sexta-feira, 3 de agosto de 2012

Diário de mensalão

Valor Economico 3 de agosto de 2012
Relator e revisor têm o 1º confronto

Por Juliano Basile, Maíra Magro e Caio Junqueira
De BrasíliaO primeiro dia de julgamento do mensalão foi marcado pela quebra do cronograma estipulado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e divergências duras entre os ministros relator, Joaquim Barbosa, e o revisor, Ricardo Lewandowski.



O dia estava reservado para a apresentação da acusação pelo procurador-geral da República, Roberto Gurgel. Ele teria cinco horas para apresentar as provas contra os réus, o que fará somente hoje. Uma questão de ordem apresentada por Marcio Thomaz Bastos, advogado de José Roberto Salgado, ex-diretor do Banco Rural, levou a discussões tensas entre o relator e o revisor.



Após o julgamento, ele disse que estava "estupefato e perplexo com o lamentável ocorrido no plenário". Antes, porém, ele decidiu apresentar um voto de mais de uma hora e meia sobre a questão, decidida anteriormente pelo STF, o que irritou Barbosa.



O relator lembrou que o STF rejeitou a tese do desmembramento em dezembro de 2006. "Gastamos uma tarde inteira a debater essa questão", disse Barbosa. "Precisamos ter rigor ao decidir as coisas nesse país. Parece-me até irresponsável rediscutir essa questão", continuou Barbosa, acusando Lewandowski de deslealdade.



"É um termo forte", respondeu o revisor. Lewandowski advertiu que discussões como essa poderiam indicar qual seria o tom do julgamento. "Eu farei o meu direito de me manifestar sempre que entender necessário", completou o revisor. Incomodado, Barbosa se retirou do plenário por alguns minutos.



Em seguida, o presidente do STF, ministro Carlos Ayres Britto, pediu para Lewandowksi ser mais rápido em seu voto. "Esse é um julgamento tão importante, histórico, em que está em jogo a vida", justificou o revisor do mensalão. "Alguém que for condenado terá uma mancha em sua vida", continuou.



No STF, Lewandowski inicialmente defendeu o desmembramento do processo do mensalão. Mas, dada a maioria formada contra essa orientação, em 2006, ele passou a segui-la. "Mas sempre fazendo uma ressalva de que essa não era sua posição pessoal", explicou um assessor do ministro. Hoje Lewandowski resolveu não seguir mais aquela orientação que mantém todos os réus no Supremo.



Quando o voto durava mais de 30 minutos, Barbosa voltou a se incomodar com Lewandowski. "Eu sugeri o desmembramento, mas fiquei vencido. Acabou. Eu toquei a ação até o final", disse Barbosa. "Pois bem", respondeu Lewandowski, fazendo pouco caso da reclamação do colega.



Após o voto do revisor, Barbosa voltou a protestar. Ele perguntou a razão pela qual Lewandowski, que é revisor há dois anos no processo, não levantou essa questão antes. O revisor respondeu que a questão foi trazida apenas ontem. Barbosa disse que Lewandowski estava colocando em jogo a credibilidade do tribunal. Lewandowski reclamou que essa não era uma questão jurídica. "Vossa Excelência se atenha aos fatos, e não à minha pessoa", disse o revisor, elevando o tom de voz.



Em seguida, os demais ministros votaram, adotando um tom mais calmo para esfriar os ânimos. Ao fim, a tese de Bastos foi derrubada por nove votos a dois. Apenas Marco Aurélio Mello, que é conhecido por ser voto vencido no tribunal, seguiu Lewandowski.



Bastos perdeu a questão. Por outro lado, o cronograma previsto pelo STF foi quebrado e a conclusão, atrasada. A consequência imediata é que o ministro Cezar Peluso pode não participar de todo o julgamento, pois ele se aposenta em 3 de setembro, ao completar 70 anos. "Eu achei até que tivemos bastante voto", disse Bastos.



Ontem também ficou claro que o ministro José Antonio Dias Toffoli pretende participar do julgamento. A participação de Toffoli foi colocada em dúvida, pois ele atuou como advogado do PT, trabalhou com José Dirceu na Casa Civil, entre 2003 e 2004, e namora uma advogada que defendeu outro réu do mensalão, o ex-deputado Professor Luizinho (PT-SP). Mas, ontem, Toffoli votou a questão do desmembramento. O procurador-geral da República afirmou que não vai pedir aos ministros do STF o impedimento de Toffoli, pois isso poderia gerar novas discussões e atrasar ainda mais o cronograma do mensalão.



A partir de hoje, advogados dos réus devem apresentar novas questões aos ministros, o que pode adiar ainda mais os trabalhos no STF. "Depois do relator podem surgir questões incidentais", afirmou o advogado Alberto Zacharias Toron, que defende o deputado João Paulo Cunha (PT-SP). "Pode ocorrer, por exemplo, de um ministro levantar enquanto o advogado está falando", continuou. "Vocês repararam que muitos ministros levantam durante a sessão? Isso pode ocorrer? Se pode, o advogado para e espera ele voltar? Vamos supor que o Peluso queira adiantar seu voto e alguém diga que não pode. O que ocorre?", exemplificou.



Luis Francisco Corrêa Barbosa, advogado do ex-deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ), garantiu que vai apresentar questionamentos durante o julgamento. "Hoje, ficou patente que podem ser revistos alguns pontos", afirmou Barbosa. "Questões preliminares, com certeza, vão ser apresentadas. O cronograma foi para lá de Bagdá. Ele certamente vai correr para além do previsto." O advogado revelou que pretende levantar uma questão preliminar de inclusão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva no processo. Isso já foi discutido pelo STF, mas ele insiste. "Se a Corte admite que auxiliares do presidente teriam pago parlamentares, quem se beneficia com isso é o patrão", justificou.



Ao fim da sessão, Toron ainda pediu para que o STF reexaminasse o pedido para que os advogados utilizassem o sistema de Power Point em suas defesas. O pedido foi negado, na quarta-feira, por cinco votos a quatro. Toron alegou que, ontem, a Corte tinha dois ministros que não haviam votado a questão e, por isso, ela deveria ser votada novamente com a composição completa de onze ministros.



Ayres Britto foi duro ao negar o pedido. "Eu não vou reconsiderar", disse o presidente do STF, abrindo espaço para Barbosa ler o seu relatório e superar, após horas de debates, a primeira questão prévia ao mensalão.

.

Nenhum comentário: