terça-feira, 9 de setembro de 2014

Cardozo pavimenta indicação para o STF com Dilma ou Marina.

Por Juliano Basile | De Brasília Valor
Ruy Baron/Valor - 16/5/2014 Cardozo: indicação preencheria lacuna de 17 anos sem um ministro da Justiça no STF, o último foi Nelson Jobim O ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, ressurgiu como nome forte para o Supremo Tribunal Federal (STF) na vaga deixada por Joaquim Barbosa,em agosto. Mas a indicação só deve ser feita depois das eleições de outubro.

Cardozo vive uma situação única entre os possíveis nomes para o STF. Ele se tornou favorito tanto na hipótese de reeleição da presidente Dilma Rousseff quanto na eventual vitória de Marina Silva. É o nome mais forte no período das eleições e da transição para o futuro governo. O único com essa qualificação nos dois cenários.

Nas últimas semanas, Dilma manteve-se muda a respeito das indicações ao Supremo. Ela não fez nenhum comentário quando o assunto foi levado por assessores mais próximos e pretende anunciar as indicações apenas depois das eleições.

Caso Dilma seja reeleita, o caminho estaria aberto para um nome próximo de sua equipe e os mais cotados são Cardozo e o advogado-geral da União, Luís Inácio Adams. Ambos se destacam por terem prestado serviços à presidente ao longo de todo o seu mandato, especialmente em assuntos jurídicos. Mas Cardozo detém mais trânsito no Congresso, qualificação essencial para essa
indicação já que o nome terá que ser aprovado no Senado num momento em que o jogo de forças políticas deve passar por uma recomposição naquela Casa -as eleições atingem 27 dos 81 senadores, ou um terço do plenário que vai votar o nome do futuro ministro do STF.

Além de ter interlocução política com diversos partidos - característica reforçada pelos oito anos em que atuou como deputado federal -, Cardozo preencheria uma lacuna de 17 anos sem um ministro da Justiça no Supremo. O último foi Nelson Jobim, indicado por Fernando Henrique Cardoso, em 1997. Itamar Franco também indicou o seu ministro da Justiça, Maurício Corrêa.
Luiz Inácio Lula da Silva fez oito nomeações para o STF e Dilma, quatro. Mas, entre esses 12 nomes nenhum era ministro da Justiça. Foram três advogados (Carlos Ayres Britto, Eros Grau e Luís Roberto Barroso), três ministros do Superior Tribunal de Justiça (Menezes Direito, Luiz Fux e Teori Zavascki), dois desembargadores do Tribunal de Justiça de São Paulo (Cezar Peluso e Ricardo Lewandowski), uma ministra do Tribunal Superior do Trabalho (Rosa Weber), um advogado-geral da União (Dias Toffoli), uma procuradora do Estado (Cármen Lúcia) e um procurador da República (Joaquim Barbosa).

Caso Dilma perca a eleição para Marina, Cardozo se tornaria um nome raro entre os cotados para o STF com trânsito no PT e no PSB. O ministro da Justiça de Dilma conta com apoio e admiração de Luiza Erundina,coordenadora da campanha do PSB, com quem trabalhou como secretário na Prefeitura de São Paulo, entre 1989 e 1992. Por conta dessa relação, Cardozo com Erundina, Cardozo, se indicado por Dilma, obteria apoios importantes no PSB para o Supremo.

Mas, se Marina vencer, vão surgir novos interlocutores entre o Palácio do Planalto e o Judiciário que devem interferir nas escolhas dos nomes para o STF. A ex-ministra do STJ Eliana Calmon é candidata ao Senado na Bahia pelo PSB e, num eventual governo Marina, certamente seria ouvida para futuras indicações nos tribunais superiores. O ex-presidente do STF, Ayres Britto, também deve ser procurado por Marina para tratar de temas ligados à Justiça dada a afinidade de pensamento de ambos em várias questões. E o ministro Herman Benjamin, do STJ, é o maior defensor das causas ambientalistas nos tribunais superiores e também ganharia relevância num futuro governo da presidenciável do PSB.
 
 

sábado, 6 de setembro de 2014

Em novo livro, filósofo Jacques Rancière analisa contradições do sistema representativo‘A democracia que nossas oligarquias defendem é, de fato, o confisco da democracia’, diz pensador franco- argelino POR CARLA RODRIGUES, ESPECIAL PARA O GLOBO 06/09/2014 7:00

O filósofo franco-argelino Jacques Rancière, 64 anos, é desses pensadores contemporâneos resistentes a classificações. Sua obra é normalmente associada ao campo da estética, mas essa identificação não é suficiente para delimitar seu percurso, marcado por tomadas de posição política mesmo quando o assunto principal parece ser arte, imagem ou comunicação, temas dos seus principais livros já traduzidos no Brasil, como “O espectador emancipado” (Ed. WMF Martins Fontes) “A partilha do sensível” (Ed. 34) e “O mestre ignorante” (Ed. Autêntica). Pautadas por uma ideia de comunidade em que o conceito de comum não pretende excluir o direito à diferença, as obras de Rancière fazem parte de outra forma de pensar a política, para além de seu modelo moderno, fundamentado em estruturas de representação dos partidos e instituições estatais de gestão da vida social. Essas posições estão mais explícitas em seu novo livro, “O ódio à democracia”, primeiro título publicado pela Boitempo Editorial, em que ele defende a noção de comunidade como eixo orientador do seu pensamento político, como ponto a partir do qual é preciso buscar a afirmação da autonomia popular em relação ao Estado.

Escrito para influenciar o debate político francês, marcado pelo avanço das forças de extrema-direita, é de extraordinária pertinência no momento político brasileiro, como observa o professor Renato Janine Ribeiro na apresentação à edição brasileira. É também relevante ao momento político brasileiro sua crítica à democracia representativa, cujo contraponto é a democracia direta. “A representação nunca foi um sistema inventado para amenizar o impacto do crescimento das populações. Não é uma forma de adaptação da democracia aos tempos modernos e aos vastos espaços. É, de pleno direito, uma forma oligárquica, uma representação das minorias que têm título para se ocupar dos negócios comuns”, argumenta ele, para dizer que a necessidade de representação não é resultado do crescimento populacional, mas uma estratégia de manutenção do poder na mão de poucos.

Para Rancière, odeia a democracia todo aquele que pretende mantê-la restrita a uma forma de governo apropriada pelas oligarquias em nome da promoção de um bem comum para o povo, mas que mantém uma hierarquia sobre quem detém o controle de afirmar o que é o bem comum. Em contrapartida, amar a democracia é defendê-la como forma de organização social capaz de promover direitos a todos aqueles que nasceram sem nenhum título particular para exercer o poder, sem riqueza ou conhecimento, como ele explica nesta entrevista.




O filósofo Jacques Rancière - / Arquivo/Laura Marques O que significa o ódio à democracia que dá título ao livro?
Quis analisar e criticar uma tendência muito forte na França, cuja particularidade é tomar a democracia não como forma de Estado, mas como forma de vida em sociedade. Este ódio denuncia uma pretensa invasão da igualdade e do igualitarismo em todos os domínios da vida e a relação com uma figura central: o indivíduo da sociedade de consumo de massa, que o ódio à democracia acusa de ser destruidor de todos os laços sociais tradicionais. O que esse ódio expressa é o ódio à igualdade, e está acompanhado do recuo efetivo da democracia e da igualdade nesses Estados.A democracia, no estrito senso desse termo, é o poder do povo, o poder de qualquer um, dos que não estão destinados ao exercício do poder por nascimento, riqueza, conhecimento científico ou qualquer qualidade especial.

O senhor afirma que as sociedades, tanto no presente quanto no passado, são organizadas pelo jogo das oligarquias. Não existe governo democrático propriamente dito?
Insisti no fato de que o “poder do povo” é impossível de ser contido em uma fórmula constitucional. Há uma contradição entre esse poder e a forma estatal em geral, que é sempre uma forma de privatização do poder de todos em benefício de uma minoria. Por um lado, isso quer dizer que o poder do povo deve ter seus organismos e suas formas de ação autônomas em relação às formas estatais. De outro lado, isso quer dizer que aquilo chamamos de democracia representativa é um modelo misto, submetido a duas formas contraditórias. De um lado, nossos Estados se afirmam como emanação do poder do povo. Mas o poder do povo supõe ou bem um sorteio, ou bem mandatos eleitorais curtos, não acumuláveis e não renováveis. Nós temos exatamente o contrário disso: uma classe de políticos profissionais cujas frações concorrentes governam em alternância, seguidos de análises e de soluções imaginadas por especialistas e por comissões refratárias ao controle popular. A “democracia” que nossas oligarquias defendem é, de fato, o confisco da democracia.

O senhor afirma que “não vivemos em democracias”, mas recusa leituras como as dos filósofos Hannah Arendt ou Giorgio Agamben, que identificam dentro do estado democrático um estado de exceção. O que são os “Estados de direito oligárquicos” em que o senhor afirma que vivemos?
Não vivemos numa democracia porque a democracia não é uma forma de Estado ou de sociedade, mas um poder que sempre excede as suas formas. Mas isso não quer dizer que nós vivamos em um estado de exceção e que a diferença entre as formas constitucionais seja negligenciável. Nós vivemos em Estados oligárquicos moderados que são fundados sobre um compromisso entre o poder das “elites” e o poder de todos. O sistema eleitoral é, em todos os lugares, um pouco confiscado por uma classe de políticos profissionais que trabalha em colaboração cada vez mais estreita com os representantes das potências financeiras. Em contrapartida, a liberdade de informação, de associação, de reunião e de manifestação permitem a existência de uma vida democrática que transborda as simples formas parlamentares e estatais da representação do povo. Esse é um ponto fundamental na minha concepção da democracia: supõe a existência de um poder próprio do povo em relação à máquina estatal. A democracia não é uma questão de instituições, mas de atividade, uma questão de imaginação. Foi o que aconteceu ontem nas ruas,nas fábricas ou nas universidades, é o que acontece hoje na internet, na circulação de informação e nas formas de mobilização que passam pelas redes sociais, pela ocupação das praças e pela sua transformação em espaço político. A tarefa democrática é dar ao povo uma figura autônoma, separada da que se encontra confiscada pelo poder estatal.

A democracia como um valor a ser preservado a qualquer custo na vida política pode nos levar a pensar que quanto mais democracia — no sentido de mais abertura aos que até ali estavam excluídos da democracia — mais ameaça a ela?

Esse tipo de análise toma os efeitos como causas e parte do fato de que populações que são mais ou menos rejeitadas às margens da sociedade, pela extensão sem limite da lógica capitalista, alimentam em parte os partidos eleitorais xenófobos, racistas ou fundamentalistas. Mas esse fenômeno é uma reação ao caráter disfuncional do sistema eleitoral e à ausência de uma verdadeira alternativa à lógica dominante. Na França, os partidos oficiais de direita e de esquerda monopolizam o poder para fazer uma política econômica igualmente a serviço das grandes potências financeiras,e a extrema-direita torna-se a única forma a se apresentar como exterior ao sistema dominante. O que ameaça a democracia é a ligação cada vez mais estreita entre a oligarquia econômica e a oligarquia estatal. Os pretensos riscos da democracia são de fato consequências do confisco da democracia por essas oligarquias.


A figura do “homem democrático” se sobrepõe ao consumidor, ao defensor das minorias identitárias, se resume a meras demandas por direito individual?

A noção de democracia liberal é uma noção equivocada. Sob esse nome, geralmente se quis designar um sistema em que o poder coletivo encarnado no Estado seria contrabalançado pelos direitos individuais. Mas os indivíduos cuja tradição dita liberal defenderam esses direitos eram em primeiro lugar os proprietários. É a figura do proprietário esclarecido, consciente da ligação entre a coisa comum e seus interesses privados, que a democracia liberal identificou como cidadão, é o governo das elites que ela procurou para se garantir em nome do “bem comum”. A filosofia política moderna impôs uma visão da política que se concentra sobre a relação entre comunidade e indivíduos. A filosofia política antiga sabia que se trata de uma relação entre comunidades: não simplesmente de classes opostas por seus interesses econômicos, mas entre maneiras de instituir comunidades. O poder do “demo”, que não é o poder das classes populares.

Em certo momento o senhor define a democracia como um processo de luta contra a privatização da felicidade e do bem-estar, como luta contra a separação entre o público e o privado. Por quê?

Frequentemente se considerou a separação entre o público e o privado como uma marca do bom governo, protetor dos indivíduos contra a empreitada estatal. Mas eu gostaria de lembrar que essa separação tinha originalmente outra função: excluir da política a maioria dos humanos, confinando-os à esfera privada. Foi o que aconteceu, por exemplo, com os trabalhadores,durante muito tempo considerados apenas no âmbito doméstico. Foi também o que aconteceu tradicionalmente com as mulheres, consideradas dependentes de seus pais ou maridos e restritas ao campo do casamento ou da família. Mas essas lutas não confirmam os “limites” da democracia. Elas confirmam,ao contrário, as capacidades de sua extensão. Essas formas polêmicas de extensão da democracia transbordam ao que se reduz, frequentemente, nas lutas das minorias defensoras de suas identidades. Trata-se antes de sair da condição de “minoria” na qual está a grande maioria dos humanos,confinados numa condição subalterna.

Carla Rodrigues é professora de Filosofia (IFCS/UFRJ)