestações desse tipo. "Ministro do Supremo não é ator da Globo."
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