sábado, 30 de agosto de 2008

As tendências do STF após os dois primeiros dias das audiências públicas da ADFP nº 54









Supremo aprovará aborto de anencéfalo, diz relator
Marco Aurélio Mello afirma que STF está menos ortodoxo e deve ser favorável à medidaMédicos, cientistas e parlamentares participaram de audiência ontem; de nove pessoas que discursaram, só duas foram contra a tese O ministro do STF Marco Aurélio Mello disse ontem acreditar que irá prevalecer em votação na corte a tese que permite a interrupção da gravidez em casos de fetos anencéfalos.Relator do caso, que ontem foi discutido com médicos, cientistas e parlamentares, ele explicou as razões de sua confiança em um placar favorável: "Creio que o tribunal de hoje é menos ortodoxo. Espero um placar acachapante: 11 a zero".Ao contrário do primeiro dia de audiência, no qual esteve presente só o relator, ontem os ministros Carlos Alberto Direito e o presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), Gilmar Mendes, compareceram.Das nove pessoas ouvidas, sete defenderam e duas desaprovaram a tese levada à apreciação da corte pela CNTS (Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde).Durante os debates, Direito sinalizou que deve votar contra a tese. Após a exposição de Heverton Pettersen, da Sociedade Brasileira de Medicina Fetal, na qual disse que o diagnóstico é 100% seguro, Direito afirmou que "nem sempre os melhores profissionais fazem diagnósticos absolutos".Em sua fala, Salmo Raskin, da Sociedade Brasileira de Genética Médica, disse que a cada três horas nasce uma criança anencéfala no país. Conforme especialistas, em mais de 50% dos casos a morte do feto se dá durante a gestação.O deputado federal Luiz Bassuma (PT-BA), que preside a Frente Parlamentar em Defesa da Vida, disse que o STF estaria legislando no lugar do Congresso ao votar a matéria. Mello rebateu a crítica. "Não estamos legislando. Estamos, sim, interpretando o arcabouço normativo e tornando-o eficaz."Os médicos ouvidos ontem no STF afirmaram que a gestação de bebês anencéfalos traz riscos à saúde da mãe.Jorge Andalaft Neto apresentou dados de estudo da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) com 80 mulheres que geraram fetos com anencefalia. Metade delas apresentou variações no líquido amniótico -como o bebê não consegue deglutir o líquido, ele se acumula, o que pode gerar problemas renais para a mãe.Outros problemas, segundo Andalaft, são hipertensão, diabetes, parto prematuro, sofrimento psíquico e até necessidade de retirada do útero. Só 2,8% não tiveram complicação.Segundo Luís Roberto Barroso, da CNTS, a sessão confirmou os argumentos da entidade: não se trata de aborto, pois se o feto não tem cérebro, não há vida; a anomalia é letal em 100% dos casos; o diagnóstico é seguro; a gestação traz mais riscos para a mãe; e os órgãos do bebê não servem para transplante. A terceira e última rodada do debate será na terça-feira, dia 02 de setembro de 2008.

sexta-feira, 29 de agosto de 2008

Os Tratados e a Constituição Federal de 1988

É importantissima a leitura do voto do Ministro relator Celso de Mello no HC 94404 MC/SP constante do Informativo 516 do STF. Trata-se de concessão do instituto do "Habeas Corpus" para estrangeiro não residente no país. A discussão é travada a partir de denegação por Juiz Federal de "Habeas Corpus" com base na vedação legal absoluta, em carater apriorístico, da concessão de liberdade provisória de acordo com a Lei do Crime Organizado, artigo 7º. Tal dispositivo seguiu os ditames do artigo 11 da Convenção de Palermo - (Combate ao crime organizado). No voto lamenta o Brasil não ter ainda ratificado a Convenção de Viena dos Tratados. Sublinha-se que, no encaminhamento da ratificação com a exposição de motivos de autoria de Celso Lafer, é destacado o fato dos tratados terem de pautar pela subordinação aos ditames da constituição. Vale observar, como comentário nosso, que a Constituição Federal de 1988 não traz, explicitamente , uma orientação como a constante na Lei Fundamental de 1949. Nessa linha, o Texto Maior da Alemanha disciplina que a sua ordem jurídica só estará, hierarquicamente, submetida ao sistema normativo internacional com condiçoes como esta: o respeito ao princípio da dignidade humana. O voto do Ministro Relator Celso Mello reforça, também, a noção de que o processo é um instrumento para efetivar Direitos Fundamentais e garantias constitucionais. Ao estrangeiro, por exemplo, deve ser garantido o princípio da dignidade humana. Por fim, o voto citado, reforça a jurisprudência do STF de que a prisão provisória não pode atender ao clamor público.

quarta-feira, 27 de agosto de 2008

O Ministro Ayres de Britto mudará a sua posição a favor da demarcação?

O informe do Consultor Jurídico de 26 de agosto de 2008 noticia sobre o caso da Raposa Serra do Sol. Concordamos com o postado abaixo no sentido de ao ser consultado na busca sobre o assunto no www.stf.gov.br e lermos os votos principalmente da Ministra Ellen Gracie e do Ministro Carlos Ayres Britto, já nota-se uma tendência. Em 2004, a postura num voto de carater mais político, a Ministra Ellen Gracie questionava a demarcação em carater continuo. O Ministro Ayres de Britto em várias ocasiões manifestou, com base restritamente normativa, a favor da demarcação. O "Consultor Jurídico" levanta pistas que o citado ministro pode mudar o seu voto na sessão de julgamento do dia 27 de agosto de 2008. Vamos conferir! Leiam

Índios em pauta
STF começa a julgar na quarta demarcação de reserva
O Supremo Tribunal Federal começa, às 9h desta quarta-feira (28/8), a julgar a constitucionalidade da demarcação contínua da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima. A previsão é de que o julgamento dure dois dias. O ministro Carlos Britto, relator da Petição 3.388, definiu o caso como um dos mais complexos já relatados por ele. Seu voto tem 108 páginas.
Segundo o ministro, é a primeira vez que o Supremo se debruça detalhadamente sobre a questão indígena. A decisão não envolve apenas os 19 mil índios da Raposa Serra do Sol. Ela deverá servir de base para outros processos sobre as terras indígenas. Levantamento de O Estado de S.Paulo mostra que há 144 ações no Supremo envolvendo a demarcação de terras indígenas na Bahia, Pará, Paraíba, Distrito Federal e Rio Grande do Sul.
“Vamos decidir sobre Raposa Serra do Sol. Mas se decidirmos a partir de coordenadas constitucionais e objetivas, servirá de parâmetro para todo e qualquer processo de demarcação”, afirmou Britto. Uma das ações está há 26 anos no Supremo. Nela, a Fundação Nacional do Índio (Funai) pede a anulação de títulos de posse concedidos pelo governo da Bahia em áreas da reserva indígena Caramuru-Catarina Paraguaçu. A ação deve ser julgada na próxima semana.
A Raposa Serra do Sol é ocupada por indígenas e arrozeiros. A ação que deve ser analisada pede a anulação da portaria que fixou os limites da reserva. Outras 32 ações que questionam a demarcação da reserva também devem ser analisadas pelo STF.
Na segunda-feira (25/8), Britto já afirmava que o seu voto estava praticamente pronto. Apesar disso, ele recebeu em seu gabinete a visita dos dois grupos diretamente interessados: produtores rurais (principalmente rizicultores) e índios.
O ministro Marco Aurélio Mello afirmou também na segunda que, se a demarcação contínua da Raposa Serra do Sol for anulada, se abrirá precedentes para questionamentos sobre outras áreas. “Sem dúvida alguma, se o Supremo fixar que a demarcação deve ser setorizada por ilhas, evidentemente, isso se estenderá a todo o território nacional”, afirmou o ministro, durante o Encontro Nacional do Judiciário, em entrevista coletiva.
Para o ministro Gilmar Mendes, presidente do Supremo, todas as possibilidades estão abertas no julgamento sobre a reserva. “Tenho a impressão de que, independentemente do resultado, esse julgamento vai balizar critérios para a demarcação de terras de fronteira e a participação dos estados nesse processo. O julgamento vai ser rico nesse tipo de orientação”, afirmou em coletiva.
Tendência de Britto
Pelos posicionamentos anteriores, a tendência jurídica do relator, Carlos Britto, é manter a demarcação. No entanto, como o conflito foi agravado pela tensão política e social, ele pode mudar de posicionamento.
Nesta petição, o Supremo não decidirá se a demarcação da terra deve ser contínua ou em ilhas. Na questão de demarcação de terras indígenas, o Judiciário só pode se manifestar, segundo a Constituição, sobre a legalidade dos atos do Executivo. Se o decreto for declarado ilegal, o processo volta às mãos do Executivo e a Funai terá que apresentar novo estudo antropológico.
No começo de abril, o STF entendeu apenas que a operação da PF para retirar os seis arrozeiros da área só pode acontecer quando ficar entendido que o decreto presidencial é legítimo.
A posição de Carlos Britto sobre o decreto pode estar já desenhada no Mandado de Segurança 25.483, julgado pelo Plenário do STF no dia 4 de junho de 2007. Na oportunidade, os arrozeiros questionavam o processo de demarcação. O mérito da questão não foi debatido porque o Mandado de Segurança não é o instrumento jurídico correto para esse tipo de questão.
Em sua decisão, o ministro lembrou, porém, que cabe à União demarcar as terras ocupadas pelos índios conforme dispõe o artigo 231 da Constituição. “Donde competir ao presidente da República homologar tal demarcação administrativa”, anotou Britto.
Para o ministro, não é preciso a manifestação do Conselho de Defesa Nacional (CDN) para a demarcação de terras indígenas em áreas de fronteira. A necessidade de opinião do CDN é inclusive um dos argumentos da última ação ajuizada pelo governo de Roraima em maio. O CDN é o órgão de consulta da Presidência da República para assuntos de soberania nacional.
Fazendeiros, governo estadual e parlamentares do Estado também reclamam de erros legais do decreto, que não garantiu, por exemplo, o direito ao contraditório e da ampla defesa. Carlos Britto nega essa situação ao citar como fundamento o artigo 9º do Decreto 1.775/96, que regula o procedimento administrativo de demarcação de terras indígenas.
A norma concede um prazo de 90 dias desde o início do processo demarcatório para que estados, municípios e interessados manifestem-se à Funai sobre qualquer problema sobre a área ou para pedir indenizações.
Apesar da jurisprudência, não há certeza sobre a posição do ministro. “A gente não tem como prever como o Supremo irá decidir. Mas, sabemos que a demarcação aconteceu completamente dentro da legalidade. Discutiram-se todas as etapas administrativas”, afirma a advogada Ana Valéria Araújo, da ONG Fundo Brasil de Direitos Humanos.
Ana Valéria lembra que o caso ganhou grande proporção com uma série de atores dando opiniões. Por isso, o Supremo pode cair na tentação de fazer um julgamento político. Em uma das decisões sobre o caso, Carlos Britto chegou a comentar que “a própria história do país está em jogo. Não se trata de simples maniqueísmo. O Bem de um lado e o Mal de outro. Aqui, não é fácil separar o joio do trigo”.
Em outra oportunidade, o ministro disse que “diante de um quadro tão complexo, que envolve tantos interesses — particulares e públicos; tantas verdades e meias-verdades; tantas escaramuças e negaças; tanto emocionalismo, enfim, fica extremamente difícil extrair, neste primeiro exame, os requisitos autorizadores da liminar, aí incluída a aparência do bom direito”.
Tensão social
Qualquer que seja o resultado do Supremo, a expectativa é de que cresça a tensão social entre os índios e fazendeiros. O fazendeiro João Paulo Quartiero, que liderou a resistência à presença da Polícia Federal na região, em abril, disse que uma decisão favorável à reserva o deixará duplamente desempregado. "Vou perder a fazenda de arroz e o cargo de prefeito de Pacaraima", explicou o arrozeiro.
A maior parte da população local defende a exclusão do território de Pacaraima da área da reserva. Na oportunidade, dez índios das etnias macuxi e ingarikó foram feridos a balas após tentativa de ocupação da fazenda Depósito, de Quartiero, que logo depois foi preso pela PF.
O macuxi Dionito José de Souza, coordenador do Conselho Indigenista de Roraima (CIR), teme também uma onda revanchista contra os índios da região caso o STF autorize as ilhas territoriais não indígenas. Ele disse que as famílias que já foram retiradas da área ameaçam voltar para os lugares que ocupavam anteriormente. “Pode acontecer um massacre por aqui”, afirma.
O governo começou a retirar as famílias não indígenas da área no ano passado. Segundo levantamento do Incra, na zona rural existiam 180 famílias — das quais 130 requeriam lotes de 100 a 500 hectares e as outras 50 reivindicavam parcelas de até 100 hectares. No total, seriam 33 mil hectares, distribuídos entre os municípios de Boa Vista, Bonfim e Amajari.
Em abril deste ano quase todas as famílias já tinham sido retiradas. Restava, porém, um foco de resistência: um grupo de seis grandes produtores de arroz, sob a liderança de Quartiero. Tropas da Força Nacional de Segurança e da Polícia Federal foram então despachadas para a região, mas acabaram enfrentando resistência. No processo de formação da reserva, povoados foram esvaziados — e logo em seguida ocupados por famílias indígenas.
Processo histórico
As terras indígenas ocupam 42% do estado. O terreno da Raposa Serra do Sol equivale a 7,7% de Roraima. O processo de demarcação da Raposa remonta aos anos 1970. A Funai somente deu seu parecer antropológico sobre a extensão do território em 1993.
O conceito de terra indígena é baseado em quatro elementos — área da aldeia, áreas usadas para atividades de subsistência, áreas para preservação do meio ambiente e área para reprodução física e cultural. Por isso, o conceito de terra indígena deve prever o crescimento da comunidade. O espaço deve ser suficiente para que a tribo sempre se mantenha como um grupo diferenciado.
Argumenta-se que a Raposa Terra do Sol é uma área grande demais para os 19 mil índios que moram lá. Roraima tem 224.299 km² e 391.317 habitantes, o que equivale a 0,57 km²/hab. Na terra indígena, a proporção é de 1,17 km²/hab, duas vezes mais que a média do Estado.
A questão entrou na pauta da Justiça em 1998, quando a área foi demarcada pelo presidente FHC. Na época, já estavam estabelecidos na reserva cerca de 60 fazendeiros.
Agricultores, pecuaristas e políticos do estado ajuizaram na Justiça Federal de Roraima uma série de ações judiciais para impedir o processo do Executivo para efetivar a reserva. A posição dos mandatários do estado fica bem demonstrada quando o então governador Ottomar Pinto, morto o ano passado, decretou luto oficial de sete dias em todo o estado em protesto ao reconhecimento da reserva.
Com o tempo, muitos fazendeiros foram desistindo e deixaram a reserva depois de receberem indenizações da Funai. Sobraram apenas seis rizicultores, que ocupam a área sul da reserva em um espaço que representa cerca de 1% do total das terras.
O assunto chegou ao Supremo em 2004. Na oportunidade, a ministra Ellen Gracie entendeu que a homologação contínua causaria graves conseqüências de ordem econômica, social, cultural e lesão à ordem jurídico-constitucional. Por isso, ela negou o pedido do Ministério Público Federal, que queria suspender a decisão da Justiça Federal no estado permitindo a permanência dos arrozeiros.
Com a homologação da reserva m 2005, pelo presidente Lula, o assunto passou para a competência do Supremo. A partir de 29 de junho de 2006, o Plenário do STF reconheceu que a questão é de sua alçada. As contestações dos agricultores vêm sendo liminarmente negadas pelos ministros desde então.
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terça-feira, 26 de agosto de 2008

O avanço no debate do disciplinamento sobre a criação de municípios

O Professor Marcus Firmino Santiago envia-nos noticia veiculada pela Agência do Senado em 25 de agosto de 2008 a respeito do avanço da aprovação do disciplinamento sobre a criação de municípios.
Novas regras para criação de municípios está na pauta da CCJ
A Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) deve decidir na quarta-feira (27) sobre as emendas de Plenário apresentadas a projeto que determina novas regras para criação de municípios. O relator, senador Tasso Jereissati (PSDB-CE), acolheu parcialmente as sugestões oferecidas à proposição, reduzindo o mínimo populacional exigido para a constituição de novas cidades. Em seu substitutivo, o parlamentar também determina que sejam convalidados os atos de criação de municípios assinados entre 1996 e 2007 desde que as localidades tenham prefeitos e vereadores eleitos e empossados.
Preocupado com a instabilidade institucional dos municípios criados naquele período, o presidente da CCJ, senador Marco Maciel (DEM-PE), quer agilizar a votação da matéria. Conforme ressaltou ele, vence em novembro o prazo dado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) para que seja aprovada norma legitimando os municípios criados a partir da edição da Emenda 15, em 1996.
A emenda (EC 15/96) estabelece que a formação de novos municípios deve seguir regra definida por lei complementar federal, a qual ainda não foi elaborada. A proposição em exame na CCJ visa exatamente sanar essa lacuna legal e, ao mesmo tempo, regularizar a situação de 27 municípios criados desde a edição da EC 15/96. Para elaborar seu substitutivo, Jereissati examinou os PLS 98/02-Complementar, 503/03, 60/08 e 96/08. Já aprovado pela CCJ, o substitutivo recebeu emendas no Plenário, o que motivou a volta da matéria à comissão. Jereissati acolheu parcialmente emendas que tratam do mínimo populacional exigido para criação de municípios - ele propõe a exigência de pelo menos cinco mil habitantes para novas cidades das Regiões Norte e Centro-Oeste; sete mil habitantes para a Região Nordeste e dez mil habitantes para Sul e Sudeste. Também foram acolhidas pelo relator sugestões determinando as exigências de que a arrecadação e o número de imóveis no aglomerado urbano que será sede da nova cidade sejam superiores à média de dez por cento dos municípios menos populosos do estado

Análise sobre o ativismo judicial (ou jurisdicional) do Supremo Tribunal Federal

O Professor Farlei Martins envia-nos uma sintese dos textos publicados sobre o ativismo judicial (ou jurisdicional no sentido este de alargamento dos poderes do STF) pela revista Veja na sua edição de 27 de agosto de 2008.


CONTRA O VÁCUO
Sessão plenária do STF: com desembaraço, os ministros preenchem omissões
da legislação e agem no lugar do Congresso

Os líderes partidários da Câmara dos Deputados gastaram uma boa fatia de sua
reunião semanal, na terça-feira passada, tentando encontrar uma forma de
escapar de um vexame anunciado. Sabiam que, no dia seguinte, os ministros do
Supremo Tribunal Federal (STF) decidiriam um caso sobre nepotismo (a prática
odiosa de aboletar-se num cargo administrativo e dali distribuir sinecuras à
parentalha), provavelmente o baniriam da vida pública brasileira e, com isso,
deixariam desmoralizado o Congresso, que nunca se mobilizou para votar uma lei
contra esse mal. O acordo não foi possível, sobretudo pela resistência do PTB,
do DEM e de parte do PMDB, e o mundo seguiu seu curso. Na quinta-feira, o STF
editou uma "súmula vinculante" (decisão que não pode ser desrespeitada pelas
instâncias inferiores da Justiça) e proibiu o nepotismo nos três poderes.
Fechou também a porta ao "nepotismo cruzado", em que um político contrata
parente de outro, para disfarçar a malandragem.
Depois disso, restou aos parlamentares a reação desenxabida exemplificada pelo
presidente do Senado, Garibaldi Alves Filho, que declarou: "Vou ter de
dispensar um parente que trabalha no gabinete. Não esperava que a decisão a
ser adotada tivesse a amplitude que teve. Agora é cumprir". O julgamento do
Supremo, por sua vez, foi saudado como histórico, por tocar numa mazela que
historiadores e antropólogos costumam descrever como um dos pecados de origem
da sociedade brasileira. Ainda pôs em relevo, novamente, o papel de
protagonista que o tribunal assumiu e que não vai abandonar, por três motivos:
porque a paralisia do Congresso não terminará de súbito; porque, ao estilo da
Suprema Corte americana, tem em sua pauta de curto prazo temas polêmicos e de
influência direta no cotidiano dos brasileiros, como o debate sobre o
casamento homossexual; e porque, dentro da corte, consolida-se rapidamente uma
cultura de "ativismo judiciário".
Um sistema político-jurídico é como a natureza, na frase de Nicolau Copérnico:
abomina o vácuo. Se um dos três poderes não exerce o seu papel, os outros
ocupam o espaço (veja o artigo de Reinaldo Azevedo). O Congresso brasileiro é,
hoje, o poder apequenado. Sua pauta se vê trancada, em média, três semanas por
mês, pela avalanche de medidas provisórias editadas pelo governo Lula e que
precisam ser avaliadas com prioridade. Parlamentares vivem falando em limitar
a edição de MPs, mas o fato é que a única restrição a essa prerrogativa do
Executivo saiu justamente do Supremo, que vetou o uso do instrumento em
matéria orçamentária. À tibieza para enfrentar essa batalha que lhe diz
respeito diretamente, soma-se a omissão de longa data do Congresso em suprir
lacunas da legislação. Passados vinte anos, o Congresso ainda não regulamentou
54 artigos da Constituição de 1988. Diz o cientista político Octaciano
Nogueira, da Universidade de Brasília: "Em qualquer país, se o Congresso não
regulamenta logo uma nova Constituição, exime-se de sua principal tarefa". A
legislação infraconstitucional também está cheia de buracos e, diante deles, o
STF pode se ver na posição de legislar. Os ministros se mostram dispostos a
realizar essa tarefa, e acreditam ter uma boa razão para isso. "Não é por
razões ideológicas ou pressão popular. É porque a Constituição exige. Nós
estamos traduzindo, até tardiamente, o espírito da Carta de 88, que deu à
corte poderes mais amplos", diz o presidente do STF, Gilmar Mendes.
Tasso Marcelo/AE

SEM ALGEMAS
Neste mês, o STF regulou o uso do acessório. Em audiência recente, o
traficante Beira-Mar teve as mãos atadas apenas no caminho para o
tribunal
A mudança de cultura no STF fica clara quando se relembra o julgamento sobre o
direito de greve no serviço público realizado em outubro de 2007. Onze anos
antes, em 1996, um processo sobre o mesmo tema havia chegado ao tribunal.
Naquela ocasião, os ministros decidiram que os servidores públicos não
poderiam exercer a greve antes da edição de uma lei regulamentando o assunto.
Ou seja, a sentença jogou a bola para o Congresso. No ano passado, observou-se
uma guinada dramática. Em vez de apenas conclamar o Congresso a agir, o STF
decidiu que o sistema jurídico não podia mais ficar incompleto e fez com que
se aplicasse a lei de greve da iniciativa privada sobre os casos do serviço
público.
Uma outra ferramenta, sobre a qual até agora pouco se chamou atenção, vem
sendo utilizada pelos ministros. É a "interpretação conforme a Constituição".
Aqui, não se trata de cobrir uma lacuna legal, mas de mudar o sentido de uma
norma infraconstitucional já existente por meio de uma sentença. Essa
estratégia é largamente empregada em países como Itália e Alemanha, e os
ministros do STF estão se apoderando dessa novidade técnica. Ela apareceu com
destaque, em maio, no julgamento sobre o uso científico das células-tronco. Em
vez de declarar a lei sobre o assunto inconstitucional, cinco ministros com
voto vencido – Carlos Direito, Ricardo Lewandowski, Eros Grau, Cezar Peluso e
Gilmar Mendes – disseram que ela poderia ser válida, desde que recebesse
acréscimos sugeridos por eles e assim ficasse "conforme a Constituição". Os
acréscimos iam da criação de um conselho federal para cuidar de reprodução
humana à determinação do número de óvulos que podem ser fertilizados numa
clínica. A sentença do ministro Gilmar Mendes, em particular, foi um manifesto
em favor desse tipo de sentença "aditiva", por meio da qual o Supremo "atua
como verdadeiro legislador positivo". Em breve, quando a corte decidir sobre a
possibilidade de aborto legal no caso de fetos com cérebro malformado, o mesmo
tipo de voto deve aparecer. Dentro do próprio STF, há quem veja com ressalvas
o uso desse tipo de interpretação, pelo risco (real) de se transformar num
mecanismo sutil para modificar boas normas com base apenas em supostas
"ambigüidades" de linguagem. Marco Aurélio Mello levantou uma objeção desse
tipo no caso das células-tronco.


À MANEIRA AMERICANA
Nos EUA, a Suprema Corte julga casos que repercutem no cotidiano. Agora,
a pauta do STF está repleta de temas desse tipo
Até recentemente, o STF era uma corte dominada por juristas conservadores,
indicados para o cargo antes da redemocratização. Estavam acostumados a outra
Constituição e a uma tradição jurídica que pedia um Supremo discreto. Hoje,
todos os ministros do STF foram indicados já no período democrático e parecem
ter descoberto a latitude que a Constituição de 88 lhes oferece: mais
liberdade para interpretar as leis – e para agir nos vazios jurídicos. A
muitos não desagrada, tampouco, a projeção pública que julgamentos ferventes
como o dos políticos mensaleiros oferecem. Alguns parlamentares, contrariados
com o ativismo do Supremo, concordam que, ao criar mecanismos como a ação
direta de inconstitucionalidade e o mandado de injunção, a Carta de 88 deu
força ao STF. Assim, para frear o tribunal, imaginam mudanças constitucionais.
O líder do PT na Câmara, Maurício Rands (PE), pensa em apresentar uma emenda
que defina claramente a área de atuação do Judiciário e o impeça de atuar em
matérias que estejam pendentes no Congresso. Márcio França (PSB-SP) propõe a
eleição direta de ministros de tribunais superiores. "Não acho errado que
ministros do Supremo interpretem as leis e acabem legislando, desde que tenham
respaldo popular para isso", diz.
Contudo, é improvável que a corte retorne a um figurino anódino. Para Marcos
Paulo Veríssimo, professor da faculdade de direito da Fundação Getulio Vargas,
que está concluindo neste momento um trabalho sobre o "ativismo judicial" do
STF, isso não é ruim. Diz ele: "Não conheço nenhuma ditadura em que o
Judiciário tenha sido fundamental. O papel político da Justiça e o embate
entre os poderes são fenômenos das democracias". Uma certa dose de ativismo
judicial talvez seja impossível evitar num sistema constitucional como o
brasileiro. O essencial é que ele seja informado pela razão jurídica, e não
pela ideologia ou pelas crenças particulares de cada ministro. Isso, a
sociedade precisa vigiar.

segunda-feira, 25 de agosto de 2008

Adensando o conhecimento sobre os integrantes do STF

A Folha de São Paulo de 25 de agosto de 2008 publica essa entrevista do Ministro Joaquim Barbosa. A entrevista é importante porque há uma cobrança a respeito do entendimento do papel do STF. Este só poderá avançar se tivermos, também, fundamentados num perspectiva comportamental de seus integrantes.


ENTREVISTA DA 2ª
JOAQUIM BARBOSA
Enganou-se quem esperava um negro submisso no STF
Ministro nega que seja "encrenqueiro", mas diz que não se cala quando vê algo errad
"ENGANARAM-SE os que pensavam que o Supremo Tribunal Federal iria ter um negro
submisso, subserviente", diz o ministro Joaquim Barbosa, ao comentar os
desentendimentos com alguns de seus pares -como Marco Aurélio, Gilmar Mendes e Eros
Grau. Ele atribui os atritos à defesa que faz de "princípios caros à sociedade",
como o combate à corrupção. Barbosa entrou em choque com ministros tidos como
"liberais" em julgamentos da Operação Anaconda. Ficou conhecido popularmente como
relator do inquérito do mensalão e recentemente discutiu com Eros Grau sobre a
liberação de um preso da Operação Satiagraha.

Joaquim Barbosa nega que seja "encrenqueiro" e diz não se sentir isolado no
tribunal, onde "não costuma silenciar quando presencia algo errado". Ele critica,
por exemplo, os advogados de "certas elites" que monopolizam a agenda do Judiciário
-inclusive no Supremo-, marcando audiências para pedir que seus processos sejam
julgados com prioridade, na frente de outros que entraram na Corte há mais tempo.
Barbosa recebeu a Folha quarta-feira, em seu gabinete, onde concedeu entrevista em
pé, durante cerca de uma hora. Ele sofre de dores crônicas na coluna, incômodo que
se agrava quando fica sentado nas cinco sessões semanais na Corte.

FOLHA - A mídia o aponta como o ministro que mais se desentende com os colegas. O
sr. é uma pessoa de temperamento difícil?
JOAQUIM BARBOSA - Engano pensar que sou uma pessoa que tem dificuldade de
relacionamento, uma pessoa difícil. Eu sou uma pessoa altiva, independente e que diz
tudo que quer. Se enganaram os que pensavam que, com a minha chegada ao Supremo
Tribunal Federal, a Corte iria ter um negro submisso. Isso eu não sou e nunca fui
desde a mais tenra idade. E tenho certeza de que é isso que desagrada a tanta gente.
No Brasil, o que as pessoas esperam de um negro é exatamente esse comportamento
subserviente, submisso. Isso eu combato com todas as armas.
FOLHA - Gilmar Mendes chegou a dizer que o sr. "tem complexo". A ministra Carmen
Lúcia insinuou que haveria um "salto social", com sua evidência no caso do mensalão.
Como o sr. recebe esses comentários?
BARBOSA - A imprensa se esquece de dizer quais foram as razões pelas quais eu tive
certos desentendimentos. Quase sempre foram desentendimentos nos quais eu estava
defendendo princípios caros à sociedade brasileira, como o combate à corrupção no
próprio Poder Judiciário. Sem aquela briga com o ministro Marco Aurélio, o caso
Anaconda não teria condenação e cumprimento de penas pelos réus.
FOLHA - No julgamento de uma ação da Anaconda houve o comentário de que o sr. teria
"complexo"...
BARBOSA - Achei apropriado naquele momento dar uma resposta dura. Falaram que eu sou
encrenqueiro. Eu tenho amigos espalhados pelo Brasil e pelo mundo inteiro. São
pessoas decentes. E eu não costumo silenciar quando presencio algo de errado, ainda
que no âmbito do tribunal ao qual eu pertenço.
FOLHA - O sr. se sente isolado no Supremo?
BARBOSA - Nem um pouco. Eu tenho meu leque de amizades, que são pessoas que têm
afinidades comigo, com aquilo que eu gosto, que não necessariamente coincide com o
gosto da maioria do tribunal. Mas tenho boa relação com ministros.
FOLHA - Uma crítica recorrente é que o Supremo favorece as elites. Como o sr. vê
essa observação?
BARBOSA - Eu ainda não amadureci a minha reflexão sobre isso. Mas há uma coisa que
me perturba, que me deixa desconfortável aqui no tribunal e na Justiça brasileira
como um todo. É o fato de que certas elites, certas categorias monopolizam, sim, a
agenda dos tribunais. Isso não quer dizer que eu esteja de acordo com a frase de que
o tribunal favorece as elites. Monopolizam a agenda.
FOLHA - Como isso ocorre?
BARBOSA - Nós temos na Justiça brasileira o sistema de preferência, tido como a
coisa mais natural do mundo. O advogado pede audiência, chega aqui e pede uma
preferência para julgar o caso dele. O que é essa preferência? Na maioria dos casos,
é passar o caso dele na frente de outros que deram entrada no tribunal há mais
tempo. Se o juiz não estiver atento a isso, só julgará casos de interesse de certas
elites, sim. Quem é recebido nos tribunais pelos juízes são os representantes das
classes mais bem situadas. Eu não posso avalizar inteiramente essa frase [de que o
Supremo favorece as elites], mas acho que um país em que a Justiça está
completamente abarrotada tem que ter atenção muito grande para esse perigo de que a
agenda dos tribunais seja monopolizada por certos segmentos sociais. Basta prestar a
atenção, durante cada ano, no tempo que o STF gasta julgando questões de interesse
corporativo. É enorme.
FOLHA - O sr. costuma receber advogados em seu gabinete?
BARBOSA - Recebo, mas nenhum advogado, por mais importante que ele seja, monopoliza
o meu gabinete [o ministro informa que concedeu 244 audiências, em 2006 e 2007].
FOLHA - Sua decisão de quebrar o sigilo do inquérito do mensalão contribuiu para a
abertura do Supremo à sociedade. Quais os aspectos positivos e negativos dessa
exposição?
BARBOSA - Eu acho que o lado bom é o pedagógico. Aproxima o tribunal da sociedade.
Quebra com uma tradição tipicamente brasileira, ainda forte, de o juiz estar
distante do cidadão. O tribunal entra nos lares dos brasileiros. As questões
importantes da cidadania são debatidas, são absorvidas pelo cidadão. Acho isso muito
positivo. O lado negativo disso é que essa superexposição traz uma carga de pressão
muito grande em cima do tribunal. Essa hiper-exposição atrai cada vez mais demandas
para o Supremo. Uma tendência natural de outros poderes e de segmentos da sociedade
é pensar que tudo pode ser resolvido no Supremo. Não é tão fácil assim vir até o
Supremo, e é extremamente caro.
FOLHA - Diante das decisões recentes do tribunal, alguns juízes dizem que o Supremo
está se distanciando da sociedade, do mundo real.
BARBOSA - Teoricamente, acho que isso possa existir. Não quero falar sobre decisões.
Em tese, o juiz não pode se desgrudar da sociedade. Ele não pode desprezar os
valores mais caros da sociedade na qual opera. Seria suprema arrogância -e isso eu
noto em alguns juízes brasileiros- achar que não interessa o que a sociedade pensa
sobre determinadas decisões. O juiz é fruto do seu meio. Seria o supra-sumo da
arrogância entender que o juiz poderia ter uma escala de valores que não leve em
conta o sentimento da sociedade sobre questões que lhe são trazidas para decidir. Em
um sistema judiciário que não leva em consideração o sentimento da sociedade sobre
determinadas questões, a tendência é ele perder credibilidade e se transformar em
monstrengo inútil, do ponto de vista institucional, a médio ou longo prazo.
FOLHA - O Supremo carece de especialistas em direito penal?
BARBOSA - Eu discordo. O Supremo não precisa de especialistas em direito penal. É
verdade que na atual composição não há especialistas em direito penal. Mas uma
pessoa com uma boa formação em direito público, com uma boa formação humanística,
uma boa visão de mundo, que não seja paroquial, é isso que se espera do membro de
uma Corte Suprema e não uma especialização exacerbada nesta ou naquela matéria. O
que se espera é, sobretudo, prudência. Uma clara visão da sociedade.
FOLHA - Quantos membros do Supremo já interrogaram réus?
BARBOSA - Isso é irrelevante. Eu presido quatro grandes processos criminais, jamais
vistos na história do tribunal. Eu não vou interrogar ninguém. Eu delego. Eu não
preciso interrogar. A lei me dá esse poder. Não é uma corte para resolver questões
pontuais. É um tribunal que julga casos com profunda repercussão na sociedade. Aqui
não se cuida do varejo. Já interroguei réus. Fui procurador da República por 19
anos. Minha especialização é direito público, mas isso é bobagem, não tem a menor
relevância.
FOLHA - Em que medida o foro privilegiado dificulta uma avaliação mais precisa do
Supremo?
BARBOSA - Eu acho o foro privilegiado nefasto. O foro privilegiado e outras medidas
são processos de racionalização da impunidade. Já disse e repito.
FOLHA - O Supremo é mais rigoroso para receber denúncias de crimes de colarinho
branco?
BARBOSA - O Supremo é bem mais rigoroso em matéria penal em geral. O tribunal tem a
tradição de mais rigor, nesses últimos anos. Vejamos o caso do mensalão. Com a
importância do STF, com o número de causas e problemas seríssimos que tem para
resolver, é racional que o tribunal gaste cinco dias inteiros só para julgar o
recebimento de uma denúncia? Com todas as dificuldades que o Brasil inteiro assistiu
ao vivo?
O recebimento de uma denúncia como aquela, no primeiro grau, seria um despacho de
duas páginas.

O Ministro Gilmar Ferreira Mendes e a questão fática articulada com a segurança jurídica

O Professor Daniel Giotti envia-nos essa notícia editada pelo Informe do STF de 22 de agosto de 2008 no qual aponta a visão do Ministro Gilmar Ferreira Mendes a respeito da questão fática e a interpretação constitucional. Destaque-se, ainda, uma visão peculirar sobre a segurança jurídica.
Gilmar Mendes fala sobre a importância da segurança jurídica no Estado de Direito
O presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Gilmar Mendes, disse nesta sexta-feira (22), durante palestra em Brasília, que a mudança de interpretação da lei é muitas vezes feita mais para a segurança jurídica do Estado de Direito do que propriamente por causa da coisa julgada, do ato jurídico perfeito ou do direito adquirido.
Durante o Fórum Brasileiro de Direito Constitucional, Mendes falou sobre o tema “Segurança jurídica e mudança jurisprudencial”. Segundo ele, as cortes constitucionais devem ter cautela ao mudar de entendimento sobre as normas constitucionais. “Não pode ser porque (a corte) amanheceu de bom ou mau humor. E ao mesmo tempo não se pode mudar sem avisar o que está fazendo, porque de alguma forma aquela interpretação é integrativa da própria norma e não há como fazer a separação entre elas”, avaliou.
O ministro ressaltou que o processo de mudança da interpretação da lei é extremamente complexo, e a corte constitucional deve estar atenta aos sinais de “alteração climática e de cenário”. Essas diferenças, de acordo com o presidente do STF, podem ser captadas de maneira técnica ou intuitiva. “É como um meteorologista que usa instrumentos ou olha para as nuvens”, comparou.
Ele disse que mudanças fáticas ou jurídicas levam a uma nova interpretação da lei. “Às vezes um novo contexto fático exige uma nova postura”, considerou. Como exemplo, o ministro citou os julgamentos sobre crimes hediondos e número de vereadores em câmaras municipais – que já tiveram interpretações distintas ao longo da história do STF.
Segurança jurídica
Gilmar Mendes definiu a segurança jurídica como conceito autônomo e transcendente, “que permite resolver problemas não solucionáveis no âmbito e na categoria dogmática do direito adquirido, como mudanças de estatutos jurídicos para os quais não se pode invocar o direito adquirido, mas sim a aplicação direta da segurança jurídica”.
Ele lembrou que um julgamento em que prevaleceu a tese da segurança jurídica acima do direito adquirido foi o da ação civil pública contra a contratação dos funcionários da Infraero, cuja ascensão ao cargo público se deu por concurso interno – ato vedado pela Constituição. O julgamento ocorreu 12 anos após a posse de alguns dos funcionários no cargo, tempo considerado grande demais para reverter a contratação, sob pena de comprometer a segurança jurídica do Estado de Direito

domingo, 24 de agosto de 2008

ADPF 54 e o instituto "amicus curiae"

O Professor Alexandre Garrido da Silva envia-nos matérias publicadas no jornal A Folha de São Paulo de 24 de agosto de 2008 sobre a audiência pública da ADPF 54 da anencefalica a começar no dia 26 de agosto de 2008 com previsão de três dias de duração.


Caso de anencéfala pode influenciar o STF sobre aborto
Supremo vai discutir a interrupção da gravidez em caso de feto sem cérebroHistória de bebê do interior de SP com anencefalia será usada como exemplo por grupos que defendem a proibição do aborto O caso de Marcela de Jesus Galante Ferreira, diagnosticada como anencéfala (ausência parcial ou total do cérebro) e que viveu quase dois anos, deve dominar o debate sobre o aborto em casos de anencefalia, que começa nesta semana no STF (Supremo Tribunal Federal).A menina, caso raro na medicina e que sobreviveu gr aças à intensa medicação, contrariou todos os prognósticos médicos- a grande maioria dos anencéfalos morre em até 72 horas após o nascimento- e se transformou em ícone de grupos antiaborto.São esses mesmos grupos que levarão ao STF, na terça-feira, a mãe de Marcela, a agricultora Cacilda Galante Ferreira. Ela diz que seu objetivo será ajudar a evitar "crimes" contra crianças como sua filha.Estima-se que a Justiça brasileira tenha permitido, nos últimos 15 anos, ao menos 5.000 abortos de fetos anencefálicos. Para obter a autorização, a mulher precisa apresentar, entre outros documentos, laudos médicos que atestem a doença. A OMS (Organização Mundial da Saúde) e as sociedades científicas internacionais consideram a anencefalia uma anomalia incompatível com a vida.Para a advogada Samantha Buglione, a sobrevida de Marcela poderá dificultar o julgamento no STF. "O debate vai ser mais intenso do que foi nas células-tronco. No caso da anencefalia, há um corpo biológico, um apelo visual muito grande. Por outro lado, não dá para esquecer de que se trata de um nível de anencefalia diferenciado. É uma exceção."A antropóloga Débora Diniz, que participará da última audiência pública no STF, prevista para o dia 1º, aposta que a excepcionalidade do caso não será levada em conta no julgamento. "A prática médica e nosso sistema judicial não se pautam em exceções."Em 2004, uma liminar do ministro do STF Marco Aurélio de Mello liberou a interrupção da gravidez nos casos de fetos anencéfalos, mas a decisão foi derrubada após quatro meses.

STF vai discutir o aborto de anencéfalos
Em sua terceira audiência pública da história, o Supremo debaterá pontos de vista religiosos e científicos acerca do temaCom base na discussão, o STF irá julgar, entre outubro e novembro deste ano, se o aborto de bebês sem cérebro será legalizado no país

Tão ou mais polêmico que o julgamento sobre pesquisas com células-tronco embrionárias, o STF (Supremo Tribunal Federal) começa nesta semana um novo debate, sobre a possibilidade da interrupção da gestação em casos de anencefalia, que novamente será definido pela visão de cada ministro que pertence à corte.Na próxima terça-feira, o Supremo realiza a terceira audiência pública de sua história, com três dias de duração, na qual serão apresentados os pontos de vista religiosos (dia 26), científicos (dia 28) e os da chamada sociedade civil (dia 1º) sobre o tema.O julgamento, por sua vez, deverá acontecer entre outubro e novembro deste ano, segundo o relator da ação proposta pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde (CNTS), ministro Marco Aurélio Mello. De acordo com ministros ouvidos pela Folha, seu teor será "muito parecido" com a discussão sobre a constitucionalidade das pesquisas com células-tronco.O que está em questão, dizem os ministros, é o mesmo princípio constitucional, o da dignidade da pessoa humana. Assim como naquele primeiro julgamento, a discussão gira em torno de um dilema central, que se resume ao seguinte questionamento: Existe vida humana ou ao menos o seu potencial num feto cujo cérebro não se desenvolveu?O julgamento e a audiência serão marcados pelo caso de Marcela de Jesus Galante Ferreira, diagnosticada ainda no útero da mãe, em 2006, como anencéfala. A previsão médica era a de que Marcela morreria antes do parto ou com poucos dias de vida. Ela, no entanto, sobreviveu quase dois anos.Existe no STF, segundo a Folha apurou, duas fortes tendências. De um lado, favoráveis à possibilidade do aborto, ficariam os ministros Marco Aurélio Mello, Carlos Ayres Britto, Celso de Mello e Joaquim Barbosa. Do outro, contra a interrupção, estariam Carlos Alberto Direito, Eros Grau, Ricardo Lewandowski e Cezar Peluso.O julgamento, portanto, seria decidido pelos votos de Ellen Gracie, Gilmar Mendes e Carmen Lúcia.Os quatro primeiros são contrários à influência religiosa no debate jurídico e defendem os argumentos apresentados pela CNTS, que não considera "aborto" a interrupção da gestação em caso de feto anencéfalo, já que não existiria o potencial da vida humana. De acordo com o advogado da confederação, Luís Roberto Barroso, a anencefalia é "um fato atípico"."No nosso ordenamento jurídico não há definição sobre o início da vida, mas já sobre o momento da morte, que é quando o cérebro para de funcionar", disse à Folha. "Então, se não há cérebro, não há vida. Se não há vida, não é aborto".Outro argumento que deverá ser apresentado é o fato de que, na época de elaboração do Código Penal brasileiro, não havia tecnologia para detecção de casos de anencefalia. Esse seria o motivo pelo qual o aborto é permitido apenas em casos de estupro e perigo de morte da mãe. Por último, os ministros também devem alegar que o princípio da dignidade humana deve ser aplicado só à mãe.Quando julgavam a viabilidade legal das pesquisas com células-tronco, o relator do tema, ministro Ayres Britto, chegou a extrapolar o tema em debate, abrindo caminho para a defesa de teses sobre a legalização do aborto. "A vida humana é revestida do atributo da personalidade civil, é um fenômeno que transcorre entre o nascimento com vida e a morte cerebral", disse na ocasião.Já em relação ao grupo contrário ao aborto em caso de anencefalia, não existe um consenso de teses que o levaria para o mesmo lado. Prevalece, por exemplo, no caso de Direito, a posição religiosa de que a vida humana começa desde sua concepção, tornando o aborto contrário ao direito à vida.No âmbito jurídico, porém, prevaleceria a tese de que o Supremo não pode criar uma nova legislação, não prevista no Código Penal brasileiro. A idéia não seria entrar no mérito da questão, mas afirmar que cabe ao Congresso, não ao STF, estabelecer a legalidade do aborto em caso de anencefalia."Existem duas hipóteses de aborto na lei. Não posso criar uma terceira", disse Eros Grau.

Debate vai reunir de religiosos a cientistas
Ministro do STF convidou 14 pessoas para audiência pública sobre aborto em caso de anencefalia, a partir de terça-feiraPara a CNBB, vida deve ser preservada qualquer que seja o estado de saúde da pessoa; deputado defende direito da mulher à escolha
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA DA REPORTAGEM LOCAL
O ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Marco Aurélio Mello convidou 14 pessoas, entre representantes religiosos, científicos e de ONGs, além de um deputado federal, para participar da audiência pública sobre aborto em caso de anencefalia, que terá início na próxima terça-feira.Serão 15 minutos para cada um dos pontos de vista. O debate começa na terça-feira, com as entidades religiosas CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil), Igreja Universal, Associação Nacional Pró-Vida e Pró-Família, e Católicas pelo Direito de Decidir (CDD).Na semana passada, a CNBB apresentou sua posição sobre o tema: "Para nós independentemente do estado de saúde, da durabilidade, a vida humana sempre será preservada."Maria José Rosado, presidente da CDD, diz que reafirmará na audiência pública a necessidade de um Estado laico. "A mulher deve ser respeitada na sua decisão de manter a gravidez mesmo quando não há vida após o nascimento ou de decidir interromper a gestação."Na quinta-feira seguinte, os ministros ouvirão os representantes científicos. Foram convidados o Conselho Federal de Medicina, a Federação Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia, as sociedades Clínica Brasileira de Medicina Fetal, Brasileira de Genética Clínica e Brasileira para o Progresso da Ciência, e, por último, o deputado José Pinotti (DEM-SP)."Sou favorável que a mulher possa optar pela continuidade da gravidez ou não", afirmou o parlamentar. "Acredito que o aborto significa a interrupção de uma potencialidade de vida. No caso do feto anencéfalo, não há essa potencialidade porque não há vida sem cérebro. Mas isso não é a minha preocupação. O que eu quero é que a mulher tenha essa opção."Os representantes da sociedade civil apresentam suas teses no dia 1º de setembro. Os convidados são: Anis (Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero), Adef (Associação de Desenvolvimento da Família), Escola de Gente e Rede Nacional Feminista de Saúde, Direitos Sexuais e Reprodutivos.


Agricultora teve de esperar 3 meses para fazer abort
No dia 20 de outubro de 2004, a agricultora Severina Maria Ferreira, à época com 26 anos, estava internada em um hospital de Recife (PE) para interromper a gestação de quatro meses de um bebê anencéfalo.No mesmo dia, o Supremo Tribunal Federal derrubou a liminar que permitia a antecipação do parto quando a anomalia da criança é incompatível com a vida, e Severina foi mandada de volta para casa."Quando eu me internei no hospital, o parto estava liberado. Eu ia tomar o remédio à noite para fazer [a interrupção] no dia seguinte. Aí chegou a notícia no jornal que não podia mais", lembra.Foram necessários mais três meses de idas e vindas até que Severina e seu marido Rosivaldo conseguissem a autorização judicial para o aborto. No hospital, ainda sofreram resistência de médicos anestesistas, contrários à prática. O bebê, um menino, nasceu morto.Severina conta que, quando soube que o bebê tinha anencefalia, decidiu imediatamente pela interrupção da gravidez. "O médico falou que o nenê ia nascer e morrer. Eu não queria passar por todo aquele sofrimento de carregar o nenê na barriga sabendo que ele não ia ficar comigo. Eu cheguei no sétimo mês [gestação]. Se tivesse sido liberado logo, não teria sofrido tanto."A agricultora diz que em nenhum momento se arrependeu da decisão. "Eu faria tudo de novo porque é um sofrimento muito grande para a gente. Eu espero que eles liberem logo [o aborto de anencéfalo] para que outras mulheres não sofram como eu."A história virou tema do documentário "Uma Vida Severina", que já ganhou 20 prêmios. Após quase quatro anos, Severina, diz que ainda sofre quando lembra de tudo o que passou. Ela deseja um outro filho -é mãe de Walmir, de sete anos-, mas confessa que tem evitado uma nova gravidez porque teme viver o "pesadelo" novamente.




Para favoráveis, aborto poupa mãe de se expor a risco de saúde

Como o feto sem cérebro não tem chance de sobrevivência fora do útero, é legítimo que a mãe possa optar por retirá-lo antes do fim da gestação, o que a pouparia de riscos à saúde e de sofrimento. Da mesma forma que deve ser respeitada a decisão da mulher que deseja levar a gravidez até o final.Esse é o principal argumento dos especialistas que vão defender no STF o direito à interrupção da gravidez de anencéfalos. Para o ginecologista Jorge Andalaft Neto, que representará a Febrasgo, a anencefalia traz riscos à saúde da gestante, especialmente pela razão de o feto não fazer a deglutição do líqüido amniótico."O líquido vai se armazenando na bolsa [amniótica], o útero fica grande e a mulher tem mais chances de desenvolver hipertensão, trombose venosa."O sofrimento psíquico também é grande, segundo o médico. "Nos serviços públicos, essa mulher fica ao lado de outras que estão amamentando seus bebês, enquanto que ela, com o peito cheio de leite, terá de providenciar o enterro do seu. É um sofrimento desnecessário." Ele diz que as mães de anencéfalos têm 30% a mais de chances de ter depressão pós-parto.O também ginecologista Thomaz Gollop, professor da USP e que falará em nome da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, explica que o feto anencéfalo não tem atividade cerebral. "O encefalograma é uma linha reta, portanto, está em morte cerebral."Sobre o caso da sobrevida de Marcela, Gollop defende que Marcela tinha tinha acrania -ausência total ou parcial do crânio com desenvolvimento completo mas anormal do encéfalo-, o que teria permitido sua maior sobrevivência.A antropóloga Débora Diniz, professora da Universidade de Brasília e que representará a Anis, afirma que as discussões devem ir além das "evidências irrefutáveis" de que a anencefalia é uma anomalia incompatível com a vida. "Nosso argumento é que a mulher deva ser protegida na sua escolha. A obrigatoriedade de ela fazer um itinerário de negociação da sua dor é uma absoluta tortura."




Para grupos contrários, vida tem de ser respeitada até o final

Os grupos contrários ao aborto de anencéfalo vão defender no STF uma posição semelhante à CNBB: a de que uma vida, mesmo que tenha duração curta, deva ser respeitada até o final."Somos totalmente contra o aborto, em qualquer ocasião. O aborto de fetos anencéfalos é a eutanásia pré-natal. Veja o caso da Marcela. Queriam matá-la antes do tempo", diz Humberto Leal Vieira, presidente da Associação Pró-Vida e Pró-Família.A bióloga Lenise Garcia, coordenadora do Movimento em Defesa da Vida - Brasil sem Aborto, diz que o caso de Marcela não é único. "Há muitos graus de anencefalia, e o exame intra-útero não dá para prever. O único jeito de conhecer a sobrevida de uma criança anencéfala é deixá-la sobreviver."Para o advogado Paulo Leão, procurador do Estado do Rio de Janeiro, o caso de Marcela é o exemplo de que a anencefalia não pode ser considerada incompatível com a vida. "A questão da inviabilidade é muito relativa. Essa anomalia tem uma variedade muito grande. É evidente que a mãe sofre, a gente não deseja isso para ninguém. Mas também não dá para dizer: não consigo superar isso, então, vamos matar logo."O obstetra Dernival Brandão, presidente da comissão de ética e cidadania da Academia Fluminense de Medicina, argumenta que a história de Marcela demonstrou que, desde que se tenha cuidados especiais, a sobrevida do bebê anencéfalo pode ir além das previsões."Costumam dizer de forma pejorativa que o bebê anencéfalo é um caixão ambulante. Ela nos ensinou que não se pode condenar um bebê na gestação pelo simples fato de ser doente. É um ser humano, tem características genéticas dos pais e como tal merece toda proteção. A dignidade do ser humano tem que ser respeitada."Obstetra há 50 anos, Brandão refuta os argumentos de que a anencefalia traz riscos à saúde da mãe. "O mais comum é haver o aumento do líquido amniótico, mas é só esvaziar. Qualquer gravidez implica riscos. "
Mulher que não abortou diz que faria tudo de novo
DA FOLHA RIBEIRÃO
Católica fervorosa, a agricultora Cacilda Galante Ferreira, 37, de Patrocínio Paulista (SP), disse que teria outro filho anencéfalo sem pensar duas vezes. "Faria tudo de novo. Não me arrependo de nada", afirmou à Folha a mãe da menina anencéfala Marcela de Jesus Galante Ferreira, que morreu no último dia 1º, com um ano e oito meses, contrariando todas as expectativas de médicos.Cacilda escolheu o nome da filha para homenagear o padre Marcelo Rossi, que ela sonha conhecer um dia.A mãe de Marcela viaja para Brasília na próxima terça-feira a convite de uma ONG (Organização Não-Governamental) do Rio. Cacilda disse que o objetivo de sua viagem é tentar ajudar a evitar "crimes" contra crianças como a sua filha.Cacilda ainda não sabe o que vai fazer exatamente em Brasília, mas disse estar preparada para contar como foram os 20 meses que passou com uma criança anencéfala. "Vou falar que minha experiência foi maravilhosa. Se fosse pra ter outra criança assim (anencéfala), eu aceitaria de coração. Não pensaria duas vezes."Ela rejeita o argumento de que uma criança anencéfala vive em estado vegetativo. "A Marcela tinha cócegas, ria, chorava quando eu não dava comida na hora", disse. Segundo a mãe, os momentos em que a menina mais ria era quando a levava para passear -normalmente na casa de vizinhos, padaria ou farmácia. "Ela adorava. Não queria nem voltar pro berço depois."Cacilda afirmou que era tão apegada à filha que, na primeira semana após a morte dela, continuou a arrumar o berço como se a menina fosse voltar. Porém, a mãe garante que não chorou a morte de Marcela "nem por um segundo". No velório da menina, Cacilda inverteu os papéis: era ela quem consolava as pessoas que iam lhe dar os pêsames. A explicação, segundo ela, é de que tinha a sensação de dever cumprido.


Pediatra diz que hoje não faria o aborto
Médica que cuidou de anencéfala diz que caso abre precedente e que impossibilidade de sobrevida "já não se confirma"Márcia Beani diz que não faz apologia para que mulheres evitem ou não interromper a gravidez em casos como o da menina Marcela
GEORGE ARAVANISDA FOLHA RIBEIRÃO
Acostumada a dar explicações apenas técnicas sobre o estado de saúde de Marcela de Jesus Galante Ferreira, a pediatra Márcia Beani, que cuidou da menina anencéfala durante os 20 meses de vida, acabou formando também uma opinião pessoal sobre o assunto."Eu não faria o aborto. Nunca tinha pensado nisso antes, mas hoje não faria", afirmou Beani. A médica, no entanto, não revela se é contra ou a favor da interrupção da gravidez em tais casos. "Eu não faço apologia para que as mães façam o que a Cacilda (Galante Ferreira, mãe de Marcela) fez, e nem para o aborto", disse.Para a médica, Marcela foi um presente. "Se algum dia aparecer outro caso, será outro presente. Ela me ajudou a crescer profissionalmente e pessoalmente", disse.Para Beani, o caso pode mudar os paradigmas a respeito da sobrevida em bebês com anencefalia. "O caso da Marcela abriu um precedente nunca visto. Ela teve a vida plena. Viveu com a mãe, trouxe alegria. Se você disser que uma criança anencéfala não tem condição de sobrevida, que é o que vemos em literatura, que vai ficar em estado vegetativo, isso já não se confirma", afirmou Beani.Segundo a médica, Marcela era uma criança tão ativa que chegou a arrancar, em três ocasiões, a sonda por meio da qual recebia alimentos.A surpresa com a resistência da menina fez Beani desistir das previsões de sobrevivência depois do primeiro mês de vida da anencéfala. Segundo a médica, cerca de metade dos fetos anencéfalos nem chegam a nascer e, dos que nascem, cerca de 95% vivem poucas horas.A pediatra criticou os médicos que, à distância, opinaram que Marcela não era anencéfala, e que, por isso, o caso da menina não poderia ser citado na condução do debate sobre a interrupção da gravidez. "É antiético. Não sei como uma pessoa que conhece de leitura um caso pode opinar sobre isso sem nunca ter visto a criança.




Mãe tentava dar à filha a rotina de um bebê comum
DA FOLHA RIBEIRÃO
Durante os cinco primeiros meses de vida, Marcela de Jesus Galante Ferreira viveu na Santa Casa de Patrocínio Paulista, onde nasceu em 20 de novembro de 2006, sem cérebro -tinha apenas o tronco cerebral (bulbo e medula). Começou a usar um capacete de oxigênio, para auxiliar na respiração (o mesmo que usou até o dia da morte). Com 71 dias, chegou mesmo a fazer esforço para levantar o corpo, segundo a pediatra Márcia Beani.Quando completou 90 dias, Marcela foi considerada pela Febrasgo (Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia) o bebê anencéfalo vivo mais longevo do país. Em 18 de abril de 2007, ela deixou o hospital no colo da mãe.Elas se mudaram para a casa da família no centro de Patrocínio Paulista, perto da Santa Casa. O pai de Marcela, Dionísio Ferreira, 47, e uma filha do casal continuaram no sítio da família, na zona rural.Lá, Cacilda tentava dar a Marcela a rotina de um bebê comum. A menina acordava por volta das 6h, quando a mãe a trocava e lhe dava leite (por meio da sonda). Às 7h, tomava banho e depois era levada para um banho de sol -no colo de Cacilda ou no carrinho. Às 10h, se alimentava de novo, de suco de frutas. Às 11h, tomava papinha, também por sonda. "Às vezes, ela ficava quase o dia todo sem o capacete", disse Cacilda.Por volta das 15h, a menina tomava mais um banho e ficava no colo da mãe por cerca de duas horas. Por volta das 17h, era trocada e recebia a janta -papa com legumes. Os horários de alimentação, segundo a mãe, tinham de ser rígidos, senão "ela chorava e gritava." Marcela dormia por volta das 19h30, no colo da mãe.Mas na manhã de 1º de agosto, a rotina de Marcela foi alterada. Ela vomitou por volta das 7h, depois de tomar leite, e ficou roxa. A mãe acionou, então, a Santa Casa e ela foi levada para a UTI (Unidade de Tratamento Intensivo) da Santa Casa de Franca. Marcela tinha aspirado o leite -a garota tinha uma fenda no céu da boca por causa da má-formação- e o líquido foi para os pulmões, o que causou pneumonia. À noite, ela teve parada cardiorrespiratória e morreu às 22h.

O STF e a reserva indígena Raposa/Serra do Sol em área contínua

O Professor Alexandre Garrido da Silva envia-nos para ser postado o debate promovido pela Folha de São Paulo na sua edição de 23 de agosto de 2008 a respeito da demarcação da reserva indígena Raposa/Serra do Sol em área contínua. Tal debate é importante porque o segundo semestre de 2008 será marcado por importantíssimas decisões pelo STF e entre essas, está óbviamente a postada abaixo. Para responder ao questionamente, encontramos os subsídios dos Professes Dalmo Dallari e Denis L. Rosenfield. O professor paulista de Teoria do Estado reforça muito a sua fundamentação no Texto. É relevante destacar, ainda, na matéria, a questão da conceituação de posse indigena.

TENDÊNCIAS/DEBATESO STF deve manter a demarcação da reserva indígena Raposa/Serra do Sol em área contínua? SIMDireitos constitucionais dos índios
DALMO DE ABREU DALLARIPARA OS índios brasileiros, a terra não é um valor econômico, mas um bem essencial para sua sobrevivência. Isso é muito diferente da concepção dos que invadem áreas indígenas visando aumentar o patrimônio sem pagar pelas terras de que se apossam ilegalmente, sem consideração de ordem ética e sem respeito pela vida e pela dignidade dos seres humanos que são os índios.Para indignação dos brasileiros que respeitam a Constituição e os princípios e as normas nela consagrados, autoridades públicas que deveriam ser um padrão de dignidade e honestidade acobertam e auxiliam os grileiros das terras indígenas, simulando preocupação com o Direito, a Justiça e a soberania nacional, mas, na realidade, colaborando para a espoliação do patrimônio público e a consumação de inconstitucionalidades.Foi com a colaboração de autoridades públicas que invasores de áreas indígenas criaram por lei estadual falsos municípios, sem existência legal, pois não foram cumpridas as exigências expressas no artigo 18 da Constituição para a criação de municípios.Uma vez mais o Supremo Tribunal Federal deverá tomar uma decisão em ação judicial movida com o propósito de anular a demarcação de área indígena feita com absoluta regularidade, apoiada em laudo antropológico e rigorosamente dentro da lei.Trata-se do caso da área indígena Raposa/Serra do Sol, vizinha ao Estado de Roraima, há séculos ocupada por etnias indígenas. A decisão que for tomada poderá ter o efeito gravíssimo de anular todas as demarcações de áreas indígenas feitas até hoje com rigor técnico e estrita obediência a regras constitucionais e legais.Se isso ocorrer, haverá muitos conflitos e as conseqüências poderão ser gravíssimas, dando margem à acusação, já feita anteriormente, de que, no Brasil, se pratica o genocídio indireto.Se o STF cumprir sua função de guarda da Constituição, isso será evitado.Antes de tudo, dispõe a Constituição, no artigo 20, inciso XI, que são bens da União "as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios". No artigo 231, são fixadas duas normas fundamentais relativamente a essas terras que são de propriedade da União.O parágrafo primeiro do artigo 231 deixa claro o sentido dessa ocupação: "São terras tradicionalmente ocupadas pelos índios as por eles habitadas em caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e as necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições". O parágrafo segundo dispõe: "As terras tradicionalmente ocupadas pelos índios destinam-se a sua posse permanente, cabendo-lhes o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes".Como fica mais do que óbvio, a ocupação indígena não se limita aos agrupamentos das habitações em que dormem, mas abrange toda a área onde os índios obtêm o indispensável para sua sobrevivência digna, colhendo os frutos da natureza, plantando, criando gado ou pescando, dependendo das condições de cada região.Além disso, é na área circundante às habitações que o índio identifica, colhe e utiliza plantas medicinais, bem como o material necessário à edificação das casas e à fabricação de roupas, utensílios, enfeites e objetos destinados aos seus rituais, como também suas armas. Ainda mais, é nesse espaço circundante que eles enterram os seus mortos, pelos quais têm grande respeito e veneração.Por tudo isso, a demarcação das terras indígenas é, necessariamente, de áreas contínuas, em rigorosa obediência à norma constitucional que define como indígenas todas as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios, não havendo um só caso de ocupação de "ilhas", deixando intervalos vagos, sem ocupação, entre um e outro espaço ocupado por aldeamentos.Assim sendo, é absurda e inconstitucional a pretensão de anular a demarcação de áreas contínuas, abrindo espaço para que aventureiros sem escrúpulos, agredindo a Constituição, criem barreiras entre as aldeias da mesma etnia.
DALMO DE ABREU DALLARI, 76, advogado, é professor emérito da Faculdade de Direito da USP (Universidade de São Paulo). Foi secretário de Negócios Jurídicos do município de São Paulo (gestão Luiza Erundina).Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.




TENDÊNCIAS/DEBATESO STF deve manter a demarcação da reserva indígena Raposa/Serra do Sol em área contínua? NÃOA Constituição violada
DENIS LERRER ROSENFIELDA CONSTITUIÇÃO não pode ficar à mercê de um Poder Executivo que, exorbitando de suas funções, se apropria de funções legislativas e mesmo jurídicas. O governo não legisla só por meio de medidas provisórias, mas o faz também por atos administrativos que incidem sobre a vida dos cidadãos e, mesmo, sobre princípios constitucionais.Atos administrativos, tais como decretos presidenciais, ministeriais, portarias, resoluções e instruções normativas, só seguem aparentemente a Constituição, introduzindo uma série de atos que alteram seu espírito, se não a sua própria letra. O governo age por meio de uma legislação infralegal, de caráter administrativo, que altera o ordenamento constitucional.A Funai, órgão do Ministério da Justiça, é uma das instâncias do Estado que estão exorbitando de suas funções, atribuindo-se papel legislativo, como se fossem espécie de instância máxima à qual os Poderes constituídos deveriam se curvar.Em seus processos administrativos de identificação, delimitação e demarcação que desembocarão em decretos presidenciais de homologação de terras indígenas, a Funai se dá ao luxo de não observar o direito ao contraditório nas etapas iniciais, numa espécie de jogo de cartas marcadas.As partes interessadas, salvo as escolhidas, não tiveram o direito de se manifestar. Índios que não concordavam com a demarcação não foram consultados. Produtores rurais tampouco o foram, como se o seu trabalho nada valesse. Entre os consultados, ressalte-se o Cimi (Conselho Indigenista Missionário) e entidades a ele vinculadas.Considerando que, por razões históricas, a questão indígena goza de simpatia na sociedade, a Funai age como se os Estados fossem entes que poderiam ser tutelados. O mesmo se pode dizer de municípios que poderiam sumir do mapa, ao completo arrepio da Constituição, por meros atos administrativos. Ademais, para a Funai, o direito de propriedade não teria nenhuma valia, embora seja constitucionalmente garantido.A demarcação da reserva Raposa/ Serra do Sol sofre de todos esses vícios, decorrentes da ação de um órgão estatal que, tomado pelo pecado da soberba, se coloca como se fosse um verdadeiro poder constituinte.Vale a pena ler os objetivos do Cimi: "Para o Cimi, o objetivo geral que se desdobra e se operacionaliza em múltiplos objetivos específicos é a vida dos povos indígenas, prefigurado na proposta evangélica do Reino de Deus. Essa vida, sistemicamente ameaçada, põe o Cimi no centro de conflitos que moldaram a sua missão profética. Esse papel profético leva o Cimi não só a denunciar abusos do sistema capitalista em sua configuração neoliberal, mas o obriga a propor rupturas com esse sistema. O horizonte do Reino de Deus deslegitima parcerias com o sistema capitalista e estimula firmar alianças com os construtores de uma nova sociedade".Ou seja, o discurso de ruptura com o capitalismo é norteador de suas ações, numa perspectiva que coloca o desrespeito ao direito de propriedade, ao Estado de Direito e ao pacto federativo como algo religiosamente justificado. O ordenamento constitucional seria mero detalhe a ser desconsiderado, já que o horizonte do "Reino de Deus" o deslegitima.O próprio laudo antropológico ora defende a demarcação descontínua, ora a contínua, além de variar, no transcurso do processo, em relação à própria área a ser demarcada.Em caso de todo o processo de demarcação da reserva indígena Raposa/Serra do Sol não ser considerado nulo pelos vícios administrativos dele decorrentes, a demarcação por ilhas seria ainda a melhor alternativa. Ela asseguraria a existência de municípios, uma franja altamente produtiva do Estado de Roraima, o direito de propriedade e a livre circulação de índios e não índios, numa região, aliás, de convívio até então harmônico entre diferentes raças e etnias.A Constituição brasileira não pode ser controlada administrativamente por um órgão do Poder Executivo federal e tutelada por uma ala radical da Igreja Católica.
DENIS LERRER ROSENFIELD, 57, doutor pela Universidade de Paris 1, é professor titular de filosofia da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul) e editor da revista "Filosofia Política". É autor de "Política e Liberdade em Hegel" (Ática, 1995), entre outros livros.Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.

A Súmula Vinculante nº 11 e o caso das algemas

No endereço http: //mpbertasso.wordpress.com/ (clique a direita na categoria constitucional onde aparecerá o caso das algemas) traz importante discussão a respeito dos desvios praticados pelo Supremo Tribunal Federal na aprovação de súmulas vinculantes. Assim, no caso emblemático das algemas, na Súmula nº 11 é a prova cabal desses descaminhos constitucionais exercidos pela nossa Corte Maior. Leiam e reflitam.

quinta-feira, 21 de agosto de 2008

Supremo estende repercussão para casos antigos

O jornal "Valor Econômico" na sua edição de 21 de agosto de 2008 informa os efeitos de repercussão geral aos casos antigos antes do dia 03 de maio de 2007.
Supremo estende repercussão para casos antigos

O ministro Cezar Peluso propôs na tarde de ontem uma questão de ordem ao pleno do Supremo Tribunal Federal (STF) para ampliar o alcance da repercussão geral para processos distribuídos aos ministros antes do dia 3 de maio de 2007, quando foi aprovada a regulamentação da regra no regimento interno do tribunal. Com isso, diz o ministro, os gabinetes poderão devolver à origem todos os casos com repercussão já distribuídos mas não julgados. O pleno aprovou a questão, vencido o ministro Marco Aurélio.
Segundo Peluso, a mudança apenas estende os efeitos da decisão tomada pelo pleno no dia 11 de junho deste ano, quando, em uma questão de ordem levada por Ricardo Lewandowski, os ministros entenderam que o Supremo poderia devolver aos tribunais locais todos os processos idênticos a casos com repercussão geral reconhecida. O problema, diz Peluso, é que a regra só se aplicava a recursos distribuídos aos ministros depois de 3 de maio, dia em que foi publicada a regulamentação da repercussão. Com a mudança, também serão devolvidos todos os casos distribuídos antes de 3 de maio, mas ainda não julgados. Como ainda não foram julgados, afirmou Peluso, a mudança "não fará diferença" para as partes.

O histórico da decisão do STF sobre o neopotismo

O jornal "Valor Econômico" na sua ediçao de 21 de agosto de 2008 estampa um histórico a respeito da decisão do STF sobre o nepotismo ocorrido na reunião do plenário de 20 de agosto de 2008. Nessa ocasião, houve divergência quanto a exceção se poderia haver nepotismo nos cargos políticos. Ficou pautado que caracterizaria nepotismo nesse citado se ocorresse cruzamento de favores, por exemplo, entre os poderes do estado. Outra divergência deu-se no tocante a redação da súmula vinculante nº 13. Pois, não houve consenso quanto a sua redação para incluir as exceções para o caso de cargos políticos e na definição de nepotismo. Assim, na reunião plenária do STF de 21 de agosto de 2008 deverá ser aprovada a redação final da referida súmula vinculante

STF dá fim ao nepotismo no país
BRASÍLIA - O Supremo Tribunal Federal (STF) aprovou na tarde de ontem a 13ª súmula vinculante da corte para vetar a prática de nepotismo em todo o poder público brasileiro - incluindo Executivo, Legislativo e Judiciário em qualquer unidade federativa do país. A súmula foi resultado do julgamento de um recurso do Ministério Público do Rio Grande do Norte que tentava impedir a contratação de parentes pela prefeitura do município de Água Nova. O texto final da súmula vinculante deverá ser apresentado no começo da sessão do pleno de hoje. A discussão sobre nepotismo ontem incluiu dois processos. No primeiro deles, os ministros confirmaram uma liminar concedida em fevereiro de 2006 para garantir a aplicação da Resolução nº 7 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), vetando a contratação de parentes no Poder Judiciário. Editada em 2005, a resolução encontrou resistência de alguns tribunais - em todo o país havia 2.700 contratações irregulares, segundo dados da época - e a Associação dos Magistrados do Brasil (AMB) ajuizou uma ação declaratória de constitucionalidade (ADC) no Supremo para garantir a aplicação da regra. A ADC nº 12 obteve uma liminar sob o entendimento de que não era necessário a edição de uma lei para proibir a contratação de parentes na administração pública. Segundo a decisão dos ministros, a própria Constituição Federal assegura os princípios da impessoalidade, moralidade e eficiência na condução da administração pública, o que impede a contratação de parentes para cargos em comissão. Com o resultado, os ministérios públicos de vários Estados começaram a procurar casos de nepotismo nos poderes locais para aplicar o mesmo princípio, pedindo nos tribunais a exoneração de parentes em cargos no Executivo e Legislativo estaduais e municipais. Um desses casos foi apreciado pelo Supremo na tarde de ontem, em uma ação que pedia a exoneração do secretário de saúde do município de Água Nova, parente de um vereador local, e do motorista da prefeitura, irmão do vice-prefeito. O tribunal local entendeu que as contratações não ofendiam a Constituição. O relator do caso, ministro Ricardo Lewandowski, pretendia afastar os dois funcionários, mas encontrou a resistência dos colegas no Supremo, que preferiam exonerar apenas o motorista. O primeiro a questionar a exoneração foi o ministro Marco Aurélio, afirmando que " não estenderia a decisão ao agente político " , poupando o secretário de saúde. Também ponderou que a indicação vinha do vereador, e não do prefeito. Lewandowski tentou argumentar que, no contexto, havia indícios " de toma lá, dá cá " na contratação e mais tarde apontou a existência de " relações promíscuas " em pequenas prefeituras. Os demais ministros seguiram a linha de Marco Aurélio e acabaram por convencer o próprio Lewandowski a mudar de lado, mas ele fez ainda uma ressalva: " a vedação do nepotismo exclui cargos políticos, a não ser que o caso concreto configure troca de favores " . O ministro Cezar Peluso seguiu a mesma linha: " se houvesse o ? favor cruzado ? , se o vereador nomeasse também um irmão do prefeito, haveria característica de nepotismo " . O presidente, Gilmar Mendes, apoiou a fórmula: " Temos uma tradição nacional e até internacional de irmãos que fazem uma carreira política paralela sem que haja qualquer conotação de nepotismo " , afirmou Gilmar, citando o exemplo de Bob Kennedy, irmão do ex-presidente americano John Kennedy e seu procurador-geral de Justiça. Os ministros, contudo, não entraram em acordo quando à redação da súmula vinculante apresentada pelo ministro Lewandowski logo após o julgamento. O texto era o seguinte: " A proibição do nepotismo, na administração direta e indireta, em qualquer dos poderes da União, Distrito Federal, Estados e municípios, independe de lei, decorrendo diretamente dos princípios contidos no artigo 37, caput, da Constituição Federal " . Alguns ministros queriam definir exatamente o que é nepotismo ou esclarecer a exceção para cargos políticos, o que adiou a votação. O pleno considerou a súmula aprovada, mas deve apresentar o texto final apenas hoje.
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quarta-feira, 20 de agosto de 2008

"Habeas Corpus" para a empresa?

O jornal "O Valor Economico" de sua edição de 20 de agosto de 2008 noticia que empresa não pode pedir "habeas corpus", segundo decisão da Primeira Turma do STF. Assim, foi definido ser impossível o ingresso por uma empresa de um "Habeas Corpus". Por três votos a um, os ministros negaram o pedido do Curtume campello tentando se livrar de uma ção movida pelo Ministério Público Federal contra seus diretores e contra a própria empresa. Sómente foi concedido "writ" para os diretores. O voto relator do Ministro Ricardo Lewandowski encaminhou-se pela concesseção do pedido. A Minitra Carmen Lúcia ponderou que o instrumento do "HC" é para pessoa física.A sessão presidida pelo Ministro Marco Aurélio indicou ser mais acertado a impetração de um mandado de segurança O advogado da citada empresa arguiu que há jurisprudência do STF a favor da concessão. Pois, trata-se de ações penais com consequências com punições pecuniárias. Mas falta a nosssa Corte Maior definir uma posição final quanto ao cabimento do "Habeas Corpus". No caso em tela, a Primeira Turma no tocante ao mérito admitiu não haver justa causa para a ação penal.

terça-feira, 19 de agosto de 2008

Os limites da análise quantitativa para compreender o papel do STF

O jornal Folha de São Paulo publica em 19 de agosto de 2008 texto do ex-Secretário da Reforma do Judiciário do Ministério da Justiça no segundo mandato do Governo Fernando Henrique Cardoso, Sérgio Renault. O articulista defende, positivamente, os efeitos institucionais materializados pela Emenda Constitucional nº 45/04 no sentido, por exemplo, de ter reduzido o número de processos no Supremo Tribunal Federal. Participamos do projeto Dossiê-Justiça (patrocinado pela Secretaria da Justiça do Ministério da Justiça tendo como parceiras a UFRJ e a Unb). Neste projeto, pauta-se por uma pespectiva política do acesso à justiça notadamente para compreender a atuação do STF. Dessa forma, não acreditamos na tese esposada na postagem abaixo que uma redução quantitativa assegurará à sociedade brasileira um concreto e efetivo acesso à justiça nos parâmetros de nossa Jurisdição Constitucional. Leiamos e reflitamos
A reforma chega ao Supremo

Razões históricas explicam o funcionamento do nosso sistema judicial incompatível com as necessidades da população
RAZÕES HISTÓRICAS explicam o funcionamento do nosso sistema judicial incompatível com as necessidades da população. A tradição patrimonialista do nosso desenvolvimento histórico e as injustiças sociais que nos envergonham não poderiam deixar de afetar a prestação dos serviços judiciais.Não seria razoável esperar que, num país em que a população não recebe serviços de qualidade de saúde e educação, a Justiça estivesse ao alcance e satisfazendo a todos.É óbvia a necessidade de ampliação da quantidade e qualidade dos serviços públicos no Brasil. Não é diferente no que diz respeito à prestação jurisdicional. Não se pode esperar que a solução do problema venha somente quando o país se tornar definitivamente justo e democrático. Enquanto isso não ocorre e não temos a Justiça dos nossos sonhos, algo há de ser feito, com as limitações que a complexidade do problema maior impõe.Não há dúvida de que a lentidão é um dos mais graves problemas da Justiça no Brasil. Uma de suas causas é o excesso de processos que se acumulam nos tribunais superiores. Os tribunais não podem processar a enorme quantidade de ações que a eles são direcionadas. As decisões que encerram as demandas não podem sempre ser tomadas pelos tribunais superiores, numa repetição irracional de julgamentos individuais. A adoção de meios alternativos para a solução de conflitos é um dos caminhos a serem perseguidos.A implementação de política de redução do número de processos deve levar em conta a necessidade de garantir o direito de defesa das pessoas e o atendimento do princípio segundo o qual as decisões podem sempre ser objeto de revisão superior. O sistema de recursos judiciais não existe para permitir a protelação sem fim dos processos na Justiça.Há que considerar ainda a concentração de processos envolvendo interesses das grandes corporações privadas e do setor público. A solução definitiva passa pela implementação de políticas de desestímulo de recurso ao Judiciário e de sua utilização predatória. Enquanto os nossos tribunais estiverem congestionados, não terão tempo adequado para tratar das questões relevantes nem lhes sobrará estrutura para se tornarem acessíveis a toda a população.É inegável que a emenda 45 e as leis processuais aprovadas após a sua promulgação em 2005 trouxeram modificações na estrutura do Judiciário. Essas alterações legislativas, aliadas às iniciativas de modernização e informatização da atividade jurisdicional, têm trazido benefícios para o Judiciário nas suas diversas estruturas.Recentemente, observamos avanços no Supremo Tribunal Federal.Balanço apresentado pelo presidente Gilmar Mendes demonstra a reversão de tendência histórica de crescimento anual do número de processos protocolados (20 mil em 1990, 50 mil em 2000 e 100 mil em 2007), sinalizando números mais aceitáveis em 2008: verificou-se neste primeiro semestre a redução de 39% do número de processos distribuídos entre os ministros e a queda em 10% da quantidade de ações ajuizadas diretamente no tribunal (comparação 2008/2007).Esses resultados são creditados à implementação de medidas administrativas e de instrumentos criados pela emenda 45, como a súmula vinculante (obrigatoriedade de que determinada orientação do STF seja seguida pelos juízes das instâncias inferiores) e a repercussão geral (mecanismo que exige a comprovação de que determinada ação envolva questão relevante para que seja apreciada pelo Supremo).Os efeitos da edição das primeiras dez súmulas e da aplicação da repercussão geral a 73 temas constitucionais já podem ser sentidos e apontam perspectivas auspiciosas.Alguns dos efeitos preconizados com a reforma começam a ser percebidos no STF e demonstram o acerto da percepção de que a emenda 45 significou o início de um processo que precisa ser continuado.Para isso, é necessário que todos os agentes do sistema do Judiciário, especialmente o Conselho Nacional de Justiça e as direções dos tribunais do país, enfrentem o problema com a prioridade que ele merece. O Supremo, que, historicamente, tem sido um fator de estabilidade institucional importante para o país, também nesse caso tem nos dado um belo exemplo.SÉRGIO RABELLO TAMM RENAULT , 49, advogado, foi secretário da Reforma do Judiciário do Ministério da Justiça (2003-2005) e subchefe para Assuntos Jurídicos da Casa Civil da Presidência da República (2005-2006).

O instituto do "amicus curiae" e o debate do amianto

O jornal "O Valor Econômico" de 18 de agosto de 2008 noticia que o Ministro Ayres de Britto, relator de ADi proposta pela Anamatra e pela Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho (ANPT) admitiu o ingresso do Instituto Brasileiro do Crisolia (IBC) como "amicus curiae" no processo. A ação proposta questiona a constitucionalidade do dispositivo de Lei Federal nº 9.055 de 1955 que regual a extinção e o uso do amianto criotila e de outras fibras. No seu despacho, o citado ministro referendou a representatividade e relevância dos interesses do IBC como justificativa para a inclusão como "amicus curiae". Tal fato, sublinhamos, reforça que, numa sociedade de risco (Ulrich Beck) como a nossa, a regulação de possíveis danos só poderá ser resolvida por meio de procedimentos democráticos como o referio pela ADi em curso. Pois, do contrário, estamos diante de um direito reflexivo, sem encaminhamento discursivo, não haverá uma pauta consensual para dirimi-lo. E qualquer decisão fora desse parâmetro, terá o custo político de sua fragilidade em termos de acatamento.

sábado, 16 de agosto de 2008

Resenha: Jueces y Democracia: una teoria de La prática constitucional norteamericana


A Revista Forense n. 397, ano 104, publica resenha organizada pelo Prof. José Ribas com alunos do mestrado da PUC-Rio do livro Jueces y Democracia: una teoria de la prática constitucional norteamericana, de Lawrence G. Sager, Professor da Univ. do Texas Austin, com tradução em língua espanhola pela Editora Marcial Pons em 2007 com a introdução do Professor Victor Ferreres Comellas.

Segundo o próprio organizador, o Professor Lawrence G. Sager defende um papel ampliado para o sistema do Judicial Review de modo a efetivar valores substantivos externos ao processo democrático. O processo judicial assegura o que citado professor norte-americano denomina de "igualdade deliberativa". É uma leitura básica para o momento vivenciado neste ano de 2008 pelo STF entre o ativismo judicial e o garantismo.

A Suprema Corte indiana e o seu ativismo judicial

O Professor Farlei Martins envia-nos para a postagem este informe do STF de 15 de agosto de 2008 sobre a Constituição indiana, sua Suprema Corte e o ativismo judicial.
Presidente da Suprema Corte indiana traça paralelo entre as Constituições do
Brasil e da Índia
O presidente da Suprema Corte da Índia, Konakuppakatil Gopinathan
Balakrishanan, disse hoje no Supremo Tribunal Federal que a constituição
indiana trouxe ao seu país uma verdadeira revolução social que protegeu,
pela primeira vez, as liberdades e os direitos individuais. Em visita ao
Supremo Tribunal Federal nesta sexta-feira (15), ele foi palestrante do
programa que comemora o Bicentenário do Judiciário Independente no Brasil.
Balakrishanan contou que a Constituição promulgada em 1950 fez a Índia
encarar seus problemas étnicos, econômicos e religiosos. A Carta foi
elaborada a partir de 1946 por uma assembléia constituinte basicamente
composta por membros da elite do país que, motivados pelo fim do
colonialismo inglês, tiveram interesse em lançar as bases de uma nação
democrática e moderna. "A tarefa deles foi libertar a Índia", contou. Por
causa disso, ao invés de castas, passou a valer a lei de "um homem, um voto,
um valor" para todos os cidadãos. "Antes da Constituição, o direito ao voto
era ligado à posse de terras e imóveis", explicou o presidente da Corte.
As mulheres também foram beneficiadas pela Lei Maior indiana, porque
ganharam ações afirmativas e garantias constitucionais de igualdade. Entre
os direitos fundamentais, estão ainda contemplados a educação gratuita até
os 14 anos de idade, a justiça nas relações de emprego e o fim da
discriminação.
Semelhanças
O presidente do judiciário indiano apontou as várias semelhanças e
diferenças dos dois países e frisou que não há leis nas duas Cartas que
contrastam ao ponto de impedir acordos bilaterais e a aproximação política
da Índia com o Brasil (num movimento diplomático e comercial intenso que vem
acontecendo nos últimos anos e envolve também a África do Sul).
Entre as semelhanças de competências das duas cortes, ele mencionou a
solução de disputas entre unidades da federação. "Como no Brasil, a Suprema
Corte resolve conflitos que dizem respeito ao direito à água, e questões de
fronteira ou geográficas, entre outros", declarou. Por outro lado, ao
identificar as diferenças de atuação dos dois tribunais, ele disse que o
indiano "acumula os poderes de exercitar a jurisdição constitucional e de
apelo", funções distribuídas no Brasil entre o Supremo e o Superior Tribunal
de Justiça.
Além disso, a Suprema Corte indiana tem poder para emendar a Constituição, o
que não acontece no Brasil. "Dessa forma todas as decisões da Corte constam
na Carta", esclareceu o presidente do judiciário indiano.
Ativismo
Ele frisou que o papel do tribunal também é de baixar normas
reconhecidamente administrativas que devem ser seguidas por todos.
Balakrishanan citou neste ativismo jurisdicional as leis contra a poluição
baixadas pela corte - que passou a obrigar o uso de filtros.
A ministra Ellen Gracie, que acompanhou a comitiva durante toda a visita,
disse que vivenciou, em visita à Índia, a discussão de uma dessas normas
ditadas pela Suprema Corte para a reforma do sistema prisional. Ellen
reconheceu ser um grande desafio saber até onde ir para não invadir a área
de atuação de outros poderes da República.
A palestra teve a participação do professor de Direito da Universidade de
Brasília (UnB) George Rodrigo Bandeira Galindo e do procurador Paulo Gustavo
Gonet Branco, da Procuradoria Regional da República (1ª Região). Os dois
ressaltaram a importância de a Índia e o Brasil terem sedimentado suas leis
nas declarações internacionais de direitos humanos.
"A Constituição indiana foi elaborada a partir de um tripé: revolução
social, democracia e unidade, assim como a nossa Carta, também elaborada
para dar um ponto final às várias desigualdades", resumiu Galindo.

Lançamento de livro: Soberania e Constituição


Soberania e Constituição

GILBERTO BERCOVICI Editora: Quartier Latin; Quanto: R$ 95 (384 págs.)


Voltado para uma crítica do constitucionalismo, conforme se lê do subtítulo, Bercovici enfoca as condições hoje vigentes entre alternativas de estados de exceção, cujos perigos destaca. A pesquisa bibliográfica é extensa e pertinente. São três partes bem caracterizadas, vindo na primeira (relações entre soberania e Constituição) a perspectiva histórica, em que assinala a tentativa permanente de exclusão do poder constituinte do povo. Dois capítulos compõem a segunda parte (desaguando no primado do Executivo com a expansão dos plenos poderes). Finalmente, vê a crise da ordem constitucional, com o estado de exceção e a garantia do capitalismo. A globalização amplia a utilização dos poderes de exceção econômicos.

Lançamento de livro: Direitos Sociais Fundamentais


Josué Mastrodi Neto, professor dos cursos de graduação em direito e relações internacionais das Faculdades de Campinas (FACAMP) e colaborador do blog, acaba de lançar o livro Direito Sociais Fundamentais. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris. (veja sumário).

O objetivo inicial do professor Josué Mastrodi era estudar in loco a própria dinâmica da concretização dos direitos sociais por meio de uma investigação das políticas públicas empreendidas no direito brasileiro. O núcleo central da tese defendia pelo autor é da urgência de superação da matriz liberal para uma matriz de natureza social, que constate e viabilize a mudança da ‘realidade material dos homens.

sexta-feira, 15 de agosto de 2008

Charge Angeli

Folha de São Paulo, 15.08.2008

Mais civilizado do que o juiz pensava

O Estado de São Paulo
Editorial
Sexta-Feira, 15 de Agosto de 2008

Mais civilizado do que o juiz pensava

A mais alta Corte de Justiça do País reagiu, prontamente, à verdadeira afronta que lhe fizera a Polícia Federal (PF), ao algemar, ao mesmo tempo, 32 presos na Operação Dupla Face, logo depois que o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, na semana passada, editar texto disciplinando o uso de algemas. É como se a corporação policial pretendesse exacerbar, deliberadamente, toda a "espetacularização" que lhe tem atribuído - e criticado - o presidente do Supremo, secundado pelo próprio presidente da República. No crescendo de sua descabida busca de autonomia e desprezando as reações aos excessos praticados em suas eficientes operações, a Polícia Federal já agia como se fora um Poder independente, quando encontrou na Justiça uma barreira efetiva a suas pretensões.

O Judiciário demonstrou, por decisão de sua instância maior, que em nome da Constituição e do Estado Democrático de Direito não tolerará, neste país, a reprodução de "polícias políticas" que vicejaram em ditaduras e totalitarismos do mundo contemporâneo, com suas estruturas burocráticas autônomas e rituais de intimidação acima das próprias funções. Assim é que, em tempo recorde, redigiu e aprovou uma Súmula Vinculante - que obriga, portanto, todas as instâncias judiciais - determinando punição severa para policiais que algemarem pessoas sem necessidade. A decisão reforçou o que a Suprema Corte já decidira, no julgamento que anulou a condenação do pedreiro Antonio Sergio da Silva a 13 anos e meio de reclusão, por homicídio, pelo fato de a "inexperiente" juíza - por curiosa coincidência filha do vice-presidente do Supremo - ter permitido que o réu permanecesse com algemas durante o julgamento, o que o tornava exposto ao júri "como se fosse uma fera".

A partir de agora só será lícito o uso de algemas em casos justificados e as justificativas devem ser feitas por escrito. Os casos previstos são a resistência do preso, o risco de sua fuga e o perigo que possa causar à integridade física, própria ou alheia. Se não for obedecida essa regra, poderá ser aplicada ao agente ou à autoridade que a desrespeitar uma punição severa, de natureza disciplinar, civil ou penal, assim como poderá ser anulada a prisão ou a ação processual, cabendo ainda responsabilização do Estado por eventual reparação. Pela rapidez e pela energia com que tais regras foram estabelecidas se percebe o quanto o Supremo Tribunal Federal se empenhou em deixar claras suas atribuições, perante a sociedade, num momento em que vinha sendo, sistematicamente, desafiado.

O superintendente da Polícia Federal em Mato Grosso afirmou que a decisão de usar algemas na Operação Dupla Face obedeceu ao manual da corporação. "O departamento é um órgão fundado nos pilares da hierarquia e da disciplina" - disse o delegado Oslaim Campos Santana. Nada contra "os pilares da hierarquia e da disciplina" - antes, pelo contrário. Só que, justamente, em razão de tais "pilares", o manual de procedimentos de uma corporação policial não pode estar acima do que deliberou a Suprema Corte - pouco antes de mais uma de suas espetaculosas operações.

Não foi sem razão, a propósito, que disse o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Cezar Britto: "É lamentável e muito perigoso o desrespeito da Polícia Federal ao mais importante tribunal de Justiça do País" (...) "Ao afirmar que portaria da polícia é mais importante que a Constituição, o delegado encarregado da operação presta um desserviço à Nação."

Em certo momento do depoimento que prestou à CPI dos Grampos o juiz Fausto Martin De Sanctis - responsável pelas autorizações dadas à Polícia Federal, na Operação Satiagraha, que deu origem a toda a celeuma PF versus STF - afirmou: "Temos que fazer uma lei adequada ao nosso país. Não adianta querer fazer lei de país civilizado, porque este país não é." Quer dizer, então, que para esse magistrado o Brasil tem que adotar um ordenamento jurídico primitivo, atrasado, porque a civilização - cremos que ele se refira à ocidental - ainda não chegou a estes tristes trópicos, como se ainda permanecêssemos em tabas indígenas?

Só que o Supremo mostrou que a coisa não é bem assim. No Brasil existe um ordenamento jurídico que o torna um país mais civilizado do que o juiz pensava.”