sábado, 26 de junho de 2010

Suicidio assistido na Alemanha

Folha de São Paulo de 26 de junho de 2010

Corte alemã legitima suicídio assistido
Tribunal supremo reverte condenação de advogado que aconselhou cliente a cortar tubo de alimentação de mãe

Justiça considera que ação que permita a paciente que não deseje continuar vivo morrer não constitui crime

DO "NEW YORK TIMES", EM BERLIM

Numa decisão histórica, o mais alto tribunal alemão determinou ontem que desativar o equipamento que mantém vivo um paciente terminal não constitui crime.
O tribunal reverteu a condenação de um advogado que no ano passado fora considerado culpado de tentativa de homicídio por aconselhar uma cliente a cortar o tubo intravenoso de alimentação que mantinha viva sua mãe, ainda que em estado vegetativo persistente.
A mãe havia dito à filha que não desejava ser mantida viva por meios artificiais.
Na decisão, a corte estabeleceu clara distinção entre "matar com a intenção de pôr fim à vida" e uma ação "que permita a um paciente morrer sob seu consentimento".
O advogado cuja condenação foi revertida, Wolfgang Putz, classificou a decisão como "excelente". "Ela protege contra abusos e estabelece fronteiras claras. Ajuda os pacientes e os médicos", disse Putz.
Vem havendo debate crescente na Europa quanto ao suicídio assistido, especialmente no Reino Unido. Em fevereiro, o documentarista britânico Ray Gosling foi detido após admitir ter ajudado a matar um ex-amante.
A eutanásia com o consentimento do paciente é legal em alguns países europeus, como Bélgica e Suíça.
Alemães têm viajado à Suíça para morrer há anos. Mas a questão é especialmente complicada na Alemanha porque os nazistas empregaram o termo como camuflagem para um programa de extermínio em massa de pessoas deficientes.
"O veredicto transmite um sinal fatal que não respeita o direito fundamental das pessoas criticamente doentes à autodeterminação e cuidados médicos", afirmou Eugen Brysch, diretor de uma associação médica alemã.
Brysch reprova especialmente o fato de que a paciente em questão tenha expresso seu desejo verbalmente, e não por escrito.
"Se, nesse caso, uma conversa privada sem testemunhas suficientes basta para determinar os desejos da paciente, estamos abrindo as portas a grandes abusos", disse Brysch.
Mas a ministra alemã da Justiça, Sabine Leutheusser-Schnarrenberger, aplaudiu a decisão do tribunal superior.
"Em uma fase difícil da vida, os testamentos dos pacientes oferecem segurança a pacientes, parentes, médicos e enfermeiros. Um testamento formulado livremente por um ser humano deve ser respeitado em todas as circunstâncias da vida", disse.
No caso sob julgamento, a paciente Erika Küllmer estava em estado vegetativo persistente há cinco anos, depois de sofrer uma hemorragia cerebral em 2002. A administração da casa de repouso em que vivia se recusou a permitir que os aparelhos fossem desligados.
Putz, advogado dos filhos de Küllmer, aconselhou sua cliente a cortar o tubo de alimentação em 2007, o que ela fez. A paciente morreu de insuficiência cardíaca dentro de duas semanas.
Em abril de 2009, um tribunal de primeira instância em Fulda sentenciou Putz a nove meses de prisão por tentativa de homicídio. A filha foi considerada inocente.
"Para mim esteve sempre claro que agi do modo certo", disse Elke Gloor, a filha de Küllmer, à agência de notícias alemã DPA, depois do anúncio do veredicto. "Minha mãe já não pode se beneficiar dessa decisão, mas de agora em diante todos os demais pacientes poderão."

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