quinta-feira, 27 de dezembro de 2007

Denninger e Grimm e os impasses da teoria constitucional

O Editorial Trotta publica textos de autoria de Erhard Denninger e Dieter Grimm. O primeiro é datado de 2005. Enquanto o de Dieter Grimm foi editado na Alemanha em 2002. A obra recebeu o título de "Dereho Constitucional para la sociedad multicultural." Ignacio Guttiérres Guttiérres é que teve a responsabilidade da sua tradução. Denninger assinala que o Tribunal Constitucional alemão não haja deduzido a sua decisão, por exemplo, por uma dogmática de "uma ordem objetiva de valores" própria da Lei Fundamental de 1949. Tal encaminhamento era previsível nos anos cinquenta do século passado. Hoje a citada jurisdição constitucional está adotando uma solução "político-procedimental". Denninger pontua que há uma racionalidade no sentido da adequação de um fim, eficiência e objetividade, de um lado, e de "justiça" na perspectiva de equilibrio de interesses logrado com limpeza, atenção as minorias e orientação que faz o bem da generalidade, de outro, são dos pontos de vista, certamente complexos, "que orientam a conformaçaõ e a aplicação de um procedimento que há de procurar um máximo de aceitação por parte de todos os participantes no mesmo e, com esse direcionamento, uma máxima legitimidade." Dessa forma, a Justiça constitucional alemã efetivou procedimentos para a proteção e o desenvolvimento dos Direitos Fundamentais. Em diversos campos jurídicos, por exemplo, no Direito do Meio ambiente, igualmente no Direito da Energia Atômica, mas também no Direito da imprensa, da radiofusão ou da investigação cientifica, há sobressaído princípios para uma conformação de procedimentos decisórios que de um lado se adquem a matéria, mas que também pomovem o consenso e resultem favoráveis aos Direitos Fundamentais". Quanto ao texto de Grimm, caminha mais para a questão multicultural.A Lei Fundamental de 1949 não reconhece um Direito Fundamental a identidade grupal dos imigrantes, e tampouco protege expressamente as minorias culturais. O Direito Fundamental a liberdade de associação não pode incorporar tal função. O constitucionalista alemão defende, ainda, a política da integraçaõ distinta da assimilação no que não espera dos imigrantes um pleno ajuste aos valores e as formas de vida da sociedade de acolhimento". Grimm alerta para o fato de que recorrendo aos Direitos Fundamentais se possa solucionar, harmonicamente, o conjunto de conflitos religiosos e culturais. Em sintese, o pensamento dos dois constitucionalistas um (Denninger) pelos procedimentos pautados na racionalidade e temperada pela Justiça e o outro (Grimm) de um reconhecimento a certa limitação ao papel dos Direitos Fundamentais para compor as questões decorrentes do multiculturalismo demonstram um papel de permanente ajuste por parte da concepção e presença do texto constitucional.

sábado, 15 de dezembro de 2007

O olhar dos advogados a respeito da judicialização política

Nos meses de outubro e novembro de 2007, houve uma série de postagens no sentido de refletirmos sobre a judicialização da politica. Tal judicialização da política ficou patente nos julgados do Supremo Tribunal Federal a respeito dos mandados de injunção (MIs 670, 708 e, respectivamente, 712) do direito de greve dos servidores públicos e pelo caso da infidelidade partidáriva. Assim, houve a circulação nesse "blog", entre outras perspectivas de análise sobre essa postura "agressiva" de nossa Corte Maior, por exemplo, pelos cientistas politicos. Não desconhecemos, também, de integrar as "vozes" dos juízes a respeito do afastamento da vontade do legislador. É interessante, com base na leitura da matéria "Legislativo de Toga" de autoria de Marcelo Moutinho, publicado na "Tribuna do Advogado", ano XXXV, dezembro/2007, número 462, páginas 14 a 15, "o olhar do advogado". O autor parte de uma interpretação clássica e rígida do pensamento político de Montesquieu da separação de poderes. A publicação da Seccional da OAB-RJ procura incorporar ao debate segmentos da sociedade civil, do próprio Poder Legislativo e integrantes da direçao da citada entidade dos advogados. Assim, temos as explicações do cientista político Wanderley Guilherme dos Santos procurando estabelecer diferencial das decisões do STF. A referente ao direito de greve dos servidores públicos, assumindo uma cautela quanto ao espectro da judicialização da política, ressalta o mencionado cientista político decorreria, na verdade, de questão interpretativa necessária, aliás, a ser resolvida. Mesmo reconhecendo "o vagar do legislativo", Wanderley Guilherme dos Santos esclarece, ainda, que, muitas vezes, não é a "paralisia"devido as disputas internas. Pois, em realidade, há assuntos que o legislativo não pretende "tocar" como é o caso do aborto. Paradoxalmente, sublinha o cientista politico, ao não dar uma resposta já é uma reposta a uma demanda. O texto resenhado por nós incorpora a percepção de determinados parlamentares sobre a judicialização da politica por parte do STF. Lamenta-se, dessa forma, que parlamentares "procurem" o Poder Judiciário para resolver os seus conflitos politicos ou criticam a inércia do legislativo. Quanto aos quadros dirigentes da OAB-RJ, um dos seus representantes discorda "radicalmente da tese da judicialização". A postura da nossa Corte Maior resulta, nessa linha de raciocínio, de atribuições constituionais ou do próprio poder normativo inerente ao TSE. O texto de Marcelo Moutinho conclui-se com o diagnóstico contido na obra "Juízes e Democracia "do juiz francês Antoine Garapon (publicada pela Editora Revan) que constata "o enfraquecimento do estado e da própria política como fertilizantes da crescente influência da Justiça". Aponta, ainda, o autor que, para o futuro, não estariamos num ponto sem retorno dos balizamentos institucionais propostos por Montesquieu? Mas afinal, qual é "o olhar dos advogados", contidos nesta linha editorial do artigo examinado por nós? É de dar uma interpretação objetiva para a classe dos advogados fluminenses a respeito da judicialização politica ao "ouvir" as partes da sociedade civil e do Estado brasileiros envolvidos. Orienta, também, ao mesmo tempo uma perspectiva de cautela (Wanderley Guilherme dos Santos) e de uma crise natural do legislativo (os representantes parlamentares). Culmina com uma posição de setores da OAB-RJ que tal fenômeno politico institucional resultaria da natureza da autorização constitucional de competências para o Poder Judiciário. Universaliza a discussão ao incorporar o diagnóstico de Antoine Garapon. É importante ressaltar que o editorial de fim de ano da Presidência da OAB-RJ ao se despedir de 2007 está direcionado apenas a questão profissional. Assim, qual seria "o olhar' dos advogados? Questionamos outra vez. Cremos que, considerando os pontos elencados por nós e o próprio editorial mencionado, a OAB-RJ, seguindo Zagrebelsky, diante de uma sociedade altamente complexa, fragmentada e plural, tem de optar "por uma linguagem dita objetiva" para dar algum nível de resposta sobre o grave problema da judicialização da política entre nós.

sexta-feira, 14 de dezembro de 2007

A insegurança jurídica e o STJ

O jornal O Valor de de 14 a 16 de dezembro de 2007 traz importante matéria sob o título "Estudo aponta 34 divergências no STJ" e completa com uma importante entrevista do Ministro José Delgado alertando para a insegurança jurídica. O citado ministro do STJ apresenta uma experiência judicante de 12 anos sendo um dos mais antigos integrantes dessa corte. Ele é um dos principais críticos do "vaivém da jurisprudência". O centro do problema, segundo a entrevista, é a seção de Direito Tributário ao atingir, frontalmente, o princípio da segurança jurídica. Defende a imediata criação da competência constitucional do STJ. Pois, a limitação da competência do referido tribunal no balizamento infraconstitucional acaba por duplicar a função jurisdicional do STF mais tarde. Lembra que essa duplicidade de competência inexistia anterior a vigência da Constituição Federal de 1988. Cabia, nesse período, ao STF decidir tanto matérias constitucionais como as de carater infraconstitucional. Criou-se, após 1988, uma zona cinzenta nas questões tributárias na medida em que determinados casos são, formalmente, infraconstitucionais. Mas, na verdade, a sua matriz é constitucional. O Ministro José Delgado discorre sobre "a origem social da jurisprudência". A insegurança jurídica foi agravada na medida em que o STF consagrou a modulação. A nossa Corte Maior estaria "indo além" desse contexto da modulação. Defende, por consequência, o entrevistado do jornal O Valor a adoção do princípio da ponderação que seria uma homenagem à segurança juridica. Isto é, poderia ser respeitada a situação tributária já constituída. Diante desse quadro de possibilidade, ao termos a insegurança jurídica, de estar o Poder Judiciário causando prejuízo à sociedade, discutirmos ações de responsabilidade civil para efeitos indenizatórios em relação a constante mudança jurisprudencial. Cabe, assim, nessa nossa reflexão, questionar: as empresas podem promover ações de responsabilidade contra o Estado?

quarta-feira, 12 de dezembro de 2007

As diferenças da Reforma do Judiciário na França

Numa das postagens do mês de outubro de 2007, circulamos a informação divulgada pelo jornal francês Le Monde a respeito da Reforma do Judiciário na França sob a responsabilidade da Ministra da Justiça Rachida Dati. Trata-se de uma mudança inédita para o Judiciário francês pós a Constituição de 1958. Nesta citada postagem, lembravamos que a proposta de reconfigurar a Justiça na França apresentava uma resistência por parte dos conselhos regionais e do próprio poder local. Pois, o seu objetivo é "melhorar a qualidade da justiça", considerando "a realidade dos territórios" tendo como base a modernização e uma informatização da justiça. Vejam que a questão posta na França é em termos da distribuição da estrutura do Judiciário dentro de parâmetros territórios. A nossa primeira etapa de Reforma do Judiciário advinda sob o abrigo da Emenda nº 45/04 apresenta, vale ressaltar, como propósito o denominado "o acesso à justiça justo" e considerando uma Justiça de proximidade. O jornal Le Monde semanal de 24 de novembro de 2007 traz texto sob o título "Carta Judiciária. Uma reforma contestada ... e inacabada". Há uma página inteira trazendo o mapa do Judiciário francês pautado da seguinte forma: "A nova geografia dos tribunais". A citada publicação aponta: "A ministra orienta-se em direção a uma redefinição dos contenciosos: como é o caso do amianto, o direito de imprensa ou meio-ambiente, deveriam ser tratados pelas jurisdições especializadas. Inversamente os assuntos familiais poderiam fazer parte do contencioso da proximidade". Assim, o centro da mudança da cartografia do Judiciário francês, além da supressão de tribunais ou criação de uma outra estrutura, é o tema do contencioso. Neste aspecto, a nossa Reforma do Judiciário só tangenciou esse aspecto que foi, por exemplo, da ampliação das competências da Justiça Trabalhista. Entretanto, o mais importante da reconfiguração do Judiciário na França traduz-se nos procedimentos de instrução criminal de modo a evitar um poder absoluto do Juiz de Instrução. Lembra-se, asssim, do caso da denuncia de pedofilia do que se denominou do escandalo "Outreau". Neste caso, uma comunidade foi envolvida num tenebroso erro judiciário lembrando a nossa Escola Base na cidade de São Paulo. Institui-se, nesse sentido, a partir de março de 2008 as formações colegiais de dois juízes de instrução responsáveis por crimes e delitos mais graves ou mais complexos. A partir de 1º de janeiro de 2010, as formações colegiais de três juízes de instrução de todos os assuntos sbumetidos ao procedimento de instrução. Apesar das críticas e resistência à Reforma do Judiciário na França, sem dúvida nenhuma, não podemos deixar de comparar com a situação brasileira no momento do início da segunda etapa das mudanças deflagradas com a Emenda nº45/04.

segunda-feira, 10 de dezembro de 2007

O Republicanismo na concepção de Zagrebelsky

A análise sobre o pensamento político-constitucional do ex-Presidente do Tribunal Constitucional Italiano a respeito do tema dos efeitos da internacionalização da ordem jurídica sobre a jurisdição constitucional é de suma importância. Assim, por exemplo, no mês de outubro de 2007, tivemos a oportunidade de circular a repercussão desse debate na Corte Suprema americana. No citado mês, a Profa Toni Fine, conforme consta numa das postagens, da Fordhan University (Nova York) relatou em palestra no Rio de Janeiro os impasses da variável internacionalização nas decisões da Corte Suprema. Zagrebelsky propõe como saída para estabelecer um dialógo entre a ordem internacional e a jurisdição constitucional é a temática do republicanismo. Cabe deixar para a reflexão o que se entende pelo republicanismo. Para o constitucionalista italiano essa corrente de pensamento politico seria a deliberação da melhor decisão. Será que o republicanismo se reduz a essa vertente ou traduziria uma concepção de conflito? Dessa forma, o autor da obra El Derecho Ductil propugna pela "ponderação" e pelo equilibrio.

Zagrebelsky e Neoconstitucionalismo

Neoconstitucionalismo na concepção de Zagrebelsky
1. Importância do direito comparado

Na contemporaneidade podemos torna-se notória uma propensão ultra-nacional, quiçá universal das funções nacionais da justiça constitucional. Apesar do Estado Constitucional não coincidir em toda a parte, no entanto, há muita convergência prática no julgamento em matéria constitucional entre os países.
Zagrebelsky ressalta que nos últimos tempos o intercâmbio de experiências tem obtido foco justamente no direito constitucional devido à citação e utilização, por parte das cortes, de doutrina e jurisprudência estrangeiras[1].
São dois os extremos desta discussão: por um lado temos o artigo 39 da Constituição da República da África do Sul de 1996, segundo o qual, ao interpretar o rol de direitos , os tribunais “devem levar em consideração o direito internacional e podem levar em consideração o direito estrangeiro”. Em contrapartida, temos a idéia de quem defende a manutenção das características originais da Constituição sob pena desta se tornar parte de um constitucionalismo genérico sem fronteiras e sem características.
O significado da contestação de um nascente “cosmopolitismo judicial” está bem representado por um projeto de lei apresentado em 2004 nos EUA, intitulado Constitution Restoration Act. Tal projeto inibe os juizes de interpretarem a Constituição levando em consideração documentos distintos dos nacionais incluindo as decisões de Cortes Constitucionais ou Supremas de outros Estados e os tribunais internacionais de Direitos Humanos. Tal medida é defendida para a suposta manutenção da identidade da constituição nacional.
Na Europa tal fato não ocorre, pois, a comparação é considerada o quinto método de interpretação constitucional depois dos quatro de Savigny (métodos gramatical, histórico, sistemático e teleológico).
A doutrina do direito natural alega que existem princípios que devem necessariamente informar o direito positivo e tais são universais, pois devem ser encontrados tanto no próprio ordenamento quanto nos demais ordenamentos. O consenso seria, portanto, uma forma de legitimação e fundamentação de cada uma das decisões judiciais.
Exemplo de aspiração da universalidade são as normas que tipificam a dignidade e igualdade de todos os seres humanos e os direitos fundamentais. Sua interpretação não é a interpretação de um contrato, de uma decisão administrativa, ou de uma lei, tal interpretação constitucional é um ato de adesão ou de ruptura a tradições histórico-culturais compreensivas da qual as Constituições particulares fazem parte.
A relevância para a jurisprudência nacional da jurisprudência estrangeira ou supra-nacional é que estas são um plano de fundo que agregam um significado preciso do momento histórico pelo qual as Constituições nacionais estão passando.
O direito interno deve ser sempre priorizado em detrimento do direito estrangeiro mas como afirma Zagrebelsky, é como se recorrêssemos a um “amigo com grande experiência” que nos faz pensar melhor, que amplia as perspectivas e enriquece as argumentações. Ou seja, “o direito comparado me serve como um espelho: me permite observar-me e compreender-me melhor”[2].
Não há o menor prejuízo da soberania nacional, pois os juízos de homogeneidade e de congruência dos textos e dos contextos continuam sendo das Cortes nacionais. Portanto, as Cortes têm raízes que as assentam em condições político-constitucionais nacionais, no entanto, têm a cabeça sempre direcionada para princípios de alcance universal. Se manter na clausura nacional significa de acordo com o autor “ficarem predispostas a políticas constitucionais e de direitos humanos voltadas apenas aos interesse nacionais”[3].
2. Discricionariedade e Constituição viva
A comunicação entre jurisprudência pressupõe a existência, na interpretação, de uma margem de elasticidade, ou seja, de discricionariedade das cortes. A denominada constituição viva deve ser sensível as exigências constitucionais que mudam com o tempo.
A discricionariedade é um dado irrefutável. Zagrebelsky afirma que a melhor prova está nos projetos de reforma que tentam redefinir o papel das Cortes baseando-se na seguinte lógica: somos contra a discricionariedade, mas, como não a podemos eliminar, então ao menos que esta se oriente segundo as expectativas políticas, modificando com este objetivo os equilíbrios internos. Desse modo, se reforça o equívoco, golpeando a justiça constitucional em seu ponto essencial, a autonomia da política.
Tal alternativa não é uma questão entre constituição fixa e cristalizada e constituição viva e sim entre corte autônomas e cortes alinhadas com a política[4].
Uma característica não acidental da constituição é sua natureza principiológica, isto porque, os princípios são normas naturalmente abertas aos acontecimentos futuros. De acordo com Dworkin os princípios contêm conceitos (humanidade, dignidade, igualdade, liberdade e etc...) que vivem através de suas concepções mutantes com o tempo[5].
A Constituição, para o autor, não muda como uma lei qualquer nem prescreve em data determinada. Entre a geração constituinte e as gerações que a sucedem se institue uma relação como a que existe entre pais e seus filhos sucessores. Cada geração de herdeiros tenta melhorar e perpetuar a Constituição, e não deixar ao vento o legado recebido[6]. A lei da boa vida das constituições é seu desenrolar na continuidade. O instrumento normal para isto e a jurisprudência, o excepcional é a reforma.
De acordo com juiz Robert Jackson da U.S. Supreme Court no famoso caso do compulsory flag salute, West Virginia Board of Education versur Barnette, de 1943, a função da constituição é:
“O autêntico propósito de uma constituição é de subtrair certas matérias das vicissitudes das controvérsias políticas, colocá-las fora do alcance das maiorias e funcionários, sancioná-las como princípios legais aplicáveis por parte dos tribunais. O direito de cada um a vida, a liberdade, a propriedade, a liberdade de expressão, a liberdade de imprensa, a liberdade de culto e de reunião e os demais direitos fundamentais não podem ser submetidos ao voto; não dependem do êxito de alguma votação”[7].

A legislação é função sobre matéria que se vota enquanto que a justiça constitucional é função sobre matéria que não se vota, porque é res publica. A função da Corte Constitucional é inerente a forma republicana de Estado e não à democracia, daí tal distinção.
Portanto, nossos princípios constitucionais têm alcance universal e sua violação produz acima de tudo um julgamento moral em qualquer lugar da terra que aconteça. Para Zagrebelsky se não é uma forma institucional supranacional cosmopolita que está por vir ao menos existem contextos deliberativos comunicantes. A interação sempre levará a uma convergência de resultados.
Sendo assim, a abertura das jurisprudência a enlaces recíprocos não é uma moda nem uma pretensão de professores é uma exigência radicada na vocação contemporânea da justiça constitucional. É parte do processo de muitas facetas da “universalização do direito”, um fenômeno característico de nosso tempo jurídico[8].

[1] Zagrebelsky, Gustavo. Jueces Constitucionales in Teoria del neoconstitucionalismo (Edición de Miguel Carbonell). Madrid: Editorial Trotta, 2007, p. 92.
[2] Op. Cit., p. 94-95.
[3] Op. Cit., p. 95.
[4] Op. Cit., p. 97.
[5] Op. Cit., p. 98.
[6] Op. Cit., p. 99.
[7] Op. Cit., p. 101.
[8] Op. Cit., p. 103.

terça-feira, 4 de dezembro de 2007

Constituição: ordem marco ou ordem fundamental?

Um dos pontos centrais da teoria do direito constitucional – e da própria crise da constituição neste início de século – consiste na concepção de constituição que deve ser adotada pela doutrina e tribunais. Em outras palavras, a questão é definir se a constituição deve ser vista como uma ordem fundamental ou ordem marco.

A constituição como ordem jurídica fundamental é uma idéia cara aos juristas. Kägi (A constituição como ordenamento fundamental..., 1945) defendia que a constituição deveria ter caráter normativo e duradouro, rechaçando o seu contínuo “câmbio”. Para Kägi, “como ordenamento normativo legal, a constituição é o fundamento de toda a ordem jurídica estatal”, e sua estabilidade está relacionada com uma ordem de valores fundamentais da sociedade (“a norma estável é a expressão de um valor fundamental duradouro”). Na contínua tensão entre política e constituição, esta última deveria prevalecer. Kägi exerce influência sobre vários autores, entre os quais Garcia de Enterria (A constituição como norma..., 1981), para quem a constituição teria não somente uma “superlegalidade formal”, mas também uma “superlegalidade material”. Muito divulgada entre nós foi a concepção de constituição dirigente do “primeiro” Canotilho, que manteve seus seguidores mesmo após a revisão da tese pelo constitucionalista português. Eros Grau, em 2002, assim escreveu: “a Constituição do Brasil não é um mero 'instrumento de governo', enunciador de competências e regulador de processos, mas, além disso, enuncia diretrizes, fins e programas a serem realizados pelo Estado e pela sociedade. Não compreende tão-somente um 'estatuto jurídico do político', mas sim um plano global normativo da sociedade e, por isso mesmo, do Estado brasileiro”(Canotilho e a constituição dirigente, 2003).

Não obstante, teóricos como Bockenförde e Forsthoff defendem um maior espaço para o legislador e para o administrador na ordem jurídica. Na obra escrita durante a II Guerra Mundial (Tratado de direito administrativo), Forsthoff vê a constituição como algo, por sua natureza, permanente e estático, enquanto a administração significa atividade, movimento e câmbio. Isto seria explicado, segundo o autor alemão, pelo fato de “a matéria de que é feita a administração ser muito mais dúctil do que a da constituição”. E, mais tarde, ao comentar o estado social na Lei Fundamental, Forsthoff coloca que o estado social e estado de direito são diferentes e, em determinadas circunstâncias, antagônicos. Preocupado com a expansão da constituição sobre matérias que considerava próprias da administração e da legislação, Forsthoff afirma que “uma constituição não é uma lei social; ela se dirige à coletividade”, sendo “função do legislador concretizar a norma constitucional de tal modo que a sua execução seja possível com a aplicação mesma da lei assim elaborada”. Forsthoff critica a concepção da constituição como um “ovo jurídico originário”, do qual tudo surge, desde o Código Penal até a Lei sobre fabricação de termômetros. Semelhante crítica é feita por Bockenförde (Origem e câmbio do estado de direito, 1991), para quem a liberdade e a autonomia individuais estariam submetidas ao domínio daqueles que exercem o monopólio da interpretação das normas constitucionais, caso a constituição fosse considerada uma ordem fundamental de valores vinculantes de toda a ordem jurídica. Como questiona Bockenförde, “não se abriria então a porta para um totalitarismo constitucional”?

Embora sejam válidas as preocupações de Bockenförde, o fato é que as constituições pós-1945, e especialmente a Constituição brasileira contêm um amplo leque de disposições a respeito da administração e da regulamentação da vida pública e privada, invadindo espaços classicamente pertencentes ao legislador e ao administrador, bem como atribuindo extensas competências ao judiciário, as quais vêm sendo gradativamente expandidas nas últimas reformas constitucionais. Como acentua Zagrebelsky (Il diritto mite..., 1992), o novo constitucionalismo surgido no pós-guerra tornou necessária a concordância da antiga “face” do Direito – as regras jurídicas colocadas à disposição do legislador – com a outra “face” – a dos princípios contidos na Constituição. Com isto, alterou-se o papel da legislação e da jurisdição na determinação do Direito, deixando de haver entre ambas uma relação de hierarquia. O Estado-legislador, que durante um século foi considerado, na tradição européia, o depositário exclusivo de todo o poder de determinação do Direito, viu seu papel se redimensionar de “senhor do Direito” para apenas “senhor da Lei”. Também de acordo com Luis Pietro Sanchís (Neoconstitucionalismo y ponderación judicial, 2000), a idéia de princípios e o método de ponderação que aparecem indissociavelmente unidos “representam um risco para a democracia e para a supremacia do legislador, e, com isso, para a regra da maioria que é o fundamento da democracia”. Este, porém, segundo o próprio Sanchís, é um “risco inevitável” quando se quer manter uma versão “forte” de constitucionalismo, onde a própria Constituição estabelece diretamente alguns direitos e não simplesmente define “a regra do jogo”.

Mas é importante ressaltar que, longe de atribuir um caráter absoluto à constituição, Zagrebelsky, prega a coexistência de valores e princípios, sobre os quais a constituição deve se orientar para se manter compatível com a base material pluralística que lhe dá fundamento. Na “mitezza” constitucional, Zagrebelsky defende a coexistência do jurídico e do político na constituição, o que não deixa de ser uma idéia de ordem marco. Veja-se que o próprio Zagreblesky afirma que “à Lei deve se reconhecer um valor em si mesma”, com independência de seus conteúdos e de seus vínculos de derivação a partir dos preceitos constitucionais. O reconhecimento da legislação como função originária, para Zagrebelsky, depende necessariamente que a Constituição não seja concebida como um sistema fechado, mas sim como um contexto aberto de elementos cuja concretização, dentro de certos limites, seja deixada ao legislador.

Na mesma linha de Zagrebelsky, Alexy (Epílogo a la teoría de los derechos fundamentales, 2002) defende um modelo intermediário entre a ordem fundamental de Kägi e a ordem marco (de cunho liberal) de Bockenförde e Forsthoff. Para Alexy, a disjuntiva entre Estado jurisdicional e Estado de legislação tem paralelo com duas diferentes concepções de Constituição. A Constituição pode ser vista como uma ordem fundamental, se considerarmos nela incluídos todos os princípios jurídicos e possibilidades de configuração da ordem jurídica. Sob esta ótica, segundo Alexy, a Constituição seria equivalente ao “ovo jurídico originário” de Forsthoff, e o legislador estaria limitado a somente declarar – sob o controle do judiciário – o que já fora decidido pela Constituição. Esta concepção de Constituição certamente não seria compatível com o princípio democrático e o princípio da divisão dos poderes. Mas a Constituição também pode ser vista como uma ordem marco, em que existe um espaço no qual o legislador não está obrigado a agir nem proibido de agir; um espaço em que o legislador tem permissão para atuar ou para se omitir, ou seja, um espaço de discricionariedade. A metáfora do marco, conforme Alexy, pode ser precisada do seguinte modo: “o marco é o que está ordenado e proibido. O que se confia à discricionariedade do Legislador, ou seja, o que não está ordenado ou proibido, é o que se encontra no interior do marco”. A Constituição como ordem marco preserva margens de ação para o legislador que podem ser de dois tipos: estrutural e epistêmica. O que as normas da Constituição não ordenam nem proíbem se enquadra dentro da margem de ação estrutural do legislador, que, por sua vez, pode ser de três tipos: a margem para fixação de fins, a margem para a eleição de meios e a margem para a ponderação. Alexy também chama a atenção para a existência de margens epistêmicas, que aparecem “quando são incertos os conhecimentos acerca do que está ordenado, proibido ou confiado à discricionariedade do Legislador pelos direitos fundamentais”. A causa dessa incerteza pode residir tanto no conhecimento impreciso sobre as premissas empíricas quanto sobre as premissas normativas.

Alexy, enfim, propõe a compatibilização das idéias de ordem fundamental e ordem marco, distinguindo duas idéias de ordem fundamental: quantitativa e qualitativa. Na concepção de ordem fundamental quantitativa, a constituição não estabelece posições discricionárias, ou seja, para tudo prevê um mandado ou uma proibição. Já na concepção qualitativa de ordem fundamental, a constituição procura resolver os problemas fundamentais da sociedade que podem – e devem – ser solucionadas pela constituição, mas deixa muitas outras perguntas a serem respondidas no debate político. Esta última concepção, segundo Alexy, é compatível com a idéia de ordem marco.

Essa também é a leitura do último Canotilho (Direito constitucional..., 2001), que busca harmonizar a idéia da constituição como fundamento do ordenamento jurídico (Kägi) com uma leitura mais pluralística, caracterizando a constituição como ordem-quadro: “para ser uma ordem aberta a constituição terá de ser também uma ordem-quadro, uma ordem fundamental e não um código constitucional exaustivamente regulador”. Chegamos a semelhante conclusão ao analisar a revisão judicial das escolhas orçamentárias.

Resta então questionar como o nosso Supremo Tribunal Federal vê a constituição: uma ordem fundamental ou uma ordem marco? Esta pergunta merece certamente um post específico em nosso blog, mas é possível adiantar que a idéia de ordem fundamental parece avançar no STF, porém, paradoxalmente, não necessariamente para a extensão dos direitos fundamentais. Na década de 1990, assistimos em várias ocasiões ao STF reconhecer a precedência do legislador no desenvolvimento de certas normas constitucionais. Atualmente, o STF parece estar encontrando todas as respostas aos problemas da política no próprio texto constitucional, como no já famoso caso da fidelidade partidária.

sábado, 1 de dezembro de 2007

Instrumentos de análise para a Jurisdição Constitucional

O processso de adensamento da judicialização da política por parte do Supremo Tribunal Federal ocorrido no segundo semestre de 2007 foi estimulante no sentido de encontrarmos parâmetros da compreensão desse fenômeno político-institucional. Seria a Ciência Política a mais apta de atender a esse reclame de entendimento sobre a presente postura da nossa Corte Maior? Ou os juristas estariam melhores condições? Por parte da teoria política, encontramos o estudo de Andrei Koerner "Instituições, Decisão Judicial e Análise do Pensamento Jurídico: o debate norte-americano" in Revista Brasileira de Informação bibliográfica em Ciências Sociais nº 63, 1º semestre de 2007, páginas 61 a 87. O autor procede a todo um balanço das investigações empíricas sobre a Corte Suprema americana. Aponta para uma reflexão da necessidade de redefinir como o direito tem sido incorporado para a pesquisa empírica. Tal fato recomenda sermos criteriosos na escolha de modelos metodológicos. Ou a solução está como foi proposta por nós na obra Os Direitos á Honra e à imagem pelo Supremo Tribunal Federal (Laboratório de Análise JurisprudenciaL) (org. Fernanda Duarte e outros. Rio de Janeiro: Editora Renovar, 2006) no qual elaboramos com base em cortes analiticos de carater hermenêutico, republicano e processual para compreender as decisões judiciais do Supremo Tribunal Federal. Se a Ciência Politica encontra-se nesses limites da pesquisa empírica para aplica-la nos julgados como os da Corte Suprema americana, há outras formas de abordagens. A nossa teoria politica no mês de outubro de 2007 tem partido mais para o campo da propositura de uma reforma do papel da jurisdição constitucional. Não faltou aos nossos cientistas políticos de descreverem as decisões do Supremo Tribunal Federal como "arrogantes". No dia 30 de novembro de 2007, Wanderley Guilherme dos Santos concede uma entrevista ao jornal O Valor sob o título "Cientista político propõe reforma alternativa". O citado cientista político considera o Poder Judiciário "intransitivo". Propõe a possibilidade da responsabilização política dos Ministros da nossa Corte Maior (a título observação já há legislação a respeito do assunto datando de 1950). Indica que a indicação para o Supremo Tribunal Federal não deva recair exclusimente nos que são formados em Direito. Sublinha "não deve ser exclusivo de advogados" (lembramos que o Conselho Constitucional francês recentemente teve como um dos seus integrantes uma sociológa filha do pensador francês Raymond Aron sendo ela especialista em imigração e foi indicada pelo Presidente Jacques Chirac). Destaca, ainda, Wanderley Guilherme dos Santos a imperiosidade de subordinar o Poder Judiciário ao Legislativo. Gostaria de registrar para a reflexão se essa posição assumida por determinados cientistas políticos brasileiros não seria um meio, ao colocar o Judiciário dentro dos limites da politica, uma forma de eles sim terem de novo o monopólio de compreender as decisões judiciais? Se há esses impasses na Ciência Politica, qual seria a contribuição dos juristas. Merece atenção a do ex-Presidente do Tribunal Constitucional italiano Gustavo Zagrebelsky no seu texto publicado na obra Teoria del Neoconstitucionalismo (org Miguel Carbonell - Madrid: Editora Trotta, 2007, páginas 97 a 104) sob o título "Jueces Constitucionales". O constitucionalista mencionado está, vivamente, preocupado com o processo de aguçamento decorrente da existência das jurisdições constitucionais e internacionais. Zagrebelsky constata, assim, de defrontarmos hoje com a denominada questão universal. Na leitura de seu rico texto, ele indica como solução é de compreender a jurisdição constitucional notadamente nacional dentro de uma perspectiva "res publica" e com o carater de que o juiz não vota, sim "delibera" (a deliberação pública virtuosa). E complemente que sómente essa linha do dialógo entre as juridições nacionais e internacionais de forma moderada, equilibrada e plural que poderemos avançar em termos de efetivação de direitos. Na obra publicada pela Editora Renovar citada por nós (na qual tivemos participação), vale lembrar, mais uma vez, que lá está o corte do republicanismo para delimitar as decisões do STF. Não estariamos próximos da solução de Gustavo Zagrebelsky para compreender as jurisdições constitucionais? Mas, nesse ponto, deparamos. com um limite. Qual? Os julgados examinados por nós apresentam uma dificuldade de traduzir esse republicanismo tão desejado pelo nosso autor de El Derecho Ductil o que mostra uma limitação de sua abordagem. Mas quais seriam os instrumentos para compreender as juridisções constitucionais principalmente nesse momento histórico de judcialização da politica diante dos aspectos limitativos tanto das "falas" dos cientistas politicos quanto as dos juristas. Talvez, o recomendável está na obra em terceira edição sob a organização de Kermit L. Hall -The Oxford Guide to the Supreme Court -( New York: Oxford University Press, 2005). Isto é, traduz- se na consolidação de dados e conhecimentos sobre as Cortes constitucionais que teremos segurança metodológica para traçar a sua postura político-institucional.