quarta-feira, 16 de junho de 2010

A questão nuclear e o STF

O Juiz Federal Alceu Mauricio Jr. e doutorando de direito da puc-rio colocou no site do grupo de pesquisa sobre a questão do risco o seguinte comentário sobre a decisão do STF a respeito do tema. Recebi a obra de Erwin Chemerinsky Constitutional Law que será um instrumento importante para as pesquisas na puc, ufrj e ibmec.
Energia nuclear, preempção e regulação do risco (ADI1575)<http://www.riscoedireito.org/2010/06/energia-nuclear-preempcao-e-regulacao-do-risco-adi-1575/>
O Supremo Tribunal Federal (STF) julgou no dia sete de abril de 2010 a açãoDireita de Inconstitucionalidade (ADI) nº 1.575/SP, apresentada peloGovernador do Estado de São Paulo contra a Lei 6.263 de 1988 daquele Estado.
A lei atacada efetuava previsão da regulação da atividade nuclear no estadode São Paulo, afirmando que a pesquisa e as demais atividades relacionadascom o setor nuclear deveriam assegurar “a saúde, o bem-estar, a segurança dapopulação e a preservação do meio-ambiente”, o que seria fiscalizado atravésde um Conselho “composto por representação multidisciplinar, inclusive dacomunidade científica e tecnológica”. A alegação do Governador do Estado deSão Paulo centrou-se na violação da competência da União para regular asatividades do setor nuclear, prevista no art. 21, XXIII, e no art. 22, XII,XXVI, e seu parágrafo único, da Constituição Federal.
A questão levantada na ADI 1.575 nos remete ao problema da regulação dorisco e dapreempção<http://estadoderisco.org/Preemp%C3%A7%C3%A3o%20e%20Regula%C3%A7%C3%A3o%20do%20Risco:%20Wyeth%20v.%20Levine>,já trabalhado nas ações de inconstitucionalidade que atacavam leis estaduaisdoamianto<http://estadoderisco.org/2008/05/a-evolucao-jurisprudencial-da-regulacao-do-amianto-no-stf/>.O problema, vale recordar, surge quando leis estaduais se confrontam comleis federais na regulação de atividades que geram riscos à saúde e àsegurança da população ou ao meio-ambiente.
No caso das leis do amianto, o STF inicialmente evitou se manifestar sobreas questões científicas sobre o risco da utilização do asbesto branco,produto permitindo pela legislação federal, mas banido por diversas leisestaduais (vide ADI 2396 e ADI 2656). Naquela oportunidade, o STFestabeleceu um limite epistemológico à análise das ações deinconstitucionalidade, afirmando que não cabia àquela Corte “dar a últimapalavra a respeito das propriedades técnico-científicas do elemento emquestão e dos riscos de sua utilização para a saúde da população”.
Porém, no debate desenvolvido no julgamento de medida cautelar na ADI 3937,o Tribunal, capitaneado pelo voto do Min. Joaquim Barbosa, explicitamente seafasta do limite epistemológico colocado na ADI 2396, considerando serimportante “oferecer alguns esclarecimentos de natureza científica”. Barbosaapresenta uma revisão da literatura científica sobre os riscos do amianto edas doenças relacionadas a esse produto, concluindo que “não parecem existirníveis seguros para a utilização do amianto, inclusive o crisotila” elançando a seguinte pergunta: “diante dos riscos à saúde humana, a questão aser decidida é a seguinte: os estados estão autorizados a legislar sobre oamianto”?
A pergunta recebe resposta positiva de Barbosa, que se embasa em duasrazões. A primeira razão seria a existência de norma que respalda a ação dosestados, qual seja, a Convenção 162 da Organização Internacional do Trabalho(OIT), promulgada pelo Decreto 126/1991. A Convenção 162 da OIT protegedireitos fundamentais à saúde e ao meio ambiente, exigindo que osEstados-partes condicionassem o uso do amianto ao progressivodesenvolvimento de materiais alternativos, e, constatada a existência eviabilidade de materiais substitutos ao crisotila, os Estados-partesdeveriam dar preferência a esses substitutos. O dever assumido na esferainternacional estaria apoiado em um dever constitucional, positivado no art.196 da Constituição Federal, e “quem descumpre o primeiro, descumpre osegundo”.
O outro argumento é que, em caso de defesa da saúde, não haveria sentido emconfrontar-se a lei geral federal com leis específicas estaduais, pois “nãoé razoável que a União exerça uma opção permissiva em lugar do estado,retirando-lhe a liberdade de atender, dentro de limites razoáveis, osinteresses da comunidade”. Além disso, segundo Barbosa, a limitação estadualao amianto seria razoável por inexistência de alternativas, pois o contextofático indica que “não há uma medida intermediária à proibição”.
Na ADI 1.575, o STF volta a se defrontar com esse dilema: apego às regras decompetência ou maior proteção frente aos riscos? Há, porém, um detalherelevante. Ao contrário da regulação do amianto, a regulação das atividadesnucleares tem previsão específica nos arts. 21 e 22 da Constituição Federal,que atribuem à União competência exclusiva e centralizada. Por esse motivo,o Min. Joaquim Barbosa, relator da ADI 1575, conclui pelainconstitucionalidade da Lei paulista, “não obstante a justa preocupação dolegislador estadual”.
Essa conclusão não foi acatada de forma unânime pelo plenário do STF. Adivergência foi aberta pelo Min. Marco Aurélio, que entendeu não haver nalei atacada a regulação da pesquisa ou da atividade no campo nuclear. Para oMin. Marco Aurélio, seguido pelo Min. Ayres Britto, a Lei paulista versavasobre saúde, segurança e meio-ambiente, campos em que a competência éconcorrente entre os entes da Federação.
Prevaleceram, contudo, os argumentos favoráveis à declaração dainconstitucionalidade da Lei paulista, sintetizados no voto da Min. CármenLúcia: segurança, saúde e bem-estar estão compreendidos na concorrênciaconcorrente, porém, no caso específico da energia nuclear, a Constituiçãoconcentrou tais poderes na União. E, segundo o Min. Lewandowski, talconcentração se justifica porque “a questão da energia nuclear constituiverdadeiramente uma política de Estado, com repercussão no campo daestratégia militar e também da política exterior”, matéria que estariaafetada “direta e exclusivamente á União”.
Podemos afirmar que a decisão na ADI 1575 (energia nuclear) representa umamodificação dos parâmetros fixados na ADI 3937 (amianto) sobre a preempção eregulação do risco? Entendemos que a resposta é negativa. Os votos na ADI1575 demonstram que o STF majoritariamente adere à tese de que segurança,bem-estar, saúde e meio-ambiente – os principais objetos da regulação dorisco – estão compreendidos na competência concorrente dos entesfederativos, valendo o princípio da “maior proteção”. O que ocorre na ADI1575 é um importante elemento de *distinguishing *frente à decisão do STF naADI 3937. No caso da energia nuclear existe previsão constitucional expressade competência exclusiva da União, pois o constituinte considerou que essamatéria constitui-se verdadeira política de Estado, com reflexos no campo daestratégia militar e da política exterior.
Isto gera uma área de incompetência regulatória para os demais entesfederativos, mas não uma liberdade de conformação irrestrita do legisladorfederal. Ao regular a atividade nuclear no Brasil, a União continuavinculada ao dever de proteção da saúde, do bem-estar, da segurança dapopulação e do meio-ambiente, como determinam os arts. 196 e 225 daConstituição.
Originalmente publicado por Alceu Mauricio Jr. em O Estado deRisco<http://estadoderisco.org/2010/06/energia-nuclear-preempcao-e-regulacao-do-risco-adi-1575/>

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