quarta-feira, 31 de outubro de 2007

ADPFnº 77 MC/DF - seus fundamentos e os impasses do STF

No Inofrmativo do STF nº 485, consta a ADPF nº 77 MC/DF tendo a relatoria do Ministro Menezes Direito. Procedeu-se ao julgamento de medida cautelar em ADPF proposta pela Confederação Nacional do Sistema Financeiro - CONSIF - a respeito do artigo 38 da Lei nº 8.880/94, instituidora do Plano Real. O relator referendou a medida cautelar concedida pelo Ministor Sepulveda Pertence "ad referendum" do plenário. O Ministro Menezes Direito discorreu a respeito de todo contexo politico e social dos planos econômicos a respeito da tradição inflacionária. A discussão prendeu-se quanto ao problema do "trânsito" de uma moeda para a outra (a URV). Entre os aspectos de fundamentação, o citado ministro recorreu ao horizonte do Direito Natural para demonstrar que a regra de trânsito prevista para o Plano Real não fere "a natureza das coisas".É necessário refletirmos que, muitos desses julgamentos, credenciam a manutenção de um estado de exceção econômico. Outro ponto a ser destacado, foi o voto do Ministro Marco Aurélio que recebeu a referida ADPF como Ação Declaratória de Constitucionalidade. Pois, não teria, segundo esse voto mencionado havido uma "lesão a preceitos fundamentais".Houve o entendimento por parte do STF que a Emenda Constitucional nº 45 /04 alargou a legitimidade da propositura da ADC. Entretanto, não caberia no caso em tela a Ação Declaratória de Constitucionalidade porque a mudança do alargamento da legitimidade é posterior ao inícido da mencionada legislação disciplinadora da ADC (1994). O importante para a discussão que o STF até esse momento não definiu as balizas do alcance da categoria "preceitos fundamentais". Optou, no caso em tela, por uma saída meramente formal. O impasse continua. Quanto ao critério da subsidiariedade para a propositura da ADPF . o Ministro Gilmar Ferreira Mendes com base em precedentes assentou-se,fundamentalmente, mais uma vez, que esse balizamento "se dá entre processos de indole objetiva".

segunda-feira, 29 de outubro de 2007

Decisões do Bundesverfassungsgericht (TCFA) sobre direitos fundamentais

Decisões traduzidas para o inglês e comentadas pelos Professores da Universidade do Texas

1- BVerfGE 6, 32, Elfes-decision
http://www.utexas.edu/law/academics/centers/transnational/work_new/german/case.php?id=610
Freedom of movement. Refusal to issue a passport. Art, 1 III, 2 I, 11, 19 II GG

2 - BVerfGE 7, 198 – Lüth-decision
http://www.utexas.edu/law/academics/centers/transnational/work_new/german/case.php?id=1477
Doctrine of Drittwirkung. Freedom of expression. Possible clash between basic rights and private law§ 826 BGB Art. 1 III, 5 I, II GG

3 - BVerfGE 93, 1 1 BvR 1087/91 Kruzifix-decision "Crucifix Case (Classroom Crucifix Case)"
http://www.utexas.edu/law/academics/centers/transnational/work_new/german/case.php?id=615
Freedom of religion and the affixation of crosses or crucifixes in schoolrooms. Art. 4 I, 7 I GG

4 - BVerfGE 93, 266 - 312 I. Senate Soldiers-murderers 1 BvR 1476, 1980/91 and 102,221/92 – Soldaten sind Mörder - decision
http://www.utexas.edu/law/academics/centers/transnational/work_new/german/case.php?id=620
Statement that soldiers are murderers. Is the statement defamatory? Extent of protection given to speech § 185 StGB Art. 5 GG

5 - BVerfGE 34, 269 = NJW 1973, 1221. Federal Constitutional Court in Proceeding Concerning the Constitutional Complaint of Publishing Company "Die Welt" and Mr. K.-H. V. Case Soraya
http://www.utexas.edu/law/academics/centers/transnational/work_new/german/case.php?id=645
Fictitious interview in paper. Violation of personality rights. Claims for damages. §§ 249, 253, 847 BGB Art. 1 I, 2 I GG

6 - BVerfGE 55, 349 2 BvR 419/80 Hess-decision
http://www.utexas.edu/law/academics/centers/transnational/work_new/german/case.php?id=583

A internacionalização da Corte Suprema Americana

Segue abaixo a divulgação da palestra da Professora Toni Fine, Fordham University, localizada nos Estados Unidos a respeito da internacionalização dos fundamentos das decisões da Corte Suprema. Esta palestra ocorreu na Faculdade de Direito da UFRJ no dia 15 de outubro de 2007. A tradução do texto coube ao mestrando Marcello Guimarães do Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Gama Filho. É importante refletirmos se o "Judicial Review" nos Estados Unidos está sendo sacudido pela sua internacionalização, no caso brasileiro, sublinhamos mais uma vez, há presença da judicialização da politica. Contribua a respeito desse debate ao comentar esses dois temas.

Os Tribunais Norte-Americanos e a Legislação Estrangeira: O Novo Debate

II. Subsídios e Jurisprudência Relevante

Muitos países buscam a lei norte-americana e, em particular, as decisões da Suprema Corte dos Estados Unidos, para interpretar suas próprias leis. Os tribunais norte-americanos têm demonstrado certa relutância em buscar ajuda fora do país quando confrontados com questões que oferecem dificuldade na interpretação constitucional. Ainda assim, os tribunais norte-americanos têm sido mais lentos do que seus parceiros estrangeiros em reconhecer o valor de procurar além das fronteiras quando da interpretação da Constituição norte-americana.

Mas os três casos discutidos abaixo trouxeram este debate à baila...

Atkins versus Estado da Virgínia (2002)

O Tribunal, por maioria de votos de 6 a 3 entendeu que estas execuções eram proibidas, de acordo com a Constituição.

O Juiz Stevens escreveu o parecer da maioria no qual começou a estabelecer o entendimento moderno da jurisprudência da Oitava Emenda, observando que...

...“em meio à comunidade mundial, a imposição da pena de morte por crimes cometidos por infratores que sofrem de retardamento mental é desaprovada pela maioria.”

Duas opiniões discordantes foram registradas: Uma vinda do Ministro-Presidente do Supremo Tribunal Federal Rehnquist e outra do Juiz Scalia. O Ministro Rehnquist reprovou o Tribunal for sua referência ao parecer internacional, tal como o Juiz Scalia...

... “comunidade mundial” ‘ qualificando como irrelevantes as práticas da comunidade mundial cujas noções de Justiça são (graças a Deus) nem sempre aquelas de nossos cidadãos.”

Lawrence versus Texas (2003)

Em Lawrence versus Texas a polícia fez a prisão do Sr. Lawrence por este ter-se envolvido em ato sexual consentido na privacidade da residência do Sr. Lawrence, em violação às leis do estado do Texas. Ambos os réus contestaram a constitucionalidade da lei. A Suprema Corte resolveu este caso, que foi intensamente contestado, a favor dos requerentes, entendendo que o estatuto do Texas referente à sodomia violava os interesses referentes à liberdade e privacidade dos requerentes, de acordo com a cláusula sobre o devido processo contida na Décima-Quarta Emenda.

Um dos próprios itens da contenda em Lawrence versus Texas dizia respeito à questão se o Tribunal deveria rejeitar sua decisão em Bowes versus Hardwick (1986), uma questão em à qual a decisão da maioria, relatada pelo Juiz Kennedy, foi respondida de forma inequívoca, de forma afirmativa: “Bowers não estava correto quando se proferiu decisão sobre ele e não está correto hoje. O caso não deveria continuar como precedente vinculante. Bowers versus Hardwick deveria ter sido (então), e agora é, rejeitado.” Ao fazer desta forma, o Tribunal observou que algumas das premissas sobre as quais aquele precedente havia sido julgado estavam erradas – incluindo as “referências abrangentes feitas pelo Ministro Burger [em Bowers] ...

Em Roper versus Simmons o Tribunal voltou à questão se a Oitava Emenda proíbe a execução daqueles que tinham menos que dezoito anos de idade no momento em que o crime foi cometido. O Júri, por uma maioria estreita, sustentou que sim.

III – O Debate Maior Sobre o Uso de Precedentes Estrangeiros

O debate sobre a referência do Tribunal à fontes estrangeiras de legislação resultou em um fórum de debates bastante incomum entre o Juiz Breyer e o Juiz Scalia sobre o tópico, tendo incluído...

1. Alguns temas limítrofes

Para começar, é importante fazer algumas observações sobre a referência dos tribunais à pratica legal estrangeira. Primeiramente, ninguém sugeriu que qualquer autoridade legal estrangeira deveria vincular, em momento algum, os Tribunais norte-americanos. Pelo contrário, a referência à normas legais estrangeiras e internacionais simplesmente dá aos tribunais uma ferramenta adicional e potencialmente útil à medida que estes se esforçam por resolver temas complexos da lei constitucional. A Juíza Ruth Bader Ginsburg explica que “[i] de certa forma , usamos decisões estrangeiras ... como um ornamento. As decisões estrangeiras não vinculam nosso Juízo.”

... (decisões de tribunais em outras jurisdições ou em instâncias inferiores da hierarquia, artigos de revisão da legislação e livros, para citar alguns exemplos), aos quais os tribunais comuns frequentemente se referem, ao tomar decisões em caso onde não existe autoridade controladora. Com disse um autor, o entendimento da lei consuetudinária “é frequentemente baseado em analogias, dando à juristas e advogados a capacitação para examinar entendimentos conflitantes, separando o que for mais relevante e persuasivo.”

A revista Federalist número 63, por exemplo, sugere que esta foi uma prática desejável, assim como uma série de pareceres produzidos pelo Ministro John Marshall...

... os entendimentos de juristas de outros países fornecem mais uma fonte para embasamento de ponto de vista, que pode auxiliar julgadores norte-americanos que se deparem com assuntos espinhosos de interpretação constitucional. Em uma frase que já se tornou lendária, o Juiz Guido Calabrese do Tribunal de Recursos, Segunda Circunscrição, ao referir-se à prática dos tribunais norte-americanos de consultar decisões de tribunais constitucionais europeus, disse que “pais sábios não hesitam em aprender com seus filhos”.

aa) As interpretações dos juízes

O Juiz Stephen Breyer tem sido o mais proeminente e eloquente membro da Suprema Corte no apoio à busca de orientação fora do país. Ele disse, por exemplo:

O Juiz Breyer tem dito que, apesar do fato que leis estrangeiras jamais seriam vinculantes em um tribunal norte-americano, valia a pena examiná-las como pontos de referência. Juízes estrangeiros “têm problemas que, frequentemente, e cada vez mais, são semelhantes aos nossos”. Resumindo, o diálogo judicial trans-nacional permite uma fertilização cruzada de idéias, o que é saudável. Este entendimento tem sido compartilhado por diversos colegas seus na Suprema Corte em declarações de teor judicial e extrajudicial.

A Juíza Sandra Day O’Connor tem argumentado que “os juizes e advogados norte-americanos podem se beneficiar do alargamento de nossos horizontes”.

... E ela observou com aparente aprovação que “nossa mentalidade insular ou de cavaleiro solitário está começando a mudar”.

Mas agora que a lei constitucional está solidamente fundada em tantos países, está na hora dos tribunais norte-americanos começarem a buscar decisões proferidas por outros tribunais constitucionais para auxiliar sue próprio processo decisório.”

O Juiz Scalia, apesar de seus vigorosos protestos de repúdio, acabou, ele mesmo, invocando a lei australiana, canadense e inglesa em seu discordar no caso McIntyre versus Ohio Elections Commission.

bb)

Outros juristas famosos têm concordado que o exame de fontes legais estrangeiras e internacionais, na interpretação de questões constitucionais domésticas é útil e adequada. Patricia Wald, antiga juíza do Tribunal de Recursos norte-americano da circunscrição do Estado de Columbia e que mais tarde serviu como juíza no Tribunal Criminal Internacional para a antiga Iugoslávia disse: os cidadãos da maioria dos países têm aspirações comuns, um senso de dignidade e valor, e instituições e sentimentos referentes à Justiça. Porque haveríamos de, conscientemente, fechar a porta para juízes norte-americanos que examinassem a legislação destes países, à medida que esta afeta as necessidades humanas e dilemas básicos de seus cidadãos? Examinar os entendimentos estrangeiros para temas semelhantes, conforme argumenta a Juíza Diane P. Wood é simplesmente uma forma de “enriquecer a compreensão (dos tribunais) do tema.”

cc)

Estudiosos famosos da legislação também têm contribuído para o debate a favor da prática dos Tribunais de consulta à autoridades legais estrangeiras. O Professor Harold Koh, Titular da Faculdade de Direito da Universidade de Yale tem, de forma enfática e persuasiva, argumentado que a Suprema Corte examinou adequadamente fontes jurídicas estrangeiras em três situações. O Professor Sanford Levinson da Universidade do Texas concorda que é “simplesmente prática prudente adquirir conhecimento sobre estas experiências e aplicar as lições encontradas ali para dilemas comparáveis com os quais nos defrontamos nos Estados Unidos.”

A compreensão da prática jurídica estrangeira também pode lançar luz sobre as justificativas para ação governamental – sobre a qual a lei constitucional norte-americana frequentemente versa – e sobre as possíveis consequências de diferentes escolhas para a interpretação de nossas leis fundamentais.

b) A universalidade dos direitos humanos e das normas

A segunda linha de raciocínio argumenta que a interpretação das proteções e normas de direitos humanos envolve, necessariamente, uma investigação das práticas vigentes na comunidade democrática mundial. De fato, “direitos humanos” são assim chamados por conta da noção que agregam à todas as pessoas e não estão limitados a cidadãos de Estados específicos, um fenômeno que o Juiz Breyer chamou de “globalização” dos direitos humanos.

c) Questões pragmáticas sobre a liderança norte-americana na comunidade mundial

O Juiz Kennedy produziu um raciocínio pragmático, baseado nas relações internacionais, para referir-se às decisões estrangeiras, fazendo uma analogia à política do presidente George W. Bush de exportar liberdade: “Se estamos pedindo ao restante do mundo que adote nossa idéia de liberdade, parece-me que pode haver o exercício do mútuo aqui, que outras pessoas possam definir e interpretar a liberdade de forma que seja pelos menos instrutiva para nós.”

3. Os Argumentos Contrários à Referência à Legislação Estrangeira

Os críticos tem sido vigorosos na defesa de suas opiniões de que os tribunais norte-americanos não deveriam considerar leis estrangeiras ao exercitar a interpretação constitucional. Os três casos discutidos acima tem sido mencionados como “uma alarmante nova tendência” e um “movimento de placa tectônicas”, que “subverte por inteiro o conceito de soberania”, que ameaça “minar o respeito pela lei neste país” ...

a) O Excepcionalismo norte-americano

Os argumentos usados contra a prática de tribunais norte-americanos examinarem fontes legais estrangeiras contemplam um tema abrangente – a noção do excepcionalismo norte-americano. Um renomado professor do direito constitucional norte-americano disse que os Estados Unidos tem “uma tradição política marcadamente diferente” daquela de outros países incluindo aqueles da Europa ocidental. Um outro declarou que “[i] no constitucionalismo norte-americano supõe-se que a constituição norte-americana reflita nossos próprios compromissos legais e políticos fundamentais. Como declarou o Juiz Scalia em seu debate contra o Juiz Breyer, as leis estrangeiras são irrelevantes porque “não temos a mesma estrutura moral e legal do resto do mundo, e nunca tivemos.”

b) Os Outros Argumentos

Outros argumentos apontam que a visão de que a prática de considerar leis estrangeiras mina a soberania norte-americana é inconsistente com a interpretação originalista da constituição norte-americana e, de forma inadequada, expande a discriminação legal porque permite a juízes “escolher a dedo” as fontes que dêem base a resultados finais pré-determinados, ou favas contadas, e que os juízes não tem competência para avaliar e aplicar fontes judiciais estrangeiras.

V. Considerações Finais

Na verdade, a pena de morte e os direitos dos homossexuais estão entre os temas mais acaloradamente debatidos e que geram maior discórdia, que formam as “guerras culturais”, que estão no centro do debate político atual nos EUA.

O fato do Juiz Kennedy – que foi nomeado por Ronald Reagan – ter sido o autor nos casos Roper e Lawrence, parece ter esfregado sal nas feridas dos conservadores da cultura. Pedidos imediatos do seu impedimento foram feitos. O fundador e diretor do grupo Focus on Family (Foco na Família), um influente grupo evangélico, chamou Kennedy de “o homem mais perigoso dos Estados Unidos”. [reporta-se que a Juíza O’Connor (também nomeada por Ronald Reagan) e o Juiz Ginsburg receberam ameaças de morte por sua prática de citar jurisdições estrangeiras].

... especialmente com as recentes mudanças na composição da Suprema Corte. Durante sua sabatina para nomeação para um assento na Suprema Corte norte-americana, o agora Ministro John Roberts falou de forma ríspida e longa sobre sua discordância daqueles que se voltariam à fontes e autoridades legais estrangeiras, na interpretação de nossa constituição.

... a maioria dos juízes empossados expressou a opinião de que a referência à legislação estrangeira é aceitável. Mas esta maioria está encolhendo.

Pois não se esclareceu quais sejam os temas que os tribunais haveriam de considerar no exterior ao fazer interpretações constitucionais. A referência à lei estrangeira pode ser estendida à novas áreas, mas ainda não se sabe quais estas sejam, se as houver, para onde os tribunais haverão de estender suas referências a julgamentos legais estrangeiros.

Os juízes que tem apoiado a noção de buscar orientação em tribunais e normas legais estrangeiros parecem ter um entendimento intuitivo de que os tribunais com democracias constitucionais apresentam possíveis pontos de consulta. Mas a ausência de orientação clara no que toca a seleção de países, cujas leis merecem consulta levanta a possibilidade de efeito contrário.

... réus em ações criminais e direitos de aborto.

... e excluir outros da equação afasta este complexo fórum da perspectiva teórica.

O constitucionalismo em sociedade dividida e a Jurisdição Constitucional

O Texto abaixo foi traduzido pelo mestrando do Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Gama Filho Nestor Cezar. Trata-se do editorial do último número de outubro de 2007 da revista "International Journal of Constitucional Law" dedicada, a partir de estudos de caso de determinadas sociedades, como é possível efetivar a constituição em sociedades fragmentadas. O editorial serve como reflexão para a nossa estrutura social brasileira. É, assim, uma referência, também, pensar como é possível uma Jurisdição constitucional dentro dessas variáveis indicadas na citada publicação. A publicação pode ter acesso via Portal Capes - www.capes.gov.br



NOTA DO EDITOR

Constitucionalismo em sociedades divididas1


Como as comunidades políticas devem responder às oportunidades e desafios ocasionados por diferenças étnicas, lingüísticas, religiosas, e culturais, e assim, por meio dessas respostas, promoverem democracia, justiça social, paz, e estabilidade? Essa é uma das questões mais importantes e difíceis de política contemporânea. Mesmo o mais casual retrospecto da mídia popular enfatiza essa questão. Numa grande variação de exemplos, abarcando vários continentes, em ambos os mundos desenvolvido e em desenvolvimento – por exemplo, Irlanda do Norte, Bósnia Herzegovina, Kosovo, Chipre, Iraque, Afeganistão, Nigéria, Sudão, Índia, Sri Lanka, Indonésia, Nepal, Canadá, Espanha, e Bélgica, para citar apenas alguns – ela é de forma demonstrável a questão central da vida política.
Nesse simpósio, chamamos esses casos, coletivamente, de “sociedades divididas”. Como uma categoria de análise política e constitucional, esse termo não se refere apenas àquelas sociedades com diversidade étnica, lingüística, religiosa, ou cultural. O que particularmente identifica uma sociedade dividida é que essas diferenças são politicamente proeminentes – isto é, elas são marcadores persistentes da identidade política, e também, bases para a mobilização política. Reivindicações políticas são refratadas (mudam de direção) através da lente da identidade, e, portanto, o conflito político pode ser sinônimo de conflito entre grupos étnico-culturais.
Muito está em jogo no modo como as sociedades divididas respondem aos desafios ocasionados pela equação de identidade étnico-cultural e interesse político. As severas conseqüências de uma falha ao se tratar desses desafios de modo apropriado são bem conhecidas: discriminação e exclusão, guerra civil e limpeza étnica, assimilação forçada e, o pior, genocídio. Mas mesmo na ausência de violência, em estados onde o estado de direito e o respeito por direitos humanos fundamentais prevalecem – considere Espanha, Bélgica, e Canadá – o fracasso ao tratar desses desafios pode levar a

1. Os papers aqui contidos foram originalmente apresentados em um wokshop em Toronto em outubro de 2006 sob os auspícios de Ethnicity and Democratic Governance Major Collaborative Research Initiative (MCRI), um projeto interdisciplinar qüinqüenal financiado pelo Social Sciences and Humanities Research Council of Canadá. Uma seleção dos trabalhos (papers) da conferência aparece neste volume; tudo (o todo) aparecerá em um volume editado, Desenho Constitucional para Sociedades Divididas: Integração ou Acomodação? (Sujit Choudhry ed., Oxford Univ. Press 2008.

situações onde debates políticos comuns sobre questões rotineiras de políticas públicas
podem se transformar rapidamente em dramas políticos de respeito e reconhecimento.
A maneira como as sociedades divididas lidam com esses desafios é da mais alta importância prática. É também conceitualmente desafiante. Aqui o desenho constitucional carrega um fardo particularmente pesado. Numa sociedade dividida, dada uma história de conflito ou uma evidente falta de vivência compartilhada, a constituição é, freqüentemente, o principal veículo para se chegar a uma identidade política comum, o que, por sua vez, é necessário para fazer um regime constitucional funcionar. Embora a prática comparativa deva figurar centralmente em política constitucional, particularmente quando vêm à baila estabelecimentos de constituições, o direito constitucional comparado, como uma disciplina acadêmica, tem deixado bastante a desejar, com algumas honrosas exceções. O campo tem se concentrado, amplamente, em abordagens comparativas da proteção dos direitos humanos universais – a “revolução dos direitos”. Embora a proteção dos direitos humanos seja uma importante questão para política constitucional em sociedades divididas, está longe de ser a única na mesa. Para ser pertinente a outros problemas prementes do constitucionalismo moderno, o direito constitucional deve expandir sua agenda de discussões.
Este simpósio é um passo importante nessa direção. Por muitos anos, o estudo de sociedades divididas tem sido a preocupação fundamental da política comparada e da teoria política. Dessas disciplinas e suas respectivas bibliografias surgiram duas escolas de pensamento divergentes sobre o modo como o direito constitucional deve lidar com diferenças étnicas, lingüísticas, religiosas, e culturais por meio do desenho constitucional. Por um lado, os “acomodacionistas” defendem a necessidade de se reconhecer e institucionalizar as diferenças, as quais são assim permitidas; por outro lado, os “integracionistas” argumentam que tais práticas podem arraigar e exacerbar as mesmas divisões que elas são desenhadas para dar conta (administrar). Como uma alternativa, eles propõem uma série de estratégias que transcendem e anuviam ou eliminam as diferenças. Essa diferença fundamental em ponto de vista (perspectiva) se esgota (ou se desdobra) em opções competidoras junto de um número de diferentes dimensões de desenho constitucional. Essas várias áreas de interesse abrangem desde questões simbólicas, tais como a redação do preâmbulo (os considerando), à escolha de linguagens oficiais; à existência e caráter de limites (fronteiras, divisas) políticos internos; a natureza do sistema eleitoral usado para eleger a legislatura; o processo de seleção, composição, e poderes do executivo político (poder executivo), a burocracia, e o judiciário; as regras que regulamentam (regem) a formação dos partidos políticos; e a relação entre instituições religiosas e o estado.
Porque os estudiosos do direito até aqui não têm sido figuras centrais no debate entre “acomodacionistas” e “integracionistas”, este simpósio é interdisciplinar, apresentando contribuições dos principais doutrinadores do direito constitucional comparado e política comparada. Além disso, ele é organizado em função de uma série de estudos de casos: Canadá, Fiji, Indonésia, Iraque, Escócia (em sua relação com o Reino Unido), e África do Sul. O uso de exemplos concretos presta-se a importantes funções. Ajuda a esclarecer e aguçar nosso entendimento sobre debates às vezes abstratos entre “integracionistas” e “acomodacionistas”. Além disso, explorando como essas estratégias constitucionais competidoras desenvolvem-se na prática, é possível adquirir alguma compreensão dos custos e benefícios associados a cada uma. Finalmente, uma reflexão sustentada e teoricamente informada sobre prática constitucional pode nos forçar a reconsiderar a irrefutabilidade das próprias teorias. Como alguns dos trabalhos (papers) sugerem, a dicotomia entre acomodação e integração pode não ser variada o bastante para descrever de forma precisa a função dos dispositivos constitucionais existentes em sociedades divididas.
O simpósio busca trazer o debate relacionado a acomodação e integração para o diálogo contínuo da corrente de pensamento predominante do direito constitucional comparado. Espera-se que outros estudiosos continuem esta conversação.

Sujit Choudhry

domingo, 28 de outubro de 2007

ADI 2240/BA e a constituição empírica de Dieter Grimm

Na ADI 2240/BA proposta pelo Partido dos Trabalhadores contra a Lei n° 7.619/2000, do Estado da Bahia, que criou o Município de Luís Eduardo Magalhães, decorrente do desmembramento do Município de Barreiras/BA, tendo como fundamento da impugnação a inexistência da lei complementar federal exigida pelo art. 18, § 4º, da Constituição, com a redação determinada pela EC n° 15/96, o STF declarou a inconstitucionalidade da lei, sem pronúncia de sua nulidade pelo prazo de 24 meses, até que o legislador estadual estabeleça novo regramento.

O Relator, Ministro Eros Grau, ressaltou no seu voto a realidade fática subjacente à questão constitucional, demonstrando as conseqüências drásticas de uma eventual declaração de inconstitucionalidade da lei impugnada, tais como: a existência efetiva do Município como ente federativo dotado de autonomia há mais de seis anos; no seu território foram exercidos atos próprios ao ente federativo dotado de autonomia com a promulgação da sua lei orgânica; o Município legisla sobre assuntos de interesse local (até maio de 2.006, foram sancionadas mais de duzentas leis municipais); o Município elegeu seus Prefeito e Vice-Prefeito, bem assim seus Vereadores, em eleições realizadas pela Justiça Eleitoral; instituiu e arrecadou tributos de sua competência; prestou e está a prestar serviços públicos de interesse local; exerce poder de polícia; em seu território foram celebrados casamentos e registrados nascimentos e óbitos; o Município recebe recursos federais e estaduais e participa da arrecadação de tributos federais e estaduais. Em suma, o Município de Luís Eduardo Magalhães existe, de fato, como ente federativo dotado de autonomia municipal, a partir de uma decisão política. Esta realidade, segundo o Ministro Eros Grau não pode ser ignorada.

A referida decisão evidencia um processo que Dieter Grimm denomina de retorno da “constituição empírica”. Na obra Die Zukunft der Verfassung de 1991 (Constitucionalismo y derechos fundamentales, Editorial Trotta, 2006), Grimm afirma que o conceito de constituição foi inicialmente um conceito empírico que passou do âmbito da descrição da natureza ao da linguagem juridíco-político para designar a situação de um país, a forma que este foi configurado mediante as características de seu território e habitantes, sua evolução histórica e as relações de poder nele existentes, suas normas jurídicas e instituições políticas. Assim, com o esforço por limitar o poder do Estado em favor da liberdade dos súditos, que penetrou desde meados do século XVIII na doutrina do direito natural, se estreitou progressivamente o conceito de constituição, eliminando-se gradualmente os elementos não normativos até que a constituição apareceu unicamente como a situação determinada pelo direito público. Somente com as revoluções liberais do final do século XVIII, abolindo com a força decorrente da soberania hereditária e erigindo uma nova sobre a base da planificação racional e a determinação escrita do direito, se consumou a transição de um conceito de ser a um de dever ser. Desde então a constituição se identificou com o conjunto de normas que regula de modo fundamental a organização e o exercício do poder estatal, assim como as relações entre Estado e sociedade. Para Grimm esse sentido normativo do conceito de constituição tem prevalecido até hoje, ressaltando, contudo, que o antigo conceito empírico de modo algum restou obsoleto e ocorre regressar em forma de “fator interpretativo” quando a constituição jurídica não se impõe na realidade social ou produz efeitos distintos do esperado.

Segundo Grimm, a redução do conceito ao de lei fundamental não elimina a constituição material (empírica), que permanece presente nas realidades sociais em que se reconfigura o pode político. A constituição normativa encontra sempre uma constituição empírica prévia e deve se impor sobre ela. Em tais circunstancias a relação entre ambas, a pretensão jurídica e a acomodação dos fatos não é unidirecional, senão de ida e volta. Os objetos de regulação do direito constitucional têm sua própria dinâmica e consistência, que repercute, por sua vez, na compreensão e aplicação das normas constitucionais; ao revés, sua efetividade esta determinada pela circunstância de que operam no plano simbólico do direito. Daí que as constituições não podem mudar a realidade de forma imediata, senão apenas influir indiretamente. Influência que descansa na possibilidade de legalizar o ilegalizar as relações de poder existentes e, deste modo, fortalecê-las ou debilitá-las. A legalidade é em si mesma um fator de poder e quanto mais profundamente enraizada se encontra na sociedade, mais depende a aceitação das decisões políticas de sua conformidade com a constituição.

Em tais circunstâncias, a decisão proferida pelo STF na ADI 2240 revela o retorno da constituição empírica de que fala Grimm, notadamente como fator de interpretação e aplicação da norma constitucional, afastando, temporariamente, a constituição normativa.

A relação entre o Legislador e o Tribunal Constitucional Federal Alemão - buscando um equilibrio

O delineamento da análise do constitucionalista alemão Klaus Schalich é bastante oportuno. O citado jurista contribui para restabelecer uma compreensão entre o direito e a politica. Enquanto, no nosso presente debate a respeito da judicialização da política, os nossos cientistas politicos atuam com o objetivo de presernvar o papel do legislador, Schlaich caminha num espírito de alcançar um equilibrio. De um lado, adverte ao TCFA de atuar de modo mais limitado, para não encorajar os partidos de oposição, na perda da disputa politica, de baterem as portas do Verfassungsgericht. Tal fato, como lembra Werneck Vianna, aconteceu conosco na judicialização da politica dos anos 90 em que, com o alargamento da legitimidade de propositura de medidas de inconstitucionalidades,artigo 103 da CF de 88, os partidos de oposição recorreram de forma sistemàtica ao STF. De outro lado, Klaus Schlaich aconselha ao TCFA de agir com cautela. Aliás, essas lições de preservar uma competência funcional está presente nas lições abstraidas pelas decisões do TCFA sistematizadas por Konrad Hesse.

Judicialização da política na teoria constitucional alemã: o pensamento de Klaus Schlaich

O ativismo jurisdicional do STF que se manifesta em suas mais recentes decisões, reflexo de uma maior aproximação entre constituição e política, guarda estreita relação com o momento que passou o Tribunal Constitucional Federal da Alemanha na segunda metade do século passado, na afirmação de sua competência e legitimidade de suas decisões perante os outros poderes do Estado.

De um modo geral, a crítica ao ativismo jurisdicional é conduzida quase sempre em relação à distribuição de competências entre legislador democrático e os efeitos do controle de constitucionalidade por omissão, o que em última análise põe em evidencia o princípio da separação de poderes.

Em obra coletiva publicada em 1982, Cours Constitutionnelles Europeennes et Droits Fondamentaux, e organizada por Louis Favoreu, o Professor da Faculdade de Direito da Universidade de Bonn, Klaus Schlaich, afirma que um Tribunal Constitucional que tenha uma ampla competência quanto ao controle de normas não poderá escapar da crítica de que invade o campo da legislação. Para Schlaich duas questões parecem centrais nesse tema: a) um Tribunal Constitucional que se ocupa permanentemente do controle do legislador corre o risco de não se contentar com o controle da lei como resultado do procedimento legislativo, e incluir cada vez mais em seu exame o processo pelo qual o Parlamento prepara a decisão; b) cada vez em maior medida, a relação do Tribunal com o legislador é valorada em relação com a idéia de “compensação”.

Sobre a primeira questão, Schlaich pondera que o princípio deve ser que, por ocasião do controle de normas, o objeto do controle é essencialmente a lei enquanto resultado do procedimento parlamentar, e não a argumentação ou qualquer outro procedimento ou comportamento do legislador, ou segundo a situação dos participantes individuais no procedimento legislativo. Sobre esse fato, argumenta que é difícil para o Tribunal Constitucional constatar se o legislador se expressou de forma correta e não se pode extrair da Lei Fundamental de Bonn um dever geral em favor de uma metodologia ótima do legislador. Segundo Schlaich o titular de um mandato eletivo não é um funcionário; a legislação não é a administração. O controle de normas pelo Tribunal Constitucional não deve limitar o legislador até o ponto que reduza completamente as características próprias da atividade parlamentar. O procedimento parlamentar corresponde uma discussão aberta, e nesse caso, contraditória; corresponde uma abertura ao público, que às vezes implica revelações; corresponde ao contato com a opinião publica que pode degenerar em simples dependência.

Quanto ao segundo aspecto a ser considerado, Schlaich afirma que não se pode contestar o fato de que a transformação da lei, de regra geral e abstrata, expressão de uma idéia de justiça, em meio de organizar a sociedade segundo objetivos políticos; a grande necessidade de uma regulação jurídica nas sociedades industriais modernas cuja complexidade exige regulamentações amplas no campo econômico e social; as deficiências que oferece o procedimento parlamentar, além de outros fatores, fazem necessária uma compensação, uma substituição, uma correção, um alargamento, um contrapeso pelo direito pretoriano. Assim, a posição do Tribunal Constitucional em assumir a direção do Estado, contribui certamente para compensar a profunda falta de tradições democráticas e parlamentares na Alemanha. Sem embargo, por respeito à ordem constitucional de competências, o Tribunal não deve se contentar com a idéia de compensação. A compensação não cria a competência; cria uma competência de urgência cujo primeiro e permanente dever é fazê-la supérflua. Desse modo, um Tribunal Constitucional, inclinado a decidir os rumos políticos do Estado, pode precipitar ainda mais a fuga do legislador de suas responsabilidades. A compensação de funções parlamentares pode impedir a formação das capacidades parlamentares necessárias. Se uma decisão do Tribunal Constitucional praticamente retira do debate político as possibilidades de modificação dos grandes projetos legislativos, apreensíveis também de maneira plebiscitárias através das eleições, o resultado em grande medida é a perda de seu caráter decisivo. A oposição pode esperar fazer fracassar uma lei com a ajuda do Tribunal Constitucional, logrando com isso compensar sua posição minoritária no Parlamento, sem que esse nível de influência venha avaliado por um pronunciamento do eleitorado para constituí-la em maioria. A maioria eleita, por sua parte, com a declaração de inconstitucionalidade se vê liberada da responsabilidade das justificativas de suas leis, sem tornar-se intolerável para o eleitor.

Por fim, Schlaich faz a advertência que sua opinião não deve ser interpretada como uma recomendação ao Tribunal Constitucional para que adote uma “posição mais cautelosa” na constatação de inconstitucionalidade de uma lei, já que se trata no final das contas de uma interpretação da Constituição que incumbe ao Tribunal. Mas que o Tribunal mais amiúde ao decidir pela cassação das leis, faça o reenvio da lei ao legislador, e não utilize tão frequentemente das formas intermédias de decisão. Deste modo, o legislador seria mais claramente responsável de seus projetos de lei e o Tribunal se subtrairia o menos possível ao debate político.

A advertência final que Schlaich dirige ao Tribunal Constitucional alemão de adotar um "termo médio" nessa questão pode muito bem ser dirigida ao Supremo Tribunal Federal: “a idéia de compensar as deficiências do procedimento parlamentar mediante intervenções do Tribunal Constitucional pode ter como efeito que as deficiências sejam aceitas rapidamente como inevitáveis, e que cada dia se reforce mais. Isso é algo que o Tribunal deve evitar. Sem embargo, ao mesmo tempo não pode esquecer sua missão de dotar de plena eficácia a Constituição.”

sábado, 27 de outubro de 2007

A política de facção do Poder Judiciário


A política de facção do Poder Judiciário
Wanderley Guilherme dos Santos. Valor Econômico. São Paulo: Oct 26, 2007.

A resolução de conflitos por via judiciária antes que parlamentar constitui a essência do que vem sendo considerada a judicialização da política. Legítima área de investigação, requer, por completude, reflexão sobre seu complemento: a politização da Justiça. As dimensões jurídicas e políticas dos conflitos são entrelaçadas o suficiente para só permitir que se destaquem umas das outras para efeitos de análise, não de conseqüências. Forçar a mão equivaleria, em um atropelamento, imaginar que existam aspectos policiais irrelevantes em suas complicações médicas e vice-versa. Às vezes, um ato jurídico produz efeitos de potente trombada política, e não menos vice e versa.
A consagrada classificação sintática das políticas em distributivas, regulatórias e redistributivas ajuda, mediante conveniente tradução semântica, a revelar o denominador comum do jurídico e do político. Resoluções jurídicas e políticas distributivas são aquelas em que há alocação de bens sem exclusão ou extorsão de terceiros - a instalação de fontes de água saudável em diversos logradouros, por exemplo, não pressupõe o confisco sistemático dos recursos de nenhum grupo, nem a instalação em um logradouro exclui a possibilidade de repeti-la em outros. Regulatórias seriam as que alocam bens e valores sem retirá-los sistematicamente de ninguém, mas excluindo terceiros de seus benefícios; por exemplo, a concessão de licença para a prestação de serviço público, antes inexistente, não expropria nenhum segmento da atividade, mas exclui potenciais candidatos à prestação do mesmo serviço. Finalmente, decisões jurídicas e políticas redistributivas são reconhecidas por seu caráter expropriatório de recursos de algum grupo para alocá-los a outro, e com exclusão de terceiros; por exemplo, a criação de impostos específicos sobre algum tipo de transação, ou renda, destinada ao financiamento da educação pública. Não é fácil, em muitos casos, discriminar se a decisão jurídica não foi também um ato político e o mesmo se dá no caminho inverso.
Os profissionais costumam criar dialetos para diferenciar suas atividades. Com isso presumem estar fazendo algo substancialmente distinto, o que quase nunca é verdadeiro. Os politólogos, por exemplo, falam em "grupos de interesse" para designar sujeitos coletivos, assim tratados nos cartapácios jurídicos. Não é incomum que os dialetos escondam sub-reptícia captura de funções entre profissões ou instituições assemelhadas. A entrevista do ministro Gilmar Mendes ao Valor (18/10/2007, página A20), tratando da importante reforma em curso no sistema judiciário, pouco conhecida pelo público, traz um claro exemplo do fenômeno de apropriação substantiva por via de enriquecimento dialetal.
Segundo o ministro, o Supremo Tribunal Federal expede uma sentença de perfil aditivo quando decide regular uma matéria em que há vácuo legal, criando regras ou aplicando legislação similar até que uma lei seja criada. Teria sido o caso da imposição de fidelidade partidária, tal como entendida pelo STF. Ora, "sentença de perfil aditivo" quer dizer pura e simplesmente, no caso, definir uma legislação inédita sobre a vida política que, no Legislativo, seria tratada como novo artigo sobre a lei orgânica dos partidos, atribuindo ou não aos próprios partidos a liberdade de definir, para seu uso, o que consideraria a fidelidade. Com a "sentença de perfil aditivo" o Supremo substituiu-se politicamente ao Legislativo na pressuposição de estar somente agregando hermenêutica jurídica a um corpo preexistente.
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O extraordinário consenso exibido pela opinião impressa não corresponde ao que se passa na vida política real
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A tese do vácuo legal sobre a reforma política é unanimemente aceita por juristas, comentaristas e diversos líderes partidários. Fiquei espantado quando vi a indevida interferência do Judiciário defendida e, em conseqüência, apoiada por cientistas sociais profissionais, sob pretexto do vazio legal. É legítimo pretender uma reforma, mas de modo algum justificá-la por putativa existência de algum vácuo, jurídico, newtoniano, político ou saturnal, dada a pouca transparência do diagnóstico.
O trabalho dos parlamentos se inscreve em duas grandes áreas: as áreas de decisão e as áreas de não-decisão. Nenhum parlamento trata de tudo simultaneamente. As decisões efetivas, aprovando ou rejeitando algum projeto de lei, são de conhecimento direto, assim como direta pode ser a investigação sobre os motivos que as fizerem ser como são. Diferente é o que ocorre na área de não-decisão. No mínimo, há que se distinguir aquilo que não é decidido por indiferença do que não recebe legislação por ser precisamente esse o desejo do corpo parlamentar. Neste caso, há uma decisão implícita de manter o status quo, nenhuma indiferença. Exemplo clássico em diversos parlamentos, e também no brasileiro, é a ausência de legislação sobre reforma agrária. Entre 1950 e 1964 foram apresentados mais de 200 projetos de reforma agrária no Congresso e somente nos últimos dias do regime é que os parlamentares decidiram votar alguns deles. O resultado, aliás, foi negativo, não sendo aprovado nenhum dos projetos. Até então, não se poderia dizer que o Congresso era indiferente à matéria ou que existisse algum vácuo a sorvê-la. Simplesmente os parlamentares decidiram não tocar no assunto. A ecologia, ao contrário, foi durante décadas um tópico ausente do debate parlamentar por conta da indiferença dos legisladores. Não houve da parte deles, ao que eu saiba, nenhuma decisão positiva de não discuti-la.
Ora bem, com a reforma política trata-se de algo mais próximo da reforma agrária do que da ecologia. Os parlamentares não são indiferentes à matéria. O que, sim, ocorre, é que as sucessivas maiorias nas diversas legislaturas não foram convencidas por nenhuma proposta em circulação na sociedade. Decidir manter o status quo na ausência de consenso sobre que mudança promover está longe de configurar qualquer tipo de vácuo que autorize outro poder a ocupá-lo. Afirmar dogmaticamente que o Legislativo não age em matéria de reforma política por indiferença ou incompetência não enobrece a argumentação dos reformistas. Trata-se de atribuir caráter perverso a uma suposta inação pela capciosa razão de que a ação que desejariam não encontra apoio majoritário no Congresso. O extraordinário consenso exibido pela opinião impressa, sob cuja influência têm vivido os juízes, pois compartilham do mesmo sistema de crenças, não corresponde ao que se passa na vida política real do país.
Não é impossível que a opinião impressa mereça crédito quando se apresenta como intérprete da opinião pública, mas isso não está nem ficará provado enquanto as pesquisas de opinião se sustentem em questionários claramente enviesados. Segundo os perguntadores e analistas, não cabe dúvida de que o mundo inteiro clama pela reforma política no Brasil e a questão consistiria em afinar os detalhes, por um lado, e, por outro, extrair julgamentos condenatórios das instituições representativas por não se submeterem a tamanho anseio por mudanças. Argumento pífio. Com um bom questionário sou capaz de extrair da opinião pública até a condenação da Padroeira do Brasil sem, com isso, comprometer a fé católica de ninguém. Atenção: não estou atribuindo má-fé às pesquisas, mas sim que as premissas tomadas por axiomáticas e dão coerência aos questionários necessitam de comprovação mais segura do que imputar à totalidade da população a preferência institucional dos colunistas. Os instrumentos da democracia são, simultaneamente, delicados e poderosos. No momento, usa-se a sua força para estremecer os seus desvãos mais sofisticados. Não é boa política.

A Revolução Silencionsa no Supremo Tribunal Federal

Dentro da perspectiva de compreendermos a redefinição da Jurisdição Constitucional em nossos dias o Jornal O Valor no dia 18 de outubro de 2007 publicou essa entrevista abaixo com o Ministro Gilmar Ferreira Mendes sob o título "A Revolução Silenciosan no Supremo Tribunal Federal"
Valor Econômico
18/10/2007
Em 24 de março de 2004, antes mesmo da promulgação da Emenda
Constitucional nº 45, em 8 de dezembro, que implementou a reforma do Judiciário, uma
decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) chamou a atenção pelo seu ineditismo
jurídico -
a despeito da grande repercussão política do caso. Os ministros da corte entenderam
que era preciso limitar o número de vereadores das câmaras municipais a partir de um
critério de proporcionalidade. O julgamento foi provocado por uma ação do Ministério
Público contra o município de Mira Estrela, no interior de São Paulo, que havia
aprovado uma lei aumentando o
número de vereadores. O que estava em jogo era a interpretação da Constituição
Federal e de suas emendas - tradicional papel do Supremo. A inovação veio quando os
ministros decidiram fixar o critério de proporcionalidade a ser aplicado -
legislando, portanto, no vácuo legal - e definir que a regra
valeria a partir da próxima legislatura - fixando, assim, uma data para a validade
da decisão.
Estavam lançadas as bases para o início da aplicação de dois
dispositivos inéditos na mais alta corte do país - que mais tarde passaram a ser
chamados de "sentença de perfil aditivo" e "modulação de efeitos da decisão". Pela
sentença de perfil aditivo, o Supremo extrapola sua função de guardião da
Constituição para regulamentar dispositivos que nela ainda estão em aberto.Pela
modulação de efeitos, impede a retroação da decisão e um possível caos
jurídico-institucional que isto poderia causar.
Veio a reforma do Judiciário e os holofotes se voltaram a dois dos novos
dispositivos por ela criados: a súmula vinculante e o critério de repercussão geral,
que objetivam contribuir para que o Supremo se transforme em uma corte
verdadeiramente constitucional ao replicar suas decisões a processos
repetitivos, que se multiplicam aos milhares no Judiciário, e reduzir o número de
ações por ela julgadas.
Internamente, no entanto, uma revolução silenciosa começou a ser desenhada no
Supremo. Em casos de repercussão julgados no pleno, os ministros passaram a debater
a aplicação dos dois novos mecanismos, somados a outros que surgiram ao longo do
tempo (veja quadro acima). Em comum, eles têm o fato de garantir maior eficácia às
suas decisões, economia processual ao Judiciário e segurança jurídica às partes
diante das constantes alterações na jurisprudência. Em comum, eles têm também o
ministro Gilmar Mendes.
Autor ou co-autor da maioria das inovações em curso no Supremo - e defensor de todas
-, o mato-grossense Gilmar Ferreira Mendes é um estudioso do chamado "controle de
constitucionalidade" no direito comparado desde muito antes de
assumir o cargo de ministro da corte, em junho de 2002. É apontado como conservador
e governista, em parte por ter atuado junto à Presidência da República e à Casa
Civil nos anos 90 e de ter estado à frente da Advocacia-Geral da União (AGU) de 2000
a 2002. Mas também por levar em conta, em seus votos, os efeitos práticos das
decisões do Supremo, em especial nos casos que envolvem o governo. Em maio de 2008,
Gilmar Mendes, que concedeu a seguinte entrevista ao Valor, assume a presidência do
Supremo em substituição à ministra Ellen Gracie.
Valor: Há vários novos mecanismos em discussão ou adotados de forma inédita no
Supremo que podem ter impacto em termos de celeridade processual e efetividade das
decisões - impacto até maior do que a reforma do Judiciário. De onde surgiram estas
novidades?
Gilmar Mendes: Nós temos uma reengenharia institucional do Poder Judiciário que vem
se fazendo de forma complexa, também com um diálogo entre o legislador e o
Judiciário. A lei da ação direta de inconstitucionalidade (Adin) - a Lei
nº 9.868, que trata também da ação declaratória de constitucionalidade
(ADC) - produziu mecanismos bastante modernos no que concerne à prática de uma
jurisdição constitucional. Ela introduziu o artigo 27, que permite a modulação dos
efeitos de decisões judiciais e a possibilidade de haver audiências
públicas para que o tribunal se informe sobre os fatos legislativos - e isto já
ocorreu no caso do uso de células-tronco de embriões em pesquisas. E introduziu
também a possibilidade, até então vedada, de participação de
terceiros interessados - o chamado "amicus curiae" -, que vem dando uma coloração
bastante plural ao processo constitucional.
Valor: Estes dois mecanismos vêm sendo bastante usados?
Mendes: Vêm sendo muito usados e com reflexos inclusive nos
processos do chamado controle incidental de constitucionalidade (sobre um fato
concreto), e não apenas no controle abstrato (por uma ação própria, como a Adin). No
Supremo, ocorreu uma situação interessante. A primeira vez que a modulação de
efeitos foi usada, não se tratava de um processo em Adin. Foi o caso da redução do
número de vereadores nas câmaras municipais, em que o tribunal
entendeu que deveria estabelecer uma orientação no sentido de reduzir o número de
vereadores, mas que esta decisão impactaria as câmaras de forma bastante radical,
porque retiraria dois, três vereadores de uma câmara, com
conseqüências inclusive no processo legislativo e em discussões sobre se determinada
lei que foi votada com o auxílio daqueles vereadores seria válida ou não. Então o
tribunal optou por declarar a inconstitucionalidade no caso,
mas aplicá-la somente para a próxima legislatura, em função destes impactos. O
segundo caso em que a modulação foi aplicada foi o da progressão de regime de pena
em crime hediondo, quando a situação era outra: o tribunal havia
declarado a lei como constitucional. E agora, com uma nova composição, entendeu que
a lei é inconstitucional. Se o tribunal nada dissesse provavelmente teríamos um
número infindável de pleitos de caráter indenizatório: pessoas que diriam que
cumpriram pena em regime integralmente fechado porque não fora contemplada a
inconstitucionalidade da não-progressão de pena. Então optou por dizer que ele
estava certo à época em que declarou a lei constitucional, e que estava certo agora,
quando declarou a lei inconstitucional, e portanto não permitiu a retroação da
decisão.
Valor: Esta é uma questão bastante discutida na área tributária: a análise dos
efeitos das decisões pelo Supremo. Por que o tribunal começou, de repente, a pensar
nestes efeitos, buscando uma saída prática?
Mendes: Nós trabalhávamos com uma idéia básica, que é uma ficção, de muitos modelos
de jurisdição constitucional, de que a lei inconstitucional há de ser considerada
nula. Na prática sabemos que as coisas não se passam bem assim e que é muito difícil
fazer esta depuração total, que o próprio sistema cria
mecanismos de proteção dos atos já realizados, da coisa julgada, da prescrição e da
decadência, que surgem muito em matéria tributária. Portanto, a retroação nunca se
deu de forma absoluta. O tribunal está, portanto, obrigado a fazer
esta ponderação em vários casos. E em vários casos ela é fundamental, sob pena de
não se viabilizar sequer a declaração de inconstitucionalidade. Se se tiver que
provocar um caos jurídico ou uma hecatombe econômica, muito provavelmente
o tribunal poderia fingir que a lei é constitucional, porque não quer assumir as
conseqüências de uma decisão em sentido contrário. Se nós pensarmos isso em
perspectiva histórica, sana-se o problema para o futuro, ainda que contemple-se os
efeitos verificados no passado. Em questões tributárias, isto
ocorre no mundo todo. A amplitude da jurisdição constitucional brasileira - talvez a
mais ampla do mundo - com tantas possibilidades de provocação, torna quase
inevitável a modulação de efeitos, sob pena de a toda hora nós podermos
produzir impasses institucionais.
Valor: A modulação começou a ser usada recentemente. Ela está ligada à mudança de
composição do Supremo ou a uma evolução do tribunal no sentido de passar a pensar no
impacto de suas decisões?
Mendes: É preciso analisar o conjunto da obra. Já na constituinte de 1988
discutiu-se a introdução de um dispositivo semelhante ao do artigo 27 da lei da
Adin. Isto não ocorreu e o tribunal, depois disso, decidiu vários casos em
que contemplou os efeitos das decisões, mas acabou mantendo o princípio da nulidade.
Aí veio o artigo 27 da lei da Adin e, a partir daí, o tribunal passou a enfrentar os
vários casos. De um lado, a própria iniciativa legislativa contribui para esta nova
reflexão. De outro, a nova composição e o novo pensamento que passou a imperar no
tribunal, e esta noção específica de
responsabilidade institucional da corte quanto à eficácia de suas decisões. Declarar
que é constitucional a demissão de funcionário público sem concurso é fácil, mas
dizer que isto vai envolver a dispensa de centenas de servidores e
desestruturar o serviço público é muito mais difícil. Esta nova técnica da modulação
hoje está pacificada.
Valor: Foi pacificada no caso da fidelidade partidária?
Para que se profira a decisão de caráter cassatório, tem que se
produzir uma lei até que venha a futura"
Mendes: A fidelidade partidária é uma outra técnica que também o tribunal vem
desenvolvendo e que já se manifestou de alguma forma no julgamento iniciado da greve
dos servidores públicos e no caso dos vereadores, que eu tenho chamado de sentenças
de perfil aditivo - em que o tribunal rompe um pouco com a
postura que tradicionalmente chamávamos de legislador negativo e passa a ser também,
ainda que provisoriamente, um legislador positivo, permitindo uma regulação
provisória de uma dada situação que reclama disciplina normativa ou regulação. No
caso das câmaras, o tribunal, de alguma forma, já avançou para
este aspecto ao concitar o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) a fixar o número de
vereadores para a legislatura seguinte. E agora, no caso da fidelidade partidária,
não se limitou a fixar a fidelidade, mas criou um procedimento para sua aferição no
âmbito do TSE, indicando as bases deste procedimento. É uma típica sentença de
perfil aditivo.
Valor: É legislar?
Mendes: Ou regular, o nome que você queira dar.
Valor: Mas não está na competência do Supremo legislar, sua
competência é julgar. Por que o Judiciário está legislando?
Mendes: A gente não pode ver este tema por uma perspectiva isolada e nem fora do
contexto do direito comparado. Esta é uma prática hoje vigente na jurisdição
constitucional no mundo. Não se trata de uma invenção brasileira. É
uma tendência. Em geral estas atuações se dão em contextos de eventual faltas,
lacunas ou omissões do próprio legislador. Ou às vezes em um certo estado de
necessidade. A declaração de inconstitucionalidade reclama uma regulação provisória.
Para que se profira a decisão de caráter cassatório, tem que se
produzir também uma lei para que se faça a transição entre o passado e o presente e
regule o presente eventualmente, até que venha a legislação futura. Pode se
perguntar se esta atitude pode ser banalizada. Eu diria que não,mas é
um dado inevitável do novo contexto institucional que experimentamos.
Valor: Quando o sr. fala que é uma tendência no mundo, está se
referindo a que países? Que experiências existem neste sentido?
Mendes: O das cortes constitucionais alemã, italiana e espanhola. Os italianos
produziram ao longo do tempo essas chamadas sentenças atípicas, ou sentenças de
perfil manipulativo ou aditivo - como é a situação que o tribunal está a desenhar no
caso do julgamento sobre o direito de greve do servidor público, que é uma situação
muito específica. O que se tem hoje é a possibilidade de regular isto mandando
aplicar a lei de greve; uma omissão continuada do Poder
Legislativo; e a existência de greve, dentro de um quadro de lei da selva!
Este contexto tem levado o tribunal a fazer estas intervenções minimalistas.
Valor: Todas essas inovações no Supremo acompanham uma recente
alteração na jurisprudência da corte. O sr. diria que o tribunal era mais
conservador e hoje, com a nova composição, é mais liberal? Mudanças de
jurisprudência diante
de novas composições são comuns em outras cortes constitucionais?
Mendes: Tenho a impressão de que muitas questões já estavam em
curso. Não podemos esquecer que um voto vencido é um germe eventual de uma mudança
da jurisprudência. Também não podemos perder de vista que o modelo constitucional
brasileiro passou por uma verdadeira revolução sobre a Constituição de 1988.
Isto mudou o perfil do próprio processo constitucional como um todo e a corte foi
percebendo este novo contexto. A nova composição do Supremo acaba por concluir este
processo e a perceber a necessidade de introdução destas inovações. Hoje não conheço
nenhuma corte de perfil constitucional no mundo
que não pratique a modulação de efeitos. Nós éramos, até aqui, entre as jurisdições
constitucionais importantes, talvez o único tribunal que não a conhecia.
Valor: Muitas destas inovações foram levadas pelo sr. ao Supremo. Há um trabalho de
convencimento dos ministros para discuti-las?
Mendes: Não se trata de um trabalho pessoal ou individual. Há algum tempo estudo
este tema, antes mesmo de ser juiz da corte, onde passei a sustentar estas posições.
Mas houve também dificuldade no tribunal. A própria constitucionalidade da lei da
Adin teve parte de sua regulação questionada -
como o artigo 27, que o tribunal já vem aplicando, mas que tem uma argüição de
inconstitucionalidade pendente, da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Hoje se
percebe que isto é um instrumento universal, que interessa a todos. Por ironia, a
própria OAB pode vir a pedir a modulação no caso da Cofins dos
prestadores de serviço, o que mostra que tudo depende de como as pessoas estão no
filme. A modulação não é um instrumento de um dos lados da controvérsia, é um
instrumento universal da jurisdição constitucional. Acredito que hoje a nova
composição do Supremo é mais aberta a essas inovações menos formalistas.
Valor: Como no caso da adoção do efeito vinculante imediato, que o sr. sugeriu?
Mendes: Propus que nós encerrássemos esta fórmula vetusta, a meu ver, da suspensão
de execução da lei inconstitucional pelo Senado. No controle incidental, o Supremo
comunica a decisão ao Senado e o Senado suspende a parte considerada
inconstitucional da lei - e aí sim, a decisão passa a valer para todos. Esta foi uma
fórmula engenhosa adotada em 1934, mas que está totalmente ultrapassada no atual
contexto constitucional, em que uma cautelar em Adin tem eficácia "erga omnes"
(validade para todos) e uma decisão do pleno do Supremo,
às vezes por unanimidade, depois de anos de tramitação do recurso extraordinário e
do processo na Justiça, não tem. Sugeri que nós passássemos a adotar a idéia de que
ao Senado só cabe publicar a decisão, mas que ela valeria a partir da declaração de
inconstitucionalidade do Supremo.
Valor: O sr. assume a presidência do Supremo em maio do ano que vem.
Já tem alguma proposta de mudar regras internas?
Mendes: Já há vários estudos em andamento e uma reforma regimental já está sendo
discutida na gestão da ministra Ellen Gracie. Este é um processo que terá
continuidade.

Redefinindo a presença institucional da Jurisdição Constitucional

Devido a crise de legitimidade do Estado brasileiro, tendo como centro o Poder Legislativo, um fortalecimento do STF com os novos institutos estabelecidos pela Emenda Constitucional nº45/04 como o da sumula vinculante (Lei nº 11417/06) e da repercussão geral (Lei nº 11418) e a sua nova composição com os ministros nomeados peelo Governo Lula nos seus dois mandatos presidenciais, tal quadro tem favorecido, em destaque neste ano de 2007, um maior adensamento da judicialização da politica instrumentalizada por um novo formato de ativismo denominado por nós de jurisdicional. O ativismo jurisdicional pauta-se pelo alargamento dos poderes do próprio STF. Consideremos, por exemplo, o julgamento dos Mandados de Injunção números 670, 708 e 712 a respeito do direito de greve de servidores. Cremos que a resposta a esse respeito de não havido uma efetivação real do direito de greve dos servidores, sim a prevalência de uma atuação institucional do STF. Se em nosso contexto politico, estamos testemunhando esse grau intenso de judicialização da politica com esse ativismo juridicional, temos exemplos em outras sociedades haver um outro ritmo para as suas juridições constitucionais. A revista Time no seu último número de 22 de outubro de 2007 dedica-se numa matéria especial a respeito da trajetória da Corte Suprema americana nesses últimos cinquenta anos descrevendo cada perfil dos seus Chief Justice como Warren, Berger, Renhquist e Roberts. A revista descreve esses perfis desde de serem liberais, conservadores, pragmáticos e carismáticos. A cada Chief Justice a revista citada dedica uma análise das decisões importantes. A publicação norte-americana observa que a presidência de Roberts a frente da Corte Suprema ficará como a de ser rotulada de "should be". A matéria tem como título "Inside the incredibly shring role of the supreme court. And why John Roberts is o.k. with that. The Justices hevaen´t found much common ground - but that´s the dealock conservatism Roberts actually wants". El Pais traz uma matéria especial sobre o Tribunal Constitucional Espanhol - "La batalla politica sacude el Constitucional - de 7 de outubro de 2007. Os conservadores integrantes da referida jurisdição constitucional tentam impugnar a prorrogação do mandato da primeira mulher presidente a Profa Maria Emilia Gomes. A prorrogação de uma certa forma foi uma espécie de golpe de mão de setores progressitas da Corte Constitucional espanhola com o apoio provavel do Governo Zapatero. Esse "golpe de mão" é para que coincida o final do mandato prorrogado com a renovação do Tribunal Constitucional Espanhol de modo assegurar proximamente uma maioria mais avançada ideologicamente. A matéria traz um perfil de cada integrante da Corte Constitucional espanhola.

Executivo sem pressa

O dado preocupante da notícia abaixo: o Poder Executivo não tem mais "pressa" em enviar o projeto de lei ao Congresso. Ou seja, já que o STF aplicou por analogia a lei de greve do setor privado, a mora do Executivo fica "minimizada".

Governo avalia que STF acabou com 90% das greves do funcionalismo

Folha de São Paulo
27.10.2007

Planalto acha que corte do ponto inibirá paralisações e já não tem pressa para regulamentar o tema

O ministro Paulo Bernardo afirma que decisão é muito positiva e terá aplicação imediata assim que ela for publicada no "Diário Oficial"

JULIANNA SOFIAFERNANDO NAKAGAWADA
SUCURSAL DE BRASÍLIA

Com a decisão do STF (Supremo Tribunal Federal) de estender ao funcionalismo a Lei de Greve do setor privado, acabou a pressa do governo federal em enviar um projeto para o Congresso para regulamentar o direito de greve no serviço público. A Folha apurou que, na avaliação do Executivo, a aplicação da lei no setor público acabará com 90% das greves, já que as regras autorizam o corte do ponto dos grevistas.Hoje, esse é o principal problema do governo ao lidar com as paralisações. Embora uma portaria do Ministério do Planejamento estabeleça o desconto dos dias parados, os próprios gestores boicotam a determinação. Nos raros casos em que isso não acontece, os sindicatos obtêm na Justiça decisões impedindo o corte do ponto, uma vez que não há previsão legal para isso.O STF determinou que a Lei de Greve seja aplicada ao setor público porque, passados quase dez anos da promulgação da Constituição, o governo não regulamentou o dispositivo que trata das paralisações no serviço público. A decisão vale até que uma lei seja aprovada dispondo sobre o assunto.No Palácio do Planalto, o entendimento é que a extensão da lei ao funcionalismo colocou o governo em uma situação "cômoda". Como as regras são duras, agora passará a ser interesse dos servidores "correr" com a regulamentação do direito de greve no funcionalismo. Até então, os sindicatos vinham se recusando a tratar do assunto e criticavam a proposta elaborada pelo Executivo.Na última versão do projeto, o governo não só estabeleceu o corte do ponto, como abriu a porta para a contratação de servidores temporários para substituir os grevistas. Além disso, está previsto que pelo menos 40% dos serviços essenciais deveriam ser mantidos em funcionamento.Para levar o projeto adiante, o governo precisaria superar não só a oposição dos servidores como administrar problemas internos. Vários ministros -entre eles Carlos Lupi (Trabalho) e Luiz Dulci (Secretário Geral)- vinham minando a proposta e defendiam ampliar os debates sobre o assunto. No Congresso, a própria base governista, principalmente o PT, tem restrição ao projeto.O ministro Paulo Bernardo (Planejamento) disse que a decisão do STF é muito positiva e terá aplicação imediata, assim que for publicada no "Diário Oficial". Ele já pediu à AGU (Advocacia Geral da União) um parecer orientando o ministério sobre a aplicação das regras. "Deveremos ter uma audiência com o presidente Lula para fazer uma avaliação conjunta do assunto", disse o ministro.Já o ministro Luiz Marinho (Previdência), mais sintonizado com o movimento sindical, afirma que os ministros do Supremo não resolveram a questão: "Não houve decisão sobre o direito de negociação coletiva", afirma Marinho. Os servidores querem que o governo ratifique uma convenção da Organização Internacional do Trabalho que trata da negociação coletiva no setor público.Ex-ministro do Trabalho, Marinho iniciou as discussões entre governo e centrais sindicais sobre greve no funcionalismo. A proposta que saiu das negociações foi reformulada pela AGU e pelo Planejamento. Marinho disse ontem que é favorável ao corte de ponto e defende urgência para fechar o projeto de regulamentação: "Hora parada é hora cortada", afirma.

Decisão diminui abuso em greves, dizem advogados

DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Juristas dizem que a decisão do STF (Supremo Tribunal Federal) de estabelecer regras para greve no setor público deve diminuir os casos de abuso entre grevistas.A principal mudança para o cidadão, dizem, poderá ser vista quando houver paralisação em áreas essenciais, como saúde e transporte, pois há previsão de manutenção de serviço mínimo."Vão ser seguidas regras que estabelecem conseqüências quando isso não for cumprido", diz a professora da Faculdade de Direito da USP Odete Medauar. Geralmente, a Justiça entende que ao menos 30% do serviço devem ser mantidos."Até ontem [anteontem], não existia regra. Tínhamos todo tipo de movimento grevista e a população é quem mais sofria. Agora, as greves não poderão ocorrer de qualquer forma", diz o professor da PUC-SP Marcel Cordeiro.Com as regras, a decisão de interromper os trabalhos tem de ser aprovada em assembléia de trabalhadores e a paralisação deve ser informada com 48 horas de antecedência. No caso de serviço essencial, o aviso deve ser feito 72 horas antes da greve.Especialista em direito trabalhista da Tostes e Associados Advogados, Rui Meier acredita que a medida pode acabar com os casos em que servidores decidem pela greve justamente para iniciar as negociações salariais.Pela decisão do Supremo, os servidores passam a seguir as mesmas regras da iniciativa privada. Assim, também pode haver desconto do período parado no contracheque. Apesar de a lei prever punição em caso de abuso, especialistas acham remota a possibilidade do servidor público ser demitido.

sexta-feira, 26 de outubro de 2007

STF e Concurso público (Defensoria de Minas)


ADI e Princípio do Concurso Público - 2

O Tribunal retomou julgamento de ação direta de inconstitucionalidade ajuizada pelo Procurador-Geral da República contra os artigos 140, caput e parágrafo único, e 141, ambos da Lei Complementar 65/2003, do art. 55, caput e parágrafo único, da Lei 15.788/2005, e do art. 135, caput e § 2º da Lei 15.961/2005, todas do Estado de Minas Gerais, que dispõem sobre a forma de investidura e provimento de cargos da carreira de Defensor Público e a remuneração de cargos — v. Informativo 462. Na sessão de 17.10.2007, o Tribunal, por maioria, por entender caracterizada a ofensa ao princípio do concurso público (CF, artigos 37, II e 134, § 1º), bem como ao art. 37, XIII, da CF, que veda a equiparação ou vinculação de quaisquer espécies remuneratórias para o efeito de remuneração de pessoal do serviço público, julgou parcialmente procedente o pedido formulado para conferir interpretação conforme ao art. 140, caput, da Lei Complementar 65/2003, para restringir a expressão “Defensor Público”, de modo que ela alcance somente os aprovados em concurso público específico para o cargo; e para declarar a inconstitucionalidade do parágrafo único do art. 140 e do art. 141 dessa mesma Lei Complementar 65/2003; do art. 135, caput, § 2º, da Lei 15.961/2005; e do art. 55, parágrafo único, da Lei 15.788/2005.
ADI 3819/MG, rel. Min. Eros Grau, 17.10.2007. (ADI-3819)

ADI e Princípio do Concurso Público - 3

O Min. Eros Grau, relator, tendo em conta o tempo de vigência da Lei Complementar 65/2003 e o fato de a Defensoria Pública no Estado de Minas Gerais atuar de modo precário, com base no que disposto no art. 27 da Lei 9.868/99, propôs, a fim de evitar prejuízos de ordem social decorrentes da declaração de inconstitucionalidade com efeitos ex tunc, a modulação dos efeitos dessa declaração, para que a decisão venha a produzir efeitos 2 anos após seu trânsito em julgado, tempo que reputou hábil à reorganização da Defensoria Pública do referido Estado-membro. Quanto à modulação dos efeitos, após debates e votos, o relator indicou adiamento, para que a decisão fosse tomada com a totalidade dos Ministros.
ADI 3819/MG, rel. Min. Eros Grau, 17.10.2007. (ADI-3819)