domingo, 18 de maio de 2008

A Evolução Jurisprudencial da Regulação do Amianto no STF

A regulação do amianto no Brasil nos oferece um importante exemplo dos problemas enfrentados pelo Estado na administração e distribuição dos chamados riscos pós-industriais, ou seja, os riscos criados pelo próprio processo de industrialização da sociedade, e não pela natureza. Essa questão também expõe os problemas enfrentados pelos tribunais na judicialização do risco. Devem os tribunais interferir nas denominadas escolhas de caráter técnico ou científico ou se limitar à análise do significado das normas jurídicas correspondentes?


Neste post, identificamos três diferentes aproximações do STF à questão da regulação do amianto.


A questão do amianto


O amianto tem sido considerado internacionalmente como um produto tóxico, cuja industrialização ou utilização provoca riscos à saúde dos trabalhadores e consumidores. No Brasil, a questão foi regulamentada pela Lei 9055/1995, que vedou a extração, produção, industrialização, utilização e comercialização da actinolita, amosita (asbesto marrom), antofilita, crocidolita (amianto azul) e da tremolita, variedades minerais pertencentes ao grupo dos anfibólios, bem como dos produtos que contenham estas substâncias minerais. A lei também proibiu a pulverização e a venda a granel da variedade crisotila (asbesto branco).


Entretanto, a Lei 9055 (art. 2º) permitiu a extração, industrialização, comercialização e uso da crisotila (asbesto branco), o que levou a reações contrárias de alguns Estados da Federação, que proibiram em seus territórios o amianto em qualquer de suas formas.


Fase 1 – ADI 2396 e ADI 2656


Os casos inicialmente levados ao STF foram contestações contra as leis estaduais que vetaram o a industrialização e comercialização do asbesto branco. Nesta fase, o STF evitou adentrar à questão dos debates científicos sobre o risco inerente à utilização do asbesto branco, atendo-se à questão das competências legislativas. Na ADI 2396, que contestou a constitucionalidade de Lei do Mato Grosso do Sul, o STF assim se manifestou:


Não cabe a esta Corte dar a última palavra a respeito das propriedades técnico-científicas do elemento em questão e dos riscos de sua utilização para a saúde da população. Os estudos nesta seara prosseguem e suas conclusões deverão nortear as ações das autoridades sanitárias. [...] o Estado do Mato Grosso do Sul excedeu a margem de competência concorrente que lhe é assegurada para legislar sobre produção e consumo (art. 24, V); proteção do meio ambiente e controle da poluição (art. 24, VI); e proteção e defesa da saúde (art. 24, XII). A Lei nº 9.055/95 dispôs extensamente sobre todos os aspectos que dizem respeito à produção e aproveitamento industrial, transporte e comercialização do amianto crisotila.” (ADI 2396 / MS - Relator(a): Min. ELLEN GRACIE) Inteiro teor da ADI 2396


O mesmo entendimento foi utilizado para julgar a ADI 2656, referente à lei paulista do amianto:


Produção e consumo de produtos que utilizam amianto crisotila. Competência concorrente dos entes federados. Existência de norma federal em vigor a regulamentar o tema (Lei 9055/95). Conseqüência. Vício formal da lei paulista, por ser apenas de natureza supletiva (CF, artigo 24, §§ 1º e 4º) a competência estadual para editar normas gerais sobre a matéria.” (ADI 2656 / SP - Relator(a): Min. MAURÍCIO CORRÊA)

Inteiro teor da ADI 2656



Fase 2 – ADI 3356 e ADI 3937


A ADI 3356 e a ADI 3937 iniciam outra fase da questão do amianto, ou melhor, iniciam uma fase transitória na abordagem desse problema pelo STF. Como nos dois casos da Fase 1, trata-se de questionamento da constitucionalidade de lei estadual que proibiu o asbesto branco. Nesta fase transitória, o STF começa a se voltar incidentalmente para a questão da constitucionalidade da Lei 9055.


A ADI 3356, que questionou a lei do amianto de Pernambuco, teve seu julgamento iniciado na mesma linha dos precedentes anteriores (ADI 2396 e ADI 2656). O Min. Eros Grau, relator, “julgou procedente o pedido formulado por entender que a lei em questão invade a competência da União para legislar sobre normas gerais sobre produção e consumo, meio-ambiente e controle de poluição, proteção e defesa da saúde, bem como extrapola a competência legislativa suplementar dos Estados-membros”. Todavia, o julgamento foi suspenso em virtude do pedido de vista do Min. Joaquim Barbosa.

Íntegra do Informativo 407


Em 2007, o Estado de São Paulo editou novamente uma lei proibindo o asbesto branco, que foi questionada através da ADI 3937. Seguindo os precedentes da Corte, o Min. Marco Aurélio, relator, votou pela inconstitucionalidade da lei paulista. Porém, o Min. Eros Grau, que na ADI 3356/PE votara no mesmo sentido do relator, abriu divergência, “salientando sua tendência em evoluir quando retornar o debate da ADI 3356” e “de que a matéria não pode ser examinada única e exclusivamente pelo ângulo formal”. Assim, Eros Grau indeferiu a liminar, “ao fundamento de que a Lei federal 9.055/95 é inconstitucional, na medida em que agride o preceito disposto no art. 196 da CF”. O julgamento, em seguida, foi suspenso por pedido de vista do Min. Joaquim Brabosa. Íntegra do Informativo 477


Fase 3 – ADI 4066


Embora a fase intermediária não tenha sido finalizada, pois a ADI 3356 e a ADI 3937 ainda não tiveram seus julgamentos concluídos, a ADI 4066 inaugura um novo estágio na discussão do amianto, pois questiona diretamente a Lei federal 9055/1995. A matéria foi assim noticiada pelo STF:


A Lei 9.055/95, que permite a exploração e a comercialização do amianto crisotila no país, é alvo de questionamento no Supremo Tribunal Federal (STF) pela ANPT (Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho) e pela Anamatra (Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho).

A Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4066, com pedido de medida cautelar, pede a revogação do artigo 2º da lei questionada. Para a ANPT e a Anamatra, pesquisas científicas em vários países já teriam comprovado os malefícios – principalmente o câncer, causados pelo amianto, em suas diversas formas – tanto o marrom quanto o branco ou azul, também chamado de crisotila.

Tanto é assim, afirmam, que o amianto, em todas as suas modalidades, vem sendo sistematicamente abolido, não só pelos países desenvolvidos, mas também por muitas nações em desenvolvimento. As grandes empresas multinacionais, prosseguem as associações, migraram para países como o Brasil, onde a legislação de proteção ao trabalhador, à saúde e ao meio ambiente, por ser menos restritiva, "revela-se mais suscetível de abrigar empresas voltadas à exploração de atividades econômicas fundadas em matérias-primas poluentes ou revestidas de altíssimo nível de toxidade para o organismo humano e o meio ambiente".

Ao permitir a utilização dessas substâncias, a lei desrespeita dispositivos constitucionais, como o direito à saúde (artigo 196). Outro problema relacionado ao amianto diz respeito a danos causados ao meio ambiente, afirmam as associações, fazendo com que a norma contrarie, também, os preceitos dispostos nos artigos 170 e 196 da Constituição Federal.”Link para a notícia no site do STF


A direção que será tomada pelo STF ainda não está definida, mas evolução da jurisprudência sobre o amianto indica que será inevitável para Corte enfrentar o cerne da discussão sobre a regulação do risco.

Um comentário:

Prof. Ribas disse...

É importante registrar o voto do Ministro Eros Grau que ressaltou a prevalêcia do direito à saúde diante uma mera questaõ forma de competência. Esta linha de raciocínio teve o direcionamento do voto do Ministra Ellen Gracie.Agora testemunharemos como está postado o peso da defesa do interesse coletivo expresso, por exemplo, pela Anamatra.