FASES CONSTITUCIONAIS NO SÉC. XX-XXI
A PARTIR DA EXPERIÊNCIA PORTUGUESA
É bom recordar as fases de desenvolvimento de um novo constitucionalismo e concomitantemente os momentos de ataque à Constituição. E pôr em relevo a novidade da actual fase, que parece ser de silêncio constitucional.
Na segunda metade dos anos 70 do século passado, começou a fase das constituições sociais de segunda geração. Foi quando (para nos restringirmos à Europa dita “ocidental” – no domínio social havia já, sobretudo, a Constituição mexicana de 1917 e as constituições soviéticas... fora dessa área), após a Constituição italiana de 1948 e a Grundgesetz de 1949 (já portadoras de valores sociais), constituições como a portuguesa de 1976, ou espanhola de 1978 (e, mesmo numa ou noutra afloração, a constituição suíça de 1999, aliás com um belo preâmbulo, obra de um poeta) protagonizaram uma nova forma de proteger o trabalhador e o cidadão, não apenas na sua dimensão política, mas também social, económica e cultural. No seguimento destas constituições, o fenómeno irradiaria. Nomeadamente tendo como um marco notável (desde logo por um prefácio muito equilibrado e promissor) na constituição federal brasileira de 1988, justamente dita “constituição cidadã”[1].
Na fase final deste processo, começou a tomar corpo um movimento teórico-prático que dá pelo nome de Neoconstitucionalismo, e que, como quer se avalie nas suas múltiplas facetas, é inegável que tem em grande medida dado um novo élan ao Direito Constitucional.
Ora este progresso civilizacional não foi feito sem reacção e resistência.
Primeiro, houve governos que se escudaram na dimensão social das constituições como álibi. Nada se poderia fazer por causa da bendita da Constituição...
Depois, em tempo de governação mais moderada, certos queixavam-se do incumprimento da Constituição a torto e a direito, por nem todas as promessas sociais serem cumpridas, enquanto outros atacavam, por outro lado, a pretexto de qualquer concretização mais generosa que se fizesse (como, por exemplo, o rendimento mínimo garantido, depois rebaptizado rendimento social de inserção, em Portugal) e alegando já então a utopia dos direitos.
Mesmo depois de haver revisões constitucionais muito moderadoras, num momento seguinte começaram estes últimos a reclamar revisões constitucionais ou constituições novas pretensamente consensuais e neutras, mas obviamente na linha do estiolamento constitucional. Visava-se a “limpeza” das cláusulas económicas, sociais, culturais, ecológicas e afins, em sintonia com a ideia de uma constituição minimalista para um Estado minúsculo, próprias do neoliberalismo galopante.
Hoje vive-se em Portuga uma nova fase, que já espanta alguns: desceu uma cortina de silêncio sobre as matérias constitucionais. Como no passado ocorreu em situações dramáticas, mudou-se de estratégia: agora a Constituição parece poder ser tranquilamente violada porque se ignora a Constituição económica, social e cultural.
A única parte da Constituição que ainda é cumprida cabalmente parece ser a política, a institucional, a procedimental pura. Mas já começa a haver direitos fundamentais de primeira geração, como os que espelham o princípio da Igualdade que são postos em causa por legislação anti-social.
No blog em que colaboramos, A Viagem dos Argonautas, temos vindo a assinar uma rubrica que chama a atenção para os perigos: SOS Constituição. Estão convidados a passar por lá.
Paulo Ferreira da Cunha
[1] Cf., por todos, o nosso artigo Constituintes, Ideologia e Utopia. Linhas de Leitura Comparatísticas Luso-brasileiras, Separata dos Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Carlos Ferreira de Almeida, Coimbra, Almedina, 2011, pp. 73-96.
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