sábado, 13 de outubro de 2012

Mensalão e Cidh I

A Constituição não se subordina a tratados Folha de São Paulo 13 de outubro de 2012




Condenados na ação penal do mensalão dizem que vão recorrer à Corte da OEA da decisão do STF, porque não lhes foi garantido o duplo grau de jurisdição.



Indaga-se: a Corte da OEA poderia interferir, no caso?



A Convenção Americana de Direitos Humanos, conhecida como Pacto de São José da Costa Rica, ratificada pelo Brasil e incorporada ao direito brasileiro, estatui que são competentes para conhecer de assuntos, relacionados com o cumprimento do pacto, a Comissão e a Corte Interamericanas de Direitos Humanos (artigo 33).



A comissão é como que uma primeira instância da corte. Qualquer pessoa pode apresentar a ela queixas de violação da convenção por um Estado-parte. Ao cabo do processo, a comissão apresentará relatório. Não solucionado o assunto, a comissão fixa prazo ao Estado a fim de adotar medidas para remediar a situação. Esgotado o processo de competência da comissão, Estados-partes ou a própria comissão podem submeter o caso à decisão da Corte (artigos 48-50, artigo 61).



A Declaração Universal dos Direitos Humanos assenta que as pessoas têm direito de receber dos tribunais nacionais competentes remédio para os atos que violem direitos fundamentais que lhe sejam reconhecidos pela Constituição ou pela lei (artigo 8º). Nessa linha, o Pacto de São José da Costa Rica assegura aos acusados o direito de recorrer a juiz ou tribunal superior (artigo 8º, h). E que todos têm direito a recurso perante juízes ou tribunais competentes (art. 25).



Verifica-se que a Convenção preocupa-se em assegurar medidas judiciais que tolham o desrespeito aos direitos fundamentais. Todavia, o pacto não impõe o duplo grau de jurisdição, dado que há de ser observado, no ponto, o direito interno. No Brasil, há pluralidade dos graus de jurisdição, exercida na forma do disposto na Constituição e nas leis processuais.



Ora, a Constituição estabelece a competência originária do Supremo Tribunal para o processo e julgamento dos agentes públicos que ela menciona (artigo 101, b, c). O Pacto de São José assegura o direito de recorrer a juiz ou tribunal superior. No caso, entretanto, tem-se julgamento pela Corte Suprema, que é mais do que tribunal superior.



O entendimento de que o pacto, nos artigos 8, h e 25, obrigaria os Estados a prover, no caso, duplo grau de jurisdição, constituiria interpretação extensiva da Convenção. A doutrina internacional, porém, adota, de regra, a interpretação restritiva dos tratados, principalmente quando a interpretação extensiva tiver como consequência limitações à soberania estatal ou a submissão do Estado a uma jurisdição internacional, arbitral ou permanente.



Observa Francisco Rezek (em "Direito Internacional", p. 95), do que não destoa C. Rousseau ("Droit International Public" p. 64), que existe um "reconhecimento geral de que a interpretação restritiva impõe o respeito às cláusulas que limitam, de algum modo, a soberania dos Estados."



É certo, escrevi alhures, que o Brasil aceitou a jurisdição da Corte de Direitos Humanos da OEA. Todavia, o Brasil, cônscio de sua soberania, não se comprometeu, no Pacto de São José, a subordinar os órgãos do seu governo à Comissão ou à Corte da OEA.



No caso, a pretensão seria, na verdade, de subordinação da Constituição à convenção, quando é de elementar saber que aquela constitui o ápice da pirâmide legal (Kelsen).



É fácil concluir, portanto, pela resposta negativa à indagação formulada.



CARLOS MÁRIO DA SILVA VELLOSO, 76, professor emérito da UnB (Universidade de Brasília) e da PUC-MG, é advogado. Ex-ministro, foi presidente do Supremo Tribunal Federal e do Tribunal Superior Eleitoral



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